Lançado em 2023 exclusivamente para PC, Pocket Bravery foi um jogo que sintetizou muito bem o amor dos brasileiros por jogos de luta. Agora, chegou a hora dos donos de console entrarem no ringue elemental e descobrir o porquê desse título merecer estar na biblioteca dos fãs de fighting games.
Comandos (e problemas) familiares
O esquema de comandos foi pensado para ser familiar, não importa em qual geração de games você tenha começado a jogar. Temos quatro botões para os ataques básicos: dois socos e dois chutes, sendo um forte e um fraco, respectivamente. Os golpes especiais são aplicados com sequências manjadas, como meia lua para frente, para trás ou usando comandos carregados, como segurar alguns segundos para trás e depois mudar para frente, mais um botão de ataque.
Há também a barra elemental, que é preenchida sempre que causamos ou sofremos dano. Ela é bipartida e sempre que um segmento seu estiver completo, podemos utilizar uma forma melhorada dos golpes especiais, como se fosse uma versão EX. É aqui nesse trecho que eu posso falar que a assimilação de execução dos golpes especiais melhorou bastante se comparadas à época do lançamento do título para PC.
Pocket Bravery já tem por natureza combos mais curtos e objetivos, e agora executar os golpes especiais se tornou bem mais fácil, seja para concluir uma combinação ou extender a duração da surra. Logo, o combate se tornou muito mais dinâmico e fluido, o que é reforçado quando usamos o sistema de breaker, que interrompe uma sequência agressiva do oponente e nos dá uma brecha para reverter o prejuízo.
Entretanto, os Super Especiais e o Ataque Final, que têm comandos com duas sequências de direcional, ainda são bastante chatinhos de executar, e isso vale até mesmo para aqueles que parecem fáceis, como os que possuem duas meias luas na mesma direção, por exemplo. O tempo perdido para a aplicação desses pode resultar em uma infame janela pela qual o seu adversário pode tirar proveito e encerrar assim a luta.
Para os novatos de plantão, que ainda não conseguem se achar com as sequências de botões: podem começar a jogar com o modo Acessível. Ele preserva os quatro botões de ataque básicos, mas quando usados em conjunto com os botões superiores do controle, nos permitem aplicar facilmente golpes especiais, elementais e finais por meio de atalhos.
Por mais que a prática leve a perfeição, é um pouco frustrante depender de um recurso mais poderoso e não conseguir usá-lo por uma questão de assimilação dos comandos por parte do controle. É um problema considerável, mas que pode ser resolvido com uma atualização futura.
Um show de referências e inspirações
O pessoal do Statera Studio fez questão de espalhar todo seu carinho pela cultura pop no geral em Pocket Bravery, mas o jogo está bem longe de ser um meme ambulante, pelo contrário. Há desde menções sutis até outras escancaradas, mas nenhuma delas passa a sensação de exagero.
Cada um dos cenários faz menção a um país, com direito ao povo de fundo assistindo a luta. Como bom paulista, o meu favorito é o de Osasco, que traz uma periferia com crianças jogando bola, tradicionais fliperamas com adesivos de jogos muito conhecidos por nós, e até uma pichação no muro escrito “Rumo ao Hexa” (título que estamos aguardando desde 2006).
Outras duas fases muito bem boladas são a do Treta Championship e a que foi inspirada no jogo Breakers’ Revenge, que é a “casa” de Sho Kamui, convidado especial do elenco. A primeira traz uma arena situada no principal campeonato de jogos de luta do Brasil, sendo que este acontece regularmente em Curitiba. Na plateia temos diversos nomes famosos da FGC nacional e mundial, como Maximillian Dood, Matt Muscles, Katsuhiro Harada, Justin Wong, Ed Boon e Eterno Ninja.
Os lutadores carregam influências tanto no nome dos golpes quanto nas cores das roupas. Inclusive, quem se dispor a comprar as 10 cores extras de cada um deles na loja, na hora vai pensar “onde que eu já vi isso mesmo?”. O protagonista Sho, por exemplo, tem como padrão secreto cores que o deixam parecido com Goku, Seiya e Yusuke, os heróis de Dragon Ball, Cavaleiros do Zodíaco (Saint Seiya) e Yu Yu Hakusho, respectivamente. Vale a pena conferir cada um só para testar o quanto nossa memória ainda está boa.
O suprassumo do Arcade tupiniquim está no modo Rodoviária. Ele é inspirado em uma ROM totalmente quebrada de Street Fighter II, que ficou famosa pela possibilidade de simplesmente inundar a tela com golpes especiais das maneiras mais bizarras possíveis, como o Hadouken quádruplo feito no ar, o Flash Kick que vem acompanhado de um Sonic Boom em ziguezague, a possibilidade de prender o adversário no canto da tela apenas com o botão de chute fraco agachado, só para citar algumas. Esta versão ficou carinhosamente conhecida aqui como “Street Fighter de Rodoviária”, por isso o nome deste modo.
Logo, neste modo podemos escancarar no absurdo e soltar especiais no ar e realizar sequências insanas que o modo tradicional não permite. Esta é a homenagem mais maluca e original que podia ter sido feita para um jogo de luta, mas não poderia ter se encaixado melhor na proposta. Os gringos com certeza podem não ter entendido direito, mas se nós podemos pesquisar pelas referências deles, nada mais justo do que eles tentarem entender as nossas, pelo menos uma vez.
