Promise Mascot Agency: entrevistamos os desenvolvedores da Kaizen Game Works

Oli Clarke Smith, Rachel Noy e Phil Crabtree discutem histórias sobre a yakuza, filosofias de game design e feminismo.

em 16/03/2025

Promise Mascot Agency é talvez um dos jogos mais empolgantes de 2025. Com lançamento previsto para 10 de abril para PC (via Steam e Epic Games Store), PlayStation 5, Xbox Series X|S e Nintendo Switch, o primeiro “drama criminal de gerenciamento de mascotes em mundo aberto” do mundo promete (com o perdão do trocadilho) tanto caos quanto a frase indica. 

A história gira ao redor de Michizane “Michi” Sugawara, um tenente da Família Shimazu, célula yakuza de Fukuoka, que perde uma grande quantia de dinheiro em uma emboscada. Como punição, ele perde o dedo mindinho e é exilado por sua matriarca para uma cidadezinha do interior, onde deve gerenciar uma agência de mascotes com a ajuda da surtada Pinky, sua nova comparsa e filha de um de seus chefes. 

No hype pré-lançamento, entrevistamos as três lideranças da Kaizen Game Works, mãe do projeto: Oli Clarke Smith, cofundador e diretor; Rachel Noy, diretora de arte e designer de ambientes 3D; e Phil Crabtree, cofundador e diretor técnico. As perguntas foram elaboradas com base na demo de jogo, disponível para PC, PlayStation 5 e Xbox Series X|S.

Observação: as respostas foram editadas por motivos de clareza.

Hiero de Lima: Para começar, vocês poderiam falar das inspirações por trás deste jogo? O que fez vocês juntarem as três partes da frase “drama criminal de gerenciamento de mascotes em mundo aberto”?

Oli Clarke Smith: Insanidade, eu diria. [risos] A gente queria fazer um jogo 2D de gerenciamento de mascotes, estilo Kairosoft, os criadores de Game Dev Story. A parte do 3D chegou para diferenciá-lo dos outros jogos desse estilo no mercado. Sobre a parte de história de yakuza, foi no início só algo para se colocar no pitch deck, para gerar interesse dos investidores. A Rachel não tinha gostado muito na época, mas eu falei “é temporário, a gente tira depois”. 

No fim das contas ficamos todos bem interessados no conceito, nessa mistura de uma história sobre um submundo criminal e várias mascotes bizarras ao redor. A parte forte é a dinâmica do Michi e da Pinky, que usa o estilo manzai de comédia japonesa, no qual ele é o cara sério [tsukkomi] e ela é a doida [boke]

Rachel Noy: Nos inspiramos bastante em filmes, livros e games sobre a yakuza, incluindo, claro, a série Yakuza. É difícil fugir dela quando se faz um jogo nesse tema. São coisas que gostamos de ver. A estética dos mangás também foi uma grande fonte de inspiração. 

Hiero: Eu vi no BlueSky que vocês incluíram trechos bem nesse estilo mangá no jogo. Combinou muito bem!

Rachel: Obrigada! A gente contratou a Inko Ai Takita para fazer a arte. Gostamos muito do resultado.

Hiero: Vocês falaram da série Yakuza, que também usa bastante esse contraste entre o dramático e o bisonho para construir a narrativa. Quais são seus jogos e personagens favoritos da franquia? Como vocês diriam que suas escolhas influenciaram a história de Promise Mascot Agency?

Rachel: O meu favorito é o Yakuza 5, apesar de ser uma escolha meio clichê. São cinco cidades muito interessantes, muita gente envolvida, e eu adoro os personagens, principalmente o Saejima e o Akiyama. Eu acho que esse sentimento de comunidade entrou bastante no jogo.

Oli: A maior influência acabou sendo mesmo o Kiryu. O nosso protagonista, o Michi, é bastante similar a ele, os dois são estoicos e meio que aceitam tudo que vivenciam sem perguntar, mas a diferença principal é como eles lidam com problemas. O Kiryu é um tipo que arranja confusão sem querer, aonde quer que ele vá, e daí ele bate em todo mundo e tudo se resolve [risos]. Até no Yakuza 5, ele quer fugir e viver em paz, e ainda assim colocam ele nas tretas da yakuza. O Michi meio que “vai atrás” dos problemas, ele busca mais ativamente ajudar as pessoas ao redor. 

Algo que a gente acabou também tirando da franquia, especificamente do Yakuza 3, é a premissa do “peixe fora d’água”. Lá, o Kiryu, um cara de Tóquio, vai parar em Okinawa para cuidar de um orfanato e acaba de novo envolvido em uma conspiração da yakuza. Ele é um cara da cidade em um ambiente que não é familiar a ele, tem de reaprender tudo. O Michi é igual. A matriarca Shimazu o manda para uma cidade no meio do nada e agora ele tem de se virar, sabe?

