Apesar da evolução dos consoles e PCs atuais, o multiplayer local tem se tornado cada vez mais raro, especialmente em jogos grandes. Ainda há alguns títulos em que a jogatina de sofá é fundamental, como os jogos de luta e alguns poucos títulos de corrida, mas grandes aventuras são mais raras.
A Hazelight Studios parece ter vindo para mudar essa dinâmica. A Way Out, apesar de ter uma forte pegada experimental, conseguiu cativar alguns jogadores com sua trama sobre dois detentos fugindo de suas sentenças. Já It Takes Two, o segundo título, atingiu patamares ainda maiores com um foco em plataforma e grande diversidade de jogabilidade e estilos.
Apenas três anos depois, a desenvolvedora avançou mais um passo com Split Fiction. Seguindo os passos do antecessor, temos uma aventura ampla que tenta impressionar o jogador sempre com novas ideias, mas será que o jogo consegue se destacar em comparação com a história do casal problemático? Resumindo: sim, e até vai além.
Juntas por acaso
Split Fiction conta a história de duas autoras que acabam se envolvendo em uma bagunça acidentalmente. Elas, junto com outros criadores de histórias, são convocadas por uma empresa que prometeu remuneração por ideias. Entretanto, acabam caindo numa cilada: suas escritas são “sugadas” por uma máquina comandada por Rader, CEO dessa empresa.
Uma das protagonistas, Mio, começa a desconfiar das atitudes de Rader e se recusa a continuar durante o processo de funcionamento da máquina. Em sua resistência, ela acaba indo parar na prisão individual de Zoe, provocando falhas no equipamento e as interconectando. Agora, elas precisam não só se livrar do problema, mas também desvendar as reais intenções da empresa por trás da extração de ideias criativas.
A narrativa de Split Fiction segue um estilo familiar das produções da Hazelight. Não é uma história original, de fato, e o jogo até comenta sobre isso ocasionalmente. No entanto, há um certo charme que vai se construindo aos poucos, principalmente pela relação de Zoe e Mio, que possuem personalidades antagônicas.
Mio é uma garota que não teve muita sorte na vida, e sua personalidade é fria, realista e reservada. Já Zoe é alegre e otimista, sempre se abrindo para os outros e tentando fazer com que todos se sintam bem ao seu redor. É fácil simpatizar com Zoe e desenvolver antipatia por Mio, mas a jornada de amadurecimento de ambas acaba trazendo equilíbrio à relação.
Mio é apaixonada por ficção científica e ambienta suas histórias em aventuras espaciais e instalações tecnológicas futuristas. Já Zoe é uma menina do campo, representando a magia e a fantasia simples, cheias de criatividade e sem limites em suas ideias.
Gostei da maneira como vamos conhecendo Mio e Zoe aos poucos, com base em suas próprias histórias. O passado e o presente da dupla são representados pela narrativa de cada capítulo visitado como subtextos, especialmente no caso de Zoe, o que contribui muito para a construção da relação.
Celeiro de ideias
Falar de Split Fiction sem citar spoilers é complicado, então me limitarei apenas aos momentos mostrados em materiais promocionais. Recomendo jogar sem saber mais nada além do que já foi divulgado, pois a graça da aventura está justamente em não saber o que está por vir.
Split Fiction apresenta uma variedade ainda maior de ideias em relação a It Takes Two. A estrutura é básica: adentramos nas histórias de Mio e Zoe alternadamente, em cada capítulo, enfrentando diversos desafios até alcançar a falha que nos permite seguir para a próxima fase.
Cada capítulo começa com um conceito básico de jogabilidade, que gradualmente evolui e muda conforme avançamos. Um bom exemplo disso é a história dos dragões de Zoe, que nos coloca para cuidar de dragões que começam dentro de ovos e vão crescendo durante a narrativa. Cada fase da vida das criaturas muda nossa interação com os obstáculos, sempre nos surpreendendo com novos desafios.
Apesar dessa estrutura de troca de histórias, não ficamos limitados a uma única temática por capítulo. Ao longo do caminho, é possível encontrar histórias alternativas que nos levam a contos secundários da outra personagem, sem que isso nos prive de explorar um capítulo maior.
Fiquei realmente impressionado com a quantidade de ideias, mecânicas e situações distintas que Split Fiction oferece a todo momento. As histórias alternativas realmente potencializam essa proposta. Os contos de Zoe, em particular, brilham nessas horas, abusando da criatividade tanto na jogabilidade quanto no visual.
