Análise: Your House esconde uma incrível narrativa interativa por trás de sua fachada simples

Com puzzles bem-feitos e criativos, o único inimigo da jogabilidade é o backtracking, que pode deixar a experiência arrastada em alguns momentos.

em 26/03/2025

Your House, visual novel interativa produzida e publicada por Patrones & Escondites, é, pegando emprestadas as palavras do estúdio espanhol em relação a unmemory, um “livro para jogar e um jogo para ler”. Diferentemente de outros títulos do gênero, a interatividade neste jogo não está em fazer escolhas aqui e ali para chegar a finais diferentes, mas sim de literalmente interagir com elementos visuais e textuais para dar continuidade à trama — que explicarei na análise a seguir.

Um cantinho para chamar de meu

Ambientado em uma Nova Iorque dos anos 90, assumimos o papel de Debbie, que acaba de completar 16 anos. A garota pode ser considerada uma das pessoas mais desafortunadas do mundo: é expulsa da escola, seu namorado a trai com a melhor amiga e, ainda por cima, é atropelada por um carro — tudo isso no dia de seu aniversário; para piorar, seu pai é supercontrolador e mal dá à própria filha o direito de fazer o que gosta.

As coisas mudam quando ela recebe um presente de aniversário inusitado: um cartão-postal com um endereço em Hicksville e uma chave. Apesar de não entender a situação — e muito menos as verdadeiras intenções por trás desses “recebidos” —, nossa protagonista vê a oportunidade perfeita para deixar sua vida atual para trás e, na calada da noite, foge para o local indicado no postal.


Ao chegar ao endereço, ela se depara com um casarão e mal consegue acreditar que o imóvel, a partir de então, será sua nova casa. Porém, segredos ocultos são destrancados junto com a porta da frente: os cômodos escondem pistas sobre a vida de três pessoas distintas, e agora cabe a Debbie entender como todas elas estão relacionadas entre si e à casa.

Como não quero dar spoilers sobre a trama e estragar a graça de Your House, quero dizer que fãs de suspense conseguirão aproveitar bastante a aventura de Debbie no casarão de Hicksville, mas não só isso: ao longo das aproximadas dez horas de duração, abordam-se temas relacionados ao feminismo, ambição e um forte sentimento de pertencimento na sociedade. A cereja do bolo é o fato de a trama ser baseada na história real de um apartamento em Manhattan projetado por Eric Clough, que possuía códigos e salas secretas, criando uma intersecção entre o real e o fictício.

Infelizmente, acredito que o maior ponto negativo de Your House seja a falta de localização para o português (tanto brasileiro quanto europeu). Por se tratar de um jogo totalmente dependente de leitura e entendimento de contexto e pistas, quem não tiver conhecimento suficiente nos idiomas disponíveis (inglês, espanhol e francês) pode acabar não aproveitando a experiência do jogo em sua totalidade.

Quando o escape-the-room se torna um “escape-the-house” (ou quase isso)

A grande sacada de Your House está no modo como os puzzles foram implementados à jogabilidade. De início, temos um jogo que simula a leitura de um livro, com algumas palavras em negrito que dão continuidade à história; no entanto, isso é, de fato, apenas o início.

Em alguns momentos, por exemplo, temos ilustrações com as quais podemos interagir a fim de ampliar a cena ou simplesmente obter um objeto que nos permitirá avançar na história. Por exemplo: logo no primeiro capítulo (que também está disponível na demo), em um momento, precisamos usar o canivete suíço de Debbie para cortar os cabos de uma motocicleta; para tal, precisamos abrir a mochila da garota, selecionar o item necessário e clicar nele até conseguirmos o alicate — então, ao voltar para o texto, a palavra “cut” ficará disponível para clicar.

Contudo, nem tudo é tão simples assim: à medida que avançamos, tanto os quebra-cabeças quanto a obtenção de pistas vão ficando mais complexos. Aqui, não quero dizer no sentido de difíceis — até porque tudo é uma questão de interpretação e observação, como todo jogo do gênero —, mas sim em relação às tarefas que devemos executar.


Talvez o melhor exemplo que eu possa dar seja o capítulo 3, no qual temos um corredor com várias opções de locais para explorar, indo e voltando a vários momentos para coletar pistas ou desbloquear passagens da história. Ainda a respeito desse capítulo, infelizmente, trago uma péssima notícia: o jogo textual tem backtracking, elemento que aparece com frequência nos capítulos posteriores.

Confesso que não esperava uma sensação de repetição em uma visual novel, porém acredito que ela só exista também porque, toda vez que vamos e voltamos de algum ambiente, temos que ver a mesma cutscene (falarei disso mais adiante). Uma sugestão para amenizar o backtracking é pular essas animações, embora seja engraçadinho ver Debbie ir de um lado para o outro.

Voltando aos puzzles, como mencionei, tudo é uma questão de interpretação e observação. Em alguns momentos, nós nos deparamos com situações típicas de escape-the-room, mas Your House é bem generoso no que diz respeito a não nos deixar pular etapas, até porque isso prejudicaria a história como um todo; em outras palavras, tudo funciona de acordo com uma sequência lógica e basta a nós entendê-la.


Também quero elogiar não apenas a qualidade dos enigmas, como também a variedade: eles não ficam somente presos a elementos textuais ou visuais; alguns envolvem também sons, como analisar o tom de teclas de piano ou de miado de gatos para descobrir uma sequência correta, e noções básicas de música, matemática e lógica, entre outros.

