Logo, quando Everhood 2 foi anunciado, confesso que fiquei muito empolgado para experimentar a sequência direta de um dos títulos mais marcantes que já joguei. Finalmente, é com um sorriso no rosto que escrevo que esta sequência não escapa dos deslizes, mas oferece novamente um puro suco de psicodelia em um título nada convencional, recomendado a quem não teme aventuras que fogem do óbvio e fazem do abstrato o seu playground.
Descobrindo a cor da sua alma
Uma das grandes provas dessa capacidade que Everhood 2 tem de fugir do óbvio ocorre já nos primeiros momentos, em que, ao contrário do criador de personagens comumente encontrado em RPGs, somos convidados a “conversar com o jogo”, respondendo um questionário. Finalizando as perguntas — que podem chegar a ser desconfortáveis, mas nunca obrigatórias —, o seu personagem receberá uma cor, que, dentre outras coisas, simboliza o estado da sua alma in-game.
Sim, ao contrário de Red, boneco de madeira do primeiro título, uma das grandes novidades desta sequência é que agora jogamos com um protagonista personalizável, dono de um inventário propriamente dito e cujo desenvolvimento está atrelado aos pontos de experiência obtidos após cada nova batalha rítmica bem-sucedida.
Esse é, então, o ponto de partida para outra aventura psicodélica de 10 horas de duração cujos detalhes de narrativa serão muito mais impactantes se preservados e descobertos por conta própria. É que, assim como no caso do primeiro jogo, quanto menos for lido a respeito da história e reviravoltas de Everhood 2, melhor, pois uma de suas melhores características está justamente na sua capacidade de subverter expectativas e promover crises existenciais fazer o público refletir.
Inclusive, os fãs mais puristas podem comemorar, pois posso confirmar que todos os aspectos que consagraram Everhood retornam, como esperado de uma sequência numerada. Ou seja, espere personagens esquisitos, estágios que não fazem sentido visualmente falando e muitas batalhas rítmicas em sua aventura, iniciada ao decidir ajudar Raven contra o misterioso Dragão da Mente.
Quase um novo herói da guitarra
No que tange à jogabilidade, Everhood 2 segue a fórmula de seu antecessor, alternando entre a exploração clássica de RPGs 2D — que envolve a conversa com personagens e a solução de puzzles simples — e as batalhas contra diferentes criaturas, que ocorrem em arenas virtuais, semelhantes às da saudosa franquia Guitar Hero.
Falando dos confrontos em si, aqui é onde acredito que houve uma mudança um tanto quanto desnecessária. É que, ao contrário de sobreviver às sequências musicais como no primeiro título, com a habilidade de contra-atacar sendo disponibilizada muito depois para Red, o foco agora está na ofensividade, materializada ao coletarmos energia de diferentes cores para atacar os inimigos e ganhar experiência.
Na prática, então, diferentes notas ou convenções musicais são apresentadas em diferentes cores, como azul, verde e vermelho. Apertar o botão ou tecla correspondente assim que uma nota passa pelo personagem possibilita reunir energia para desferir um ataque, sendo que, quanto mais energia da mesma cor for reunida, mais poderoso o golpe será, assim como em um “combo” de jogos de luta.
O grande pulo do gato aqui é que tentar capturar ou ser atingido por uma nota de cor diferente da que já está sendo guardada interrompe e reinicia a contagem, exigindo que o jogador preste bastante atenção à tela (e também aos alto-falantes ou fones de ouvido) e mantenha a destreza em dia para poder causar danos consideráveis aos oponentes.
O lado positivo desta novidade é que ela traz consigo uma dinâmica natural de risco e recompensa, já que acumular bastante energia de uma mesma cor torna possível até mesmo causar nocautes com um único hit. Porém, o foco na ofensividade fez com que as batalhas perdessem um pouco da sua epicidade, na minha opinião. Na maioria das vezes, agora não é mais necessário, por exemplo, escutar as músicas até o fim, o que acaba tornando a trilha sonora, apesar de sua qualidade, menos impactante e fundamental para a experiência geral.
