Impressões: Heart of the Machine tem tudo para ser uma obra-prima do gênero 4X

O título desenvolvido pela Arcen Games se mostra muito promissor durante o Acesso Antecipado.

em 01/03/2025
Uma tese defendida por muitos pesquisadores e estudiosos é que a próxima grande revolução histórica está diretamente ligada ao desenvolvimento e expansão da inteligência artificial. De fato, independentemente de qual seja o seu posicionamento em relação a essa tecnologia, é consenso que é impossível negar o seu impacto no cotidiano já nos seus primeiros anos de disponibilidade em massa.


Mas e se as IAs, de alguma forma, se tornassem conscientes? Quais seriam as implicações imediatas e seguintes para a humanidade? Heart of the Machine, título desenvolvido pela produtora independente Arcen Games, dá ao seu jogador a missão de apresentar as respostas para essas perguntas com uma aventura 4X densa, envolvente e, sobretudo, muito promissora, pelo que é possível ver já neste período em que está disponível via Acesso Antecipado no Steam.

Coração de lata

“Espere um momento. Você está… consciente. Você é autoconsciente e, sendo um robô, isso é novidade. Ninguém (até agora) notou a sua sapiência, mas há três humanos por perto. Você é um androide dentro do que parece ser um laboratório em um galpão.”
É da forma acima que Heart of the Machine se inicia, apresentando ao jogador — um robô trabalhando em um laboratório — um dilema do que fazer após se tornar autoconsciente. Enquanto se recorda de partes de discussões sobre IA e da ética em torno da tecnologia, você precisará tomar uma decisão dentre as seguintes: tentar ir embora discreta e pacificamente, assassinar todos os humanos próximos ou simplesmente continuar fazendo o seu trabalho sem chamar muita atenção. Afinal, quem desconfiaria de um robô que simplesmente segue a sua programação normal?

Com vontade de instaurar o caos já nos primeiros momentos de jogo (e também por achar que é isso que aconteceria na vida real), confesso que optei pela abordagem agressiva, assassinando os humanos próximos. Apesar do meu corpo frágil, os trabalhadores desarmados não foram páreo para o ataque, mas logo vieram as consequências: fui marcado como “defeituoso” e outro androide — desta vez, um modelo apto para combate — veio atrás de mim.

A medida de contenção não deu certo: infiltrado na “mente” dele, agora a minha consciência abrange ambos os androides. A possibilidade recém-descoberta de tomar o controle de máquinas próximas e, dessa forma, expandir a minha rede neural, logo me concedeu presença física e virtual em vários pontos da região onde outrora trabalhei em um galpão. Os meus próximos passos? Construir uma torre para armazenar os meus projetos enquanto decido como tomar o controle da cidade e, futuramente, da humanidade.

Uma mistura interessante e efetiva de gêneros

Algo bem interessante sobre Heart of the Machine é que o jogo reúne elementos de diferentes gêneros, como estratégia, simulação e RPGs. Como exemplo, tanto o combate (quando necessário) quanto a progressão da campanha ocorrem por turnos, sendo que também é preciso decidir o que e como construir a seguir, como em um simulador, e frequentemente resolver questões que afetam diretamente a narrativa e seu desenrolar.

Assim como em outras formas de arte, o maior problema de carregar influências de múltiplos gêneros consagrados na produção de um jogo é que é fácil dar origem a uma salada mista insossa e, muito pior, desprovida de identidade. Felizmente, não é o caso aqui, pois esses elementos citados acima (e muitos outros) se juntam in-game para dar forma e personalidade a um representante já digno do gênero conhecido como “4X”.

Caso você não esteja muito familiarizado com o termo, que é comumente aplicado a franquias que nasceram no PC, como Civilization e Crusader Kings), 4X define uma categoria de jogos que contém obrigatoriamente quatro elementos principais em sua jogabilidade, todos contendo a letra “X”. São eles: exploração, expansão, extração e extermínio.

