Lançado de surpresa no último dia 21 de março, Look Outside é o mais novo projeto de Francis Coulombe. O projeto nasceu de uma game jam (basicamente um concurso de criação de games) e encontrou um caminho até seu lançamento com a publicadora indie Devolver Digital.
A história aborda um mundo no qual algum evento externo tomou conta da terra e fez as pessoas se isolarem em casa. Os jornais avisam que isso é algo passageiro. Nas redes sociais as pessoas levantam teorias da conspiração. Em seu apartamento, você sente a curiosidade de abrir a janela e olhar para fora, para ver o tal fenômeno, mas talvez essa seja a pior escolha a se fazer.
(Não) Olhe pra fora
O ponto de partida de Look Outside seria facilmente um roteiro de um filme de baixo orçamento adaptando alguma obra de H.P Lovecraft. É familiar o suficiente para estabelecer laços com a pandemia mundial de 2020, mas estranho o suficiente para causar calafrios.
Aos poucos, ao sair do seu apartamento e explorar os corredores, você percebe que o tal fenômeno está afetando não somente os humanos, mas também plantas e até a própria fundação do prédio. Pessoas que só olharam de relance pra fora estão sofrendo mutações, se entregando à loucura ou simplesmente morrendo.
A partir desse crescente focado na loucura, existem elementos que ajudam a compor a estranha atmosfera de Look Outside, que pra mim é quase magistral. A começar pela arte de Coulombe, que traz essencialmente o medo através da familiaridade. Gráficos pixelados puxam uma nostalgia dos jogos das décadas de 80 e 90, quando boa parte do seu conteúdo era de fantasia e, ao mesmo tempo, o artista usa imagens grotescas como a de um olho saindo do corte podre em uma barriga exposta.
Não é nada inovador, mas o estilo do traço, juntamente com as ideias perturbadoras que o jogo utiliza, criam uma sensação crescente de medo, não somente pelo que você pode encontrar visualmente, mas também pela possibilidade do que pode aparecer. Em certo momento eu encontrei um homem de costas escovando os dentes e, depois de uma série de diálogos casuais, parecia que o homem estava são, mas assim que ele se virou mais da metade do seu corpo era composta por dentes e sangue.
É o tipo de visão que eleva ainda mais o nível do inesperado e da loucura que se pode encontrar nos apartamentos. Você começa a pensar: qual será o próximo? Um bebê-rato natimorto? Uma criança derretida que fala e anda? Um monstro sem corpo que segue o jogador por todos os andares? Tudo é possível nesse microcosmo.
Outro elemento que eleva a jogatina é a trilha sonora. São diversas músicas que trazem uma vibe quase confortável, mas ao mesmo tempo incômoda. É como se toda a sonoridade de Look Outside fosse uma versão diferente da famigerada trilha de Lavender Town.
O clássico bate e espera
Já de cara podemos destacar que o combate é em turnos. Se visualmente o projeto se assemelha a jogos da era 16 bits, obviamente o combate não seria diferente. Aqui todos os clássicos botões de atacar, usar especiais, se defender e fugir estão presentes.
Alguns pontos divergentes que achei interessante são as adições de sistemas de quebra das armas e ataques de alto risco e alta recompensa, que fazem com que causar mais dano possa danificar seu equipamento. O combate pode ser simplório demais depois de um tempo, mas acredito que é sólido o suficiente para não ser considerado fraco.
Existe um sistema de exploração que inicialmente tinha me desagradado, mas com o passar do tempo eu compreendi sua função. Conforme você explora, existe um nível de periculosidade que cresce. Quanto mais tempo passa fora do seu apartamento, mais XP ganha, porém mais monstros e loucuras aparecem.
Além disso, o combate é extremamente punitivo, com monstros podendo matar seu personagem com apenas um hit se você não se planejar. Logo quando você encontra uma criatura perigosa demais, o jogo te avisa que você deveria correr. Porém, essa dificuldade, aliada a periculosidade, é extremamente eficaz para te fazer temer por sua vida quanto mais tempo passa fora de casa. Faz você ter medo de abrir aquela porta, virar aquele corredor ou checar aquele corpo.