Hiero: O Yakuza 3 também tira bastante do filme Sonatine, não é? Eu vi nas redes sociais vocês também falando que esse filme foi uma inspiração para o jogo. Fui assistir por recomendação de vocês!

Rachel: Sério?! [risos] Que ótimo!

Oli: É isso mesmo. Em Sonatine, o [diretor e ator principal] Beat Takeshi constrói essa mesma história, esse mesmo peixe fora d’água, um cara que descobre na marra que o que funcionava para ele na cidade não funciona mais onde ele está agora, que ele tem de desaprender tudo aquilo. Isso aparece bem na famosa cena da praia [onde o protagonista aponta uma arma para a própria cabeça, com um sorriso]. Outra coisa que nos inspirou bastante foi como esse filme dá o tempo certo para cada cena impactar quem está assistindo. 

Hiero: A gente está falando bastante de mídias que representam a yakuza, e um dos principais problemas que assolam esse gênero é como as mulheres são tratadas, tanto por causa da própria estrutura da organização representada quanto por certos valores da cultura japonesa. Quando eu vejo que quem comanda a família yakuza principal da história de vocês é uma mulher, uma ane-san, isso me chama a atenção. Qual a história por trás da matriarca Shimazu? Ela foi criada com isso em mente?

Rachel: Acho que um pouquinho, sim. Eu não lembro se quem teve a ideia foi a Ikumi Nakamura ou a gente…

Oli: Foi a gente.

Rachel: Isso. Na verdade, primeiro a ideia foi que o Michi fosse uma mulher, porque a gente queria brincar um pouco com esses padrões de gênero que se observam em histórias sobre a yakuza. No final das contas, acabou que ele é um homem, mas todas as pessoas a quem ele responde são mulheres. Você tem primeiro a matriarca dele, a pessoa a quem ele jurou a vida. Também temos as gêmeas adotadas dela [Nui e Yui], que o veem como um tio, mas ainda assim existe essa dinâmica de poder entre eles. 

Quando a matriarca Shimazu o manda para o interior, lá ele encontra a Pinky, que ensina a ele como as coisas funcionam, e a Shiori, a gerente das mascotes que não tem medo nenhum dele…

Hiero: É, ela fala tudo na cara mesmo! É um jogo bem feminista nesse sentido.

Rachel: Fala, sim! [risos] Acabou que é meio um mundo de mulheres, que esse homem tem que navegar. Uma coisa notável foi que, quando estávamos tentando vender nosso peixe para as publicadoras [antes de decidirem que iriam publicar o jogo por conta própria], teve uma do Japão que adorou as mascotes malucas, a vibe caótica, mas que criticou o fato do Michi ser subordinado a uma mulher. Lideranças femininas na yakuza são raras, mas existem. Tem até um livro chamado Yakuza Moon a respeito, sobre a filha de um certo membro. Mesmo assim, disseram que essa personagem não era realista. Eu fiquei pensando: então o tofu chorão é OK, mas isso já é demais?! 

Oli: A gente busca, em Promise Mascot Agency, fazer uma crítica do estado atual do mundo. Está tudo assim, um caos, por causa das ações de certos homens velhos corruptos. Temos um personagem assim no jogo, também. A matriarca Shimazu e as outras mulheres importantes acabam sendo um contraponto a esse establishment masculino, caindo aos pedaços: um dos temas do jogo é a realidade atual da yakuza, tão restrita atualmente por tantas leis, e como a organização está se adaptando. Uma perspectiva feminina caiu como uma luva. 

Hiero: Promise Mascot Agency é bastante diferente de Paradise Killer, mas ainda dá para se perceber várias semelhanças entre os dois projetos. O que vocês diriam ser o tecido conectivo, o “molho secreto”, por assim dizer, que faz os dois serem títulos únicos da Kaizen Game Works?

Phil Crabtree: É a gente. Eu não digo isso por ser convencido, simplesmente é porque foi a gente que fez. Nosso foco principal é contar histórias sobre coisas que gostamos e acreditamos. Nós também não temos medo de aplicar fricção: outro estúdio cortaria as partes pouco convenientes, mas nós apostamos nelas. 

Hiero: Eu tenho um amigo que passou anos sem querer terminar Paradise Killer porque odiava a UI! [risos] Eu falava pra ele, “você não entendeu nada! Dá uma chance!”

Phil: É, esse é um ponto bastante polêmico. Quando você olha para uma captura de tela do jogo, os elementos da UI parecem discordantes, mas o contexto realmente faz tudo fazer sentido. A gente quer que os jogadores confiem na nossa visão. 

Oli: Tiramos bastante inspiração do que eu considero ser o “padrão de ouro” dos videogames: a era do PlayStation 1. Para mim, nunca vai existir um jogo tão bonito quanto Metal Gear Solid 2 [risos], então para que tentar? Nós provavelmente nunca vamos fazer nada super graficamente sofisticado, até por questões de orçamento. Em Promise Mascot Agency, as animações em 3D que fizemos poderiam até ser mais refinadas, mas eu acho que isso tira a alegria. É o nosso toque. 