Quanto ao visual, a escolha de usar personagens ao estilo chibi (corpos pequenos com cabeças desproporcionalmente grandes) também é outra ótima sacada, remetendo a mais um clássico da Capcom: Pocket Fighter. Independente do seu favorito no elenco, todos eles têm um carisma único graças ao estilo caricato e cartunesco.
O áudio também demonstra um ótimo empenho. Seja nas melodias originais, na abertura empolgante cantada em português ou na ótima dublagem dos personagens durante cada combate. Pode parecer preciosismo da minha parte, mas já tenho mais de 30 anos jogando fighting games e ter diálogos em português e, aliás, diálogos tipicamente brasileiros, é algo que até dá uma empolgação extra na hora de lutar.
Cães de briga
O modo História de Pocket Bravery é focado na jornada de Nuno. Ele fazia parte de um grupo terrorista chamado Matilha, liderado por Hector. Ele acaba se rebelando e sendo preso pelos ex-companheiros. Após escapar, ele jura exterminar o seu ex-esquadrão, pondo fim ao terror que eles espalharam pelo mundo.
A História tem belas cenas animadas sem dublagem, apenas legendadas, mas que ajudam a entender toda a trama por trás do passado de Nuno. O ponto contra deste modo é que, por mais que os capítulos tenham mais de uma luta em sequência, temos que refazer tudo se falhamos em alguma. Como aqui não há escolha de dificuldade, alguns jogadores podem sentir picos desiguais no desafio proposto, com algumas fases desproporcionalmente mais difíceis do que outras que vem depois.
Não poderia faltar também o tradicional Arcade, no qual temos oito combates que nos recompensam com o final do personagem ao serem concluídos. Ao falar de modos extras, temos o já citado Rodoviária e os clássicos Sobrevivência e Contra o Tempo. Eles são auto explicativos: enquanto no primeiro temos que enfrentar a maior quantidade possível de inimigos com apenas uma barra de energia, enquanto no segundo devemos derrotar uma quantidade fixa de oponentes no menor tempo possível.
Para quem quer melhorar suas habilidades há o Treino tradicional, no qual podemos apenas praticar golpes ou analisar até o frame data de cada golpe dos personagens, e os Desafios. Neles, passamos por uma sequência de dez missões com cada personagem, que vão de combinações simples até combos mais longos e sofisticados. Para aqueles que se sentirem mais ousados há o Combo Factory. Nele nós podemos criar nossa própria sequência de ataques, gravar e depois treiná-la até ficar impecável.
No meio disso tudo, talvez o mais insosso de todos seja o Busca Implacável. No controle de Daisuke, devemos perseguir Ximena em uma espécie de jogo de navinha. É algo diferente, mas que perde o brilho perto dos demais modos de jogo.
Quanto aos duelos online, eles foram sim aprimorados se comparados com o primeiro lançamento de Pocket Bravery de dois anos atrás, mas com ressalvas. Como recebemos o código para análise antes do lançamento oficial da versão de consoles, encontrei poucos rivais online e apenas para disputas ranqueadas e casuais. Logo, não consegui testar a funcionalidade do lobby.
Apesar dessa questão, me conectar com outro jogador em rede foi rápido, mas a hora da batalha me reservou algumas surpresas. Em alguns duelos que fiz contra quem estava com conexão via cabo LAN as partidas aconteceram de maneira estável, como se fossem locais. Já aqueles que estavam via wi-fi, mesmo com indicação de sinal alto, apresentaram diversos problemas durante a luta. Fui até o final delas, mesmo com uma série de lags e “teletransportes” indesejáveis.
O amor do brasileiro é diferente
Pocket Bravery definitivamente é um jogo brasileiro que vale a pena conhecer por diversos motivos: o primeiro é que se trata de um trabalho feito em solo nacional e que não faz feio para nenhum outro nome do gênero, seja no aspecto estrutural, visual ou sonoro; segundo porque pode ser uma ótima pedida para quem quer um jogo de luta bacana a um preço mais em conta; terceiro pois ele carrega a paixão que muitos de nós temos por esse gênero noventista e ainda incrementa com diversas referências e aspectos da nossa cultura. Com certeza um combatente desse não pode ser subestimado por ninguém.
Prós
- Poder alternar entre controles no tipo Padrão ou Inclusivo ajuda jogadores novatos a assimilar melhor a mecânica de jogo, que já é familiar para quem curte o gênero;
- Diversos modos de jogo que aumentam o fator replay;
- O uso de referências culturais brasileiras nas fases, personagens e até no modo Rodoviária tornam o jogo mais convidativo para o nosso público;
- Combo Factory nos dá liberdade de criar e gravar nossas próprias combinações.
- Aspecto visual e sonoro trazem um aspecto único e charmoso.
Contras
- Mesmo com correções e melhorias, ainda é difícil executar Super Especiais e Ataques Finais;
- Ter que recomeçar uma sequência inteira de lutas no História após uma falha é um pouco cansativo;
- Instabilidade em combates com oponentes que estão conectados via wi-fi;
- O Busca Implacável é menos interessante que os demais modos, apesar da criatividade.
Pocket Bravery — PC/PS4/PS5/Switch/XBO/XSX — Nota: 8.5Versão utilizada para análise: PS5
Revisão: Juliana Piombo dos Santos
Análise feita com cópia digital cedida pela PQube