Depois de uma primeira temporada aclamada, o segundo ano de The Last of Us começou no último domingo com o episódio “Future Days”, em referência a famosa música do Pearl Jam, também utilizada na trilha sonora do jogo da Naughty Dog.
O episódio foi muito menos explosivo do que as pessoas esperavam, mas entregou uma construção de narrativa que entende seu meio, faz alterações necessárias e prepara o terreno pra eventos aterrorizadores que virão. Já adianto que o texto pode conter spoilers sobre o episódio, mas vou evitar revelar sobre o futuro da trama.
Lar doce lar
O episódio tem o foco central na comunidade de Jackson e nas relações interpessoais entre os personagens principais e as novas adições do elenco. Como a história se passa alguns anos depois do fim da primeira temporada, o roteiro tem a tarefa de lentamente construir o que aconteceu nesse tempo, ao mesmo tempo que introduz novos rostos.
Dina e Jesse são algumas das novas adições, colegas de Ellie, ambos são também parte central para entender como a personagem se encaixa nessa nova dinâmica de viver em sociedade e ser parte das engrenagens que regem Jackson. Logo nas interações iniciais com Jesse, vemos que Ellie busca melhorar suas habilidades físicas, e que seu temperamento não mudou nada, pelo contrário, só se endureceu com o tempo.
Já com Dina, vemos uma Ellie mais frágil, mas, ao mesmo tempo, jovial e inconsequente. É nos momentos com ela que temos a face mais adolescente da personagem, que não teve tempo de viver as fases da juventude devido ao apocalipse, e que então, em um momento de paz, extravasa toda essa energia.
Falando em Dina, a personagem, que já era extremamente cativante no jogo, aqui ganha ainda mais carisma na figura de Isabela Merced, que tem uma performance tão hipnotizante que rouba a cena em quase todas as sequências que aparece.
Por fim, temos Joel, então na casa dos 60 anos, ele parece mais lento, centrado e reflexivo do que antes. Preocupado com os que ama, com a segurança de Jackson e, por que não, com sua saúde mental. A adição da psicóloga e as sessões de terapias são algumas das mudanças que mais fizeram sentido do game para a série em termos de construção de personagem.
Frame por frame
Apesar das diferenças entre uma mídia e outra, ainda é uma adaptação de um jogo extremamente cinematográfico. A dupla Mazin e Druckmann ainda tentam encontrar aquele doce ponto ideal entre adaptar e inovar, e acredito que este episódio é mais um passo em direção a este ponto.
Os dois pilares de alterar/adicionar e adaptar/homenagear têm sido bem equilibrados na série como um todo. Para cada nova adição, uma homenagem ou cena sendo retirada diretamente do jogo frame a frame é apresentada.
Se temos novidades na personagem da terapeuta, interpretada por Catherine O'Hara, também temos cenas idênticas ao jogo, como o baile em que Dina e Ellie se beijam.
Essa cadência na série é o que a torna mais interessante pra mim. Nada mais chato e sem graça do que uma adaptação que copia seu material original sem pensar na mídia para qual está sendo adaptada. Por outro lado, também é extremamente desrespeitoso o processo de transformar uma obra em outra como um sequestro criativo.
As sequências em que Ellie usa a garrafa para atrair um infectado; a imagem do funcionário do mês com a imagem do cachorro; ou a participação de Gustavo Santaolalla são pequenos detalhes que mostra o quanto a equipe tem carinho pelo jogo original, mas, também, querem contar essa história na melhor forma que a mídia live action pode permitir.
Em rota de colisão
Logo nos primeiros minutos, é revelado algo que no jogo demora horas para aparecer: a motivação da personagem Abby. Uma mudança que com certeza vai reverberar entre os fãs do jogo, mas, pessoalmente, entendi a visão que tiveram ao fazer essa escolha.
Abby vem como uma força vingativa, você não conhece a personagem, mas entende completamente o porquê do que ela está fazendo, antes mesmo de o inferno chegar. Se no jogo somos obrigados a jogar com ela e estar na pele da personagem, a série não tem esse luxo, devido a isso, a ideia de mostrar a personagem como um antagonismo (justificado) em rota de colisão com a vida pacífica em Jackson é uma opção interessante de narrativa.
Além disso, os indícios de que uma grande horda estaria a caminho da comunidade é uma mudança crucial em relação ao material original, que torna ainda mais catártico o encontro entre Abby e nossos protagonistas.
Como a direção tirou um episódio inteiro para nos habituar àquele mundo, entender e se importar com os personagens, amar ou odiar alguns, esses sentimentos construídos serão essenciais para as provações que virão.
Dias Futuros
Future Days é um episódio sólido de estreia, sem grandes reviravoltas, mas focado na apresentação e construção dos personagens novos e antigos. Ainda há muito o que se explorar na relação Ellie/Joel, mas acredito que o tratamento que a produção está aplicando aqui será eficaz.
É um retrato do lado humano e mundano dos personagens, deixando a violência de Joel de lado para mostrar um homem com passado carregado de escolhas dúbias. Mostra Ellie como uma criança/adolescente que nunca teve a oportunidade de viver essa fase e encontra força em mostrar que independentemente de serem bons ou ruins, dias futuros virão.
Revisão: Beatriz Castro