Outra mecânica interessante é que dentro do seu apartamento, existe uma série de mini-atividades que podem ajudar a upar o seu personagem. Tomar banho e escovar os dentes por exemplo ajudam a subir alguns status, jogar videogames ou até mesmo mexer na internet também contribuem, a única ressalva ficando para os benefícios dessas atividades, já que algumas delas nunca têm uma explicação concreta de seu impacto direto na gameplay.
Sucessor espiritual de Undertale?
Cada hora que passava com o jogo me lembrava de um outro projetinho chamado Undertale. O jogo de Toby Fox me marcou muito em meados dos anos 2010 por me apresentar uma nova roupagem ao estilo pixel arte de RPG de turno. Apesar da temática diferente, o sistema de diálogos, personagens e consequências tem paralelos interessantes com Look Outside.
Além do combate e do horror, o jogo de Francis Coulombe tem uma extensa rede NPCs estranhos, side quests e interações interessantes que se parecem com Undertale. Figuras amigáveis podem ser atacadas a todo momento, e você terá que arcar com as consequências disso. Existem personagens que parecem ser inofensivos, mas ao tentar ajudá-los você acaba causando tragédias.
Para além do terror, existe também uma camada de humor que me agradou bastante em alguns pontos do game. Depois de me horrorizar com coisas inomináveis, encontrar um bar recheado de humanos mutantes que faziam piada com suas condições foi um alívio bacana, assim como no momento em que encontrei um bilhete falando da loja de um rapaz, e ao chegar no endereço encontrei um personagem que parecia ter saído direto do desenho de Phineas e Ferb, com uma trilha sonora patética tocando no fundo da loja.
São diversas as interações, e a forma como o mundo (no caso, seu apartamento) reage ao seu personagem e ações, que me fizeram apaixonar ainda mais pelo projeto, me lembrando de um dos meus RPGs favoritos de todos os tempos. Acredito que é notável a influência de Toby no trabalho de Couloumbe, mas felizmente ele usou as próprias pernas para criar algo único nessa base.
A única parte que não me agradou verdadeiramente no projeto foi a impossibilidade de jogar em tela cheia. Eu tentei de tudo, e nada fez a bendita função funcionar. É algo tão básico para um jogo de PC de 2025 que até me assustou o jogo não ter essa opção. Quanto a bugs e performance não tive nada notável para relatar.
Um diamante esperando para ser encontrado
Look Outside é um dos projetos mais interessantes que joguei em 2025 até o momento e acredito que vá encontrar uma legião de fãs com o passar do tempo. Com o lançamento surpresa, boa parte do público ainda vai ter um caminho a percorrer para chegar até o game, mas o projeto é tão sólido, diferente, criativo e instigante, que duvido que o boca a boca não vá fazer seu efeito.
Eu realmente passei um tempo assustador, impactante e divertido jogando esse título e espero que não demore muito até vermos mais alguma coisa de Francis Coulombe, um nome para ficar de olho nos próximos anos.
Prós
- Premissa assustadora baseada no horror cósmico e na possibilidade de uma ameaça invisível;
- Designs assustadores e ideias bizarras que ajudam a compor a temática de horror do game;
- Trilha sonora que dança entre o macabro, o relaxante e o cômico, sabendo balancear bem os nostálgicos tons dos anos 1990 para criar uma ambientação imersiva;
- Sistemas de RPG, escolhas e impactos com NPCs que fazem o universo do personagem parecer vivo e reativo.
Contras
- Simplesmente não consegui jogar em tela cheia em momento algum;
- Combate por turno simples que pode perder o brilho com o tempo.
Look Outside — PC — Nota: 9.0
Revisão: Juliana Piombo Santos
Análise produzida com cópia digital cedida pela Devolver Digital