Claro, assim como em It Takes Two, nenhuma mecânica é superaprofundada, pois o foco está na diversidade da jogabilidade. Algumas críticas à Hazelight surgem devido à linearidade e à dificuldade baixa em seus títulos, mas vejo essas questões de forma positiva.
Joguei Split Fiction com meu namorado, que ainda que jogue alguns títulos como Genshin Impact e Minecraft, não é um jogador tão aficionado. Ele teve leve dificuldades em sessões de reação rápida e plataformas, mas como a punição por errar é bem branda, pôde tentar diversas vezes até conseguir passar.
Já nos momentos de quebra-cabeças, ele liderava na maioria das vezes, pois conseguia lidar com a lógica muito mais rápido do que eu. Justamente por isso, ele teve mais dificuldades com as fases de Mio, que são mais orientadas para ação, e gostou muito mais das histórias de Zoe que possuem maior foco em puzzles.
Apesar disso, Split Fiction pode ser menos indicado que It Takes Two como introdução ao mundo dos videogames. É um jogo que exige um pouco mais de domínio dos controles, o que pode afastar quem tem pouca paciência. Entretanto, considero-o ideal para pessoas com menos costume de jogar, mas que querem se divertir com o parceiro.
Um primor técnico
Ainda fazendo um paralelo com o antecessor da Hazelight, Split Fiction é um deleite nos controles. Tudo responde como deveria, com pulos satisfatórios, sessões de parkour bem executadas e tudo de forma polida. Só tive um pequeno bug de física em uma plataforma móvel, mas fora isso, minha experiência foi impecável.
E não só o orçamento da EA para o título é perceptivelmente maior, refletindo na jogabilidade, como também o refinamento técnico é notável. O jogo é lindo do começo ao fim, desde as instalações cinzentas e artificiais de ficção científica até os cenários naturais e vibrantes dos locais mais fantasiosos.
O momento que me encheu os olhos foi uma parte 2D da primeira fase principal de Mio. Além da brincadeira com a gravidade, a câmera revelou uma vista panorâmica deslumbrante de uma cidade cyberpunk de cabeça para baixo. Isso sem contar os momentos de Zoe, especialmente na mencionada fase dos dragões, com montanhas acima das nuvens e estruturas belíssimas.
Falando especificamente da versão de PC, Split Fiction é muito bem otimizado. Apesar de algumas quedas de quadro em momentos mais explosivos, consegui rodar no meu setup (AMD Ryzen 5 5500, RTX 3050 8GB VRAM, 16GB RAM) com tudo no alto, sem grandes problemas.
Por fim, a qualidade da localização em português de Split Fiction merece destaque. Muitas gírias e expressões foram adaptadas para o nosso idioma com muito zelo, especialmente nos momentos mais humorados. Seria legal se houvesse dublagem, mas a atuação original já é muito bem feita.
Um jogo de peso para um ano de peso
A Hazelight acertou novamente em Split Fiction. Fui fisgado pela aventura do começo ao fim, repleta de momentos divertidos, criativos e impactantes, tudo com uma polidez impressionante. Cada nova ideia apresentada me deixava empolgado para continuar e descobrir até onde o jogo iria, sempre acompanhada por uma apresentação gráfica e sonora impecáveis.
Estamos apenas no terceiro mês de 2025, e já tenho um forte candidato ao meu jogo do ano — e talvez, um dos meus favoritos de todos os tempos. Split Fiction vai ficar na minha cabeça por muito tempo, sendo uma daquelas experiências únicas que me lembram por que eu amo tanto videogames.
Prós:
- Experiência cooperativa de qualidade, continuando os passos das produções anteriores do estúdio;
- A diversificação da campanha com temáticas de ficção científica e fantasia foi uma bela sacada, especialmente ao explorar diversas vertentes de cada gênero;
- Um número impressionante de variações de jogabilidade, com novas mecânicas sendo constantemente apresentadas e evoluídas;
- As histórias alternativas oferecem momentos muito criativos, sem se restringir à narrativa principal;
- Direção de arte maravilhosa, com uma entrega técnica de encher os olhos;
- Localização em português impecável, adaptando piadas e expressões da melhor forma possível para o nosso idioma.
Contras:
- A história é clichê e previsível, apesar de o jogo brincar com esse fato na sua narrativa.
Split Fiction — PC/PS5/XSX — Nota: 10Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Vitor Tibério
Análise produzida com cópia digital cedida pela EA