Hiero: Aliás, levou umas 12 a 15 horas de jogo, mas esse meu amigo amou Paradise Killer no fim das contas. Essa abordagem de confiar no processo deu bem certo.

Rachel: Que bom! [risos]

Hiero: Como resultado desse distanciamento relativo, vocês têm vários sistemas novos em Promise Mascot Agency, como a fase deckbuilder, a máquina de garra e o gerenciamento das mascotes, que eu vi vocês dizerem que era mais complicado antes. Dessas coisas totalmente novas, com pouco ou nenhum código da época do Paradise Killer, o que foi mais fácil de fazer e o que foi mais difícil?

Phil: Tem vários candidatos a mais difícil, viu… por exemplo, botar um mundo aberto no Switch. Isso sim foi uma luta, ainda mais porque esse é ainda maior dessa vez. Mas eu diria que o campeão de dificuldade foram as batalhas de cartas. 

Oli: Foi complicado principalmente porque tivemos que trabalhar com scripting de cada evento possível, para tudo sair direitinho. É algo que normalmente não fazemos. Agora, algo fácil… eu não faço ideia.

Phil: O diálogo!

Oli: Isso, o diálogo! [todos riem] O sistema de diálogo foi uma das primeiras coisas que nós implementamos. Foi praticamente um porte direto do Paradise Killer, e nós não tivemos problema nenhum. 

Hiero: Ikumi Nakamura, Mai Mattori, Swery, Shuhei Yoshida, até o Takaya Kuroda! Vocês devem ser mestres do networking. Como é que se junta tanta gente talentosa para trabalhar no mesmo projeto?

Rachel: A gente não é mestre de networking, não! [risos] A gente conhece gente que é. Tivemos bastante ajuda da Kowloon Nights, o fundo para estúdios independentes que está auxiliando no desenvolvimento. Eles nos colocaram em contato com uma galera. 

A Ikumi estava saindo da Tango Gameworks bem na época em que estávamos começando a trabalhar em Promise Mascot Agency e topou, junto com a Mai, trabalhar com a gente. O Shuhei Yoshida chegou porque a Kowloon tinha o contato dele, já que a PlayStation promoveu nosso jogo [durante a Tokyo Game Show]. Daí que sugerimos ele dublar um personagem. 

Oli: Quem também nos ajudou bastante foi o nosso diretor de localização japonesa, o Roppyaku Tsurumi. Ele foi responsável também pelo casting da dublagem em japonês. Eis que aparece o Takaya Kuroda, o próprio Kiryu, cujos agentes provavelmente estavam pensando “a gente tem de colocar ele em mais coisa de yakuza”, e a gente foi simplesmente incapaz de dizer não para o Kuroda-san. 

Rachel: Já pro Swery a gente literalmente só pediu. Mandamos um e-mail tipo “ah, você quer aparecer no nosso jogo?”, e acabou que ele topou porque tinha gostado muito de Paradise Killer.

Hiero: Então o segredo, além de ter bons amigos e um ótimo jogo, é ser cara de pau.

Rachel: Bem isso! [risos] Se a gente não disser que quer, não vai acontecer nada. Teve uma galera que a gente também pediu para aparecer e disseram que não, mas pelo menos tentamos. Também foi importante a gente deixar claro que é trabalho, que não é um favor que estamos pedindo. Na nossa mensagem ao Swery, colocamos quanto poderíamos pagar. 

Hiero: Para fechar: alguma mensagem que queiram dar aos fãs brasileiros? Eles existem, e eu sei porque sou uma deles!

Oli: Obrigado a todos pelo apoio. Suporte ao português brasileiro é um pedido constante, e por sermos indies é um pouco mais difícil. São mais de 120 mil palavras em Promise Mascot Agency para traduzir, é uma boa grana. Dessa vez, conseguimos a localização para várias outras línguas [como espanhol e japonês], mas não todas que gostaríamos. Se possível, no futuro, seria ótimo voltar e localizar para o português, inclusive talvez até dublar. A experiência que tivemos com o Roppyaku foi ótima; se tiver alguém igual a ele no Brasil, que conheça um pessoal legal disposto a dublar, estaríamos feitos. 

Também gostaria de elogiar o gosto de vocês pelos jogos de luta da SNK. Eu só comecei a ir atrás deles recentemente, e não fazia ideia de que tantos brasileiros gostavam! São jogos realmente únicos, como o Samurai Shodown, que desafia tudo que eu conheço sobre jogos de luta.

Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Agradecimentos à Neonhive

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Hiero de Lima
Jornalista formada pela PUC-SP e eterna apaixonada por videogames, especialmente aqueles japoneses de mistério. Sempre tem alguma redação gigante para escrever depois que zera um Yakuza.
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