Outro elogio que quero fazer é o modo como as dicas foram implementadas. Em vários jogos do gênero, depois de solicitar ajuda algumas vezes ou falhar em resolver um puzzle repetidamente, a solução nos é dada de bandeja, porém, em Your House, até mesmo as dicas nos colocam para pensar.

Obviamente não vou dizer em que capítulo ou onde estava uma chave necessária para a progressão da narrativa naquele determinado momento, contudo é aquela história de que, às vezes, a resposta é a mais óbvia, sabe? No entanto, isso não é ruim, até porque serve de lição para considerarmos todas as hipóteses possíveis, até mesmo as que parecem improváveis, de tão básicas que são.

Um audiovisual impecável — e uns bug que correções simples resolvem

Praticamente tudo em Your House me chamou a atenção, da narrativa à jogabilidade. No entanto, o pacote só fica completo graças à excelente direção audiovisual do jogo. Além da trilha sonora que consegue nos trazer uma imersão sem igual, a arte aposta na estética noir para conseguir trazer ainda mais peso à ambientação e ao suspense da história; ainda, algumas passagens do jogo contam com uma dublagem excelente, dando mais vida a esse universo fictício-mas-quase-real.

Em termos de performance, a ideia original era analisar o jogo no celular (Android), porém, devido a algum problema relacionado à Play Store, só consegui jogar o capítulo 1 no meu dispositivo. Mesmo assim, a performance foi satisfatória e muito confortável, até porque a interface do jogo parece ter sido pensada primeiramente com dispositivos móveis em mente.


Já no notebook, embora minha máquina tenha configurações muito acima das recomendadas na página do jogo, em algumas transições de cena, senti pequenos “engasgos”. Especificamente no capítulo 1, percebi um estranho atraso ao tentar clicar no texto indicado — o jogo simplesmente não registrava o clique no momento correto, me levando a uma frustrante sessão de tentativa e erro. 

Também quero dizer que, a partir do capítulo 3 (ou seja, o problema persistiu nos capítulos 4 e 5), certos puzzles se recusaram a funcionar, mesmo quando tentei resolvê-los no momento ideal, com todas as pistas coletadas. A princípio, desconfio de que esses momentos estejam relacionados ao deixar o jogo minimizado por algum tempo, porém não consigo descrever com precisão quando exatamente esse bug aconteceu, e a única solução que encontrei para isso foi reiniciar o capítulo (felizmente, eles não são longos).


Não sei se esses problemas que mencionei foram específicos da minha máquina — pelo menos o do capítulo 1 parece ser, pois tanto no celular quanto em outro notebook (ainda mais potente que o meu) a passagem descrita correu normalmente. De todo modo, acredito que valha a pena a desenvolvedora tentar descobrir por que esses erros aconteceram.

Por fim, o jogo traz uma simples, porém útil configuração de acessibilidade, possibilitando alterar o tamanho e o estilo da fonte da interface para facilitar a leitura. Infelizmente, enigmas que envolvem sons acabam sendo uma barreira para pessoas surdas, mas, levando em consideração a proposta do jogo, não consigo pensar em uma solução para isso, embora eu considere importante abordar esse ponto.

É em casa que os segredos se escondem

Your House é uma aventura textual interativa que consegue mesclar puzzles inteligentes a uma narrativa que prende do início ao fim. Mesmo com uma duração relativamente curta — aproximadamente dez horas (ou até menos, se você não travar em alguns puzzles como eu) —, temos aqui um prato cheio para quem gosta de uma excelente história de suspense em que nada parece ser o que é — nem mesmo a sua própria casa, isto é, se ela realmente for sua.

Prós

  • Narrativa envolvente e bem-escrita, com temas como pertencimento, feminismo e ambição;
  • Puzzles criativos, variados e integrados organicamente à jogabilidade, exigindo observação, lógica e interpretação;
  • Sistema de dicas inteligente que instiga o raciocínio, sem entregar soluções de forma óbvia;
  • Direção audiovisual de alto nível, com trilha sonora imersiva, arte em estética noir marcante e trechos dublados com qualidade;
  • Interface acessível e pensada para dispositivos móveis, com opções de customização de fonte para facilitar a leitura;
  • A interatividade vai além de escolhas narrativas, incluindo manipulação de objetos e ações no texto, a fim de enriquecer a imersão.

Contras

  • Ausência de localização para o português compromete a experiência de pessoas que não dominam os idiomas disponíveis;
  • O uso recorrente de backtracking em certos capítulos pode tornar a experiência cansativa, especialmente com cenas repetidas;
  • Pequenos bugs de desempenho e responsividade do texto atrapalham o fluxo da jogabilidade;
  • Alguns puzzles apresentam falhas de funcionamento intermitentes, exigindo reinício do capítulo para prosseguir;
  • Enigmas baseados em áudio representam uma barreira de acessibilidade para pessoas surdas, sem alternativa implementada.

Your House — PC/Android/iOS — Nota: 9.0
Versões utilizadas para análise: PC e Android

Revisão: Alessandra Ribeiro
Análise produzida com cópias digitais cedidas por Patrones & Escondites
Siga o Blast nas Redes Sociais
Juliana Paiva Zapparoli
Também conhecida como Lilac, é jornalista e atualmente trabalha com assessoria de imprensa. Fã de jogos de plataforma no geral, especialmente os da era 16-bits, com gosto adquirido por RPGs e visual novels ao longo dos anos. Fora os games, não dispensa livros e quadrinhos. Prefere ser chamada por Ju e não consegue viver sem música. Sempre de olho nas redes sociais, mas raramente postando nelas.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Você pode compartilhar este conteúdo creditando o autor e veículo original (BY-SA 3.0).