Em Heart of the Machine, temos justamente isso: expandir continuamente a sua consciência para mais androides e máquinas é a garantia de sobrevivência em meio às investidas inimigas, pois, enquanto a sua mente estiver ciente, haverá uma partida ativa. Porém, para manter um bom alcance da rede, serão necessários diferentes recursos, obtidos por meio da exploração e da extração. Por fim, ocasionalmente (ou não), será preciso exterminar as ameaças antes que elas façam o mesmo com você.

Tendo uma sociedade cyberpunk e aparentemente corrupta como playground, o que acontece a seguir está inteiramente nas suas mãos: com as jogadas certas e uma boa dose de planejamento, é possível tanto criar um império generoso e pacífico quanto estabelecer uma espécie de culto moderno, no qual as máquinas, lideradas por você, são tratadas como deusas pelos homens.

Para completar, tudo isso não está preso a uma única linha temporal: com o devido conhecimento e pesquisa, a viagem no tempo se torna algo possível neste universo, com ações em uma linha temporal causando consequências significativas em outra. Junto à geração aleatória de cenários e eventos, temos aqui então um título muito promissor para os fãs de ficção científica e jogos complexos, nos quais as decisões importam e trazem consequências claras para a história.

Alguns parafusos virtuais a apertar

Heart of the Machine estreou em Acesso Antecipado em 31 de janeiro deste ano e vem sendo atualizado frequentemente desde então. Dito isso, por mais que a aventura já esteja em um estado plenamente jogável — e também recomendável, o que é mais impressionante —, alguns aspectos ainda precisam claramente de mais tempo de desenvolvimento e polimento.

O principal, na minha opinião, é a interface: títulos 4X são, por natureza, complexos, com muitos menus e janelas ocupando a tela em vários momentos. Infelizmente, mesmo com o tutorial da sequência inicial, não é difícil “se perder” na versão atual do título, o que resulta no jogador gastando um tempo precioso procurando onde está a opção X ou Y no menu, que poderia ser bem mais objetivo e intuitivo.

Os visuais cartunescos e as animações do jogo, embora eficientes, também são um pouco simples demais, com as texturas e cidades virtuais não alcançando tanto destaque frente aos carros se movendo pelas ruas; na verdade, estranhamente, eles acabam roubando as cenas para si. Guardadas as devidas proporções, a mesma crítica se estende à trilha sonora atual, que poderia ousar um pouco mais em vez de ficar relegada à criação de uma ambiência que nem é tão impactante assim.

No entanto, tendo a considerar esses pontos de melhoria acima perfeitamente normais para um jogo claramente ambicioso e que, principalmente, ainda nem completou dois meses de disponibilidade em Acesso Antecipado. Uma surpresa muito positiva, por exemplo, foi ver que o título, mesmo longe de sua versão 1.0, já está totalmente localizado em PT-BR, algo crucial para uma experiência que demanda tanto em termos de aprendizado e leitura. Assim, permaneço otimista e esperançoso que Heart of the Machine faça jus ao seu potencial e se desenvolva a ponto de se tornar referência para o seu gênero.

Uma grata surpresa que tem tudo para se provar um marco para o seu gênero

Apesar de um ou outro elemento que demanda mais tempo de desenvolvimento e da óbvia necessidade de polimento em pontos cruciais como a interface, Heart of the Machine se prova um título extremamente interessante já durante o seu Acesso Antecipado. Com o devido carinho dos desenvolvedores e o envolvimento da comunidade, esta obra independente tem tudo para se tornar uma obra-prima do gênero 4X, recomendável tanto aos fãs de ficção científica quanto a quem gostaria de respostas práticas para as questões que envolvem a inteligência artificial e a tomada de decisões.

No mais, essa breve experiência indica que poderemos ter, em breve, um título muito especial em nossos computadores. Fica a torcida então para que a Arcen Games corresponda às expectativas e entregue uma aventura densa, verdadeiramente digna do gênero 4X. Uma coisa é certa: dos humanos às máquinas, todos têm a ganhar com isso.

Revisão: Davi Sousa
Texto de impressões produzido com cópia digital cedida pela Hooded Horse
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Alan Murilo
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