Outro ponto é que, ao contrário do primeiro jogo, em que todos os encontros eram únicos, Everhood 2 também opta por batalhas mais simples e curtas para grande parte dos inimigos, até para justificar a mecânica dos pontos de experiência. Novamente, é um caso onde a massificação do conteúdo e a implementação do grinding acabam prejudicando o resultado, principalmente frente à experiência mais, digamos, cuidadosamente elaborada de seu antecessor.
Ainda mais psicodelia, mas sem tanto impacto como da primeira vez
Como mencionado, Everhood 2 aposta em um mundo abstrato e em sequências psicodélicas para envolver o jogador durante a jornada. Com o longo tempo de desenvolvimento entre um título e outro, dá para ver que tais características foram ainda mais exacerbadas e permanecem elogiáveis, mas há um grande problema aqui: essas táticas ilusionistas não têm tanto impacto quanto da primeira vez, o que atribuo à falta do fator surpresa.
Quer dizer, se o que você busca é um RPG na mesma linha de Earthbound, Undertale e até mesmo do primeiro Everhood, esta nova obra da Foreign Gnomes segue essa linha com louvor e oferece uma aventura divertida e ainda mais extravagante no processo, mas é difícil não pensar que, da estilosa pixel-art à fusão de ritmos, todos os truques que estão aqui já foram vistos em alguma medida antes nas obras citadas, minando bastante a sensação de novidade que ajudou o primeiro título a se destacar positivamente lá em 2021.
É aí que as inovações de um título para outro têm que se justificar, o que infelizmente não acontece aqui, na minha opinião. Sendo perfeitamente honesto, o sistema de experiência me parece forçado, e acredito que falo em nome de todos os jogadores quando digo que prefiro menos batalhas, mas que sejam memoráveis, em vez de vários oponentes banais em sequência, facilmente esquecidos após uma noite de sono.
Junte a isso a retrógrada ausência de suporte ao português brasileiro (apesar do mais recente lançamento da Eternity Edition oferecer PT-BR nos consoles) e fica claro que Everhood 2, infelizmente, não alcança o mesmo patamar definido por seu antecessor. Muito longe de ser um jogo ruim, aqui simplesmente temos a prova de que um mesmo truque, por mais impressionante que seja, tende a não funcionar duas vezes com a mesma eficácia. Uma pena.
Bem-vindo(a) ao mundo de Everhood, novamente
Everhood 2 previsivelmente dobra a aposta nos elementos que tornaram o seu antecessor um dos jogos mais bem-avaliados de 2021, mas se perde um pouco com a falta do fator novidade e ao tentar incluir mecânicas que, honestamente, nunca foram necessárias para o que sua jornada se propõe a entregar: uma experiência nostálgica e reflexiva carregada por sequências abstratas, psicodélicas e, sobretudo, marcantes.
No mais, embora seus deslizes sejam facilmente percebidos, ainda temos aqui uma aventura interessante e que merece ser conferida pelos fãs de RPGs que não tenham medo de mergulhar em um mundo musical tão excêntrico quanto provocador. Nem tanto pelo inesperado, mas sim pelo conjunto da obra, o ingresso ainda está justificado, portanto. Pronto(a) para adentrar novamente o mundo da imaginação?
Prós
- Cumprindo o papel de uma sequência, oferece um título que agradará aos fãs da loucura do primeiro jogo, embora o resultado esteja um pouco longe de alcançar a mesma criatividade;
- A pixel-art destacada e a trilha sonora eclética dão o tom e o ritmo da aventura, fornecendo nostalgia e extravagância quando necessário;
- O bom uso da psicodelia e as ocasionais quebras da quarta parede são bem-vindas e reforçam o caráter não convencional da franquia;
- O sistema de batalha, embora com adições desnecessárias, continua divertido.
Contras
- Ao adicionar um sistema de experiência e mais batalhas para justificá-lo, prova que mais nem sempre é melhor, minando o impacto e a unicidade de cada encontro em favor de mais tempo de jogo;
- Prova que um mesmo truque não funciona da mesma forma duas vezes, com as sequências abstratas e psicodélicas falhando em impressionar da mesma forma que em 2021;
- A ausência de suporte ao português brasileiro é um retrocesso frente à Eternity Edition do primeiro título.
Everhood 2 — PC/Switch — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Foreign Gnomes