Análise: 8Doors: Arum's Afterlife Adventure: revire as profundezas do Purgatório coreano em busca de um pai que morreu antes da hora

Um metroidvania que acerta na ambientação e se vira na gameplay, mas sofre com a tradução.

em 17/03/2025

8Doors: Arum’s Afterlife Adventure
é um metroidvania criado pela desenvolvedora sul-coreana Rootless Studio, lançado em 2021. No geral, é uma obra mediana no gênero, sem grandes destaques positivos ou negativos.

No entanto, basta observar um pouco para perceber a estética particular e a ambientação no folclore oriental, mais especificamente no coreano, dois pontos que conferem identidade própria à experiência como um todo, o suficiente para fazê-la valer a pena.



Conhecendo o outro mundo por querer

A história é inspirada no mito coreano “A Princesa Bari”. A história clássica reflete o monomito do herói que desce ao mundo dos mortos movido pelo amor. Diferentemente da maioria, porém, nessa temos uma heroína, cuja descida tem como objetivo encontrar a água da vida que pode curar a saúde de seus pais. Os atos dela agradam aos deuses, de forma que ela mesma se torna uma divindade para guiar os mortos, passando a ser celebrada em rituais.

É um conto que segue as virtudes confucionistas de devoção filial, mas com a subversão de colocar uma mulher para representar essa qualidade de nobreza de espírito.

8Doors: Arum’s Afterlife Adventure parte de premissa semelhante: todos na aldeia de Arum morreram subitamente e apenas ela ficou viva. Ela, que só tinha o pai, descobre uma maneira de adentrar o Purgatório e parte para o outro mundo na intenção de resgatá-lo. Primeiro, ela é recebida no reino espiritual como alguém que se recusa a aceitar a ordem natural das coisas: o fato de que todos morrem e que isso é irreversível.



Como a alma do pai não é encontrada em lugar algum, os responsáveis pelo outro mundo permitem que a garota se torne mais uma Guardiã da Morte e possa perambular pelas terras dos oito portões para descobrir o paradeiro do seu parente, enquanto ajuda no serviço dos Guardiões de procurar almas fugitivas.

Ela recebe um espelho que a permitirá aprender habilidades importantes para o trabalho, e também encontrará diferentes armas pelo caminho. Com o tempo, vai ficando cada vez mais claro que alguma coisa está errada no Purgatório, cujo funcionamento depende da burocracia dos registros e da segurança moral, um primor pela ordem que novamente evoca o confucionismo imbuído no mito da princesa Bari. A ordem, que até então se pensava ser sólida e estável, é subvertida, mostrando aos poucos a fragilidade de seus sistemas e hierarquia.



Um purgatório de tradução

A história em si é boa o bastante, com muitos diálogos opcionais com NPCs que se atualizam no decorrer da campanha, trazendo novos comentários sobre os acontecimentos. Os textos estão em português brasileiro e, o que era para ser algo vantajoso vem com um grande “porém”: a tradução, mesmo que não impeça o entendimento, é simplesmente péssima.

Além de problemas básicos de tradução, há frases mal construídas e Arum, que é uma menina, é constantemente referida no masculino, chegando ao cúmulo de ter menções opostas em uma mesma caixa de texto! Para completar a bagunça, algumas descrições de itens estão em alemão ou espanhol.



Não gosto de me precipitar e acusar um trabalho de tradução de ser puramente automatizado, mas, nesse caso, os créditos não apontam equipes de localização e o resultado é ruim com tanta frequência que é preferível pensar na negligência da supervisão do que na incompetência da tradução que optaria converter a palavra “club” por “clube” em vez de “clava” no próprio menu de armas que mostra uma clava.

Um atenuante é que a fonte de texto usada em português e em algumas outras línguas é comum e acessível, diferente da versão em inglês, que emprega letras estilizadas para parecerem orientais, um empecilho desnecessário à boa leitura.



Uma bela pintura de poucas cores

A estética particular é um dos atrativos de 8Doors. Os gráficos desenhados são cartunescos e, por vezes, macabros. O minimalismo cromático preenche os cenários do Purgatório com um cinza que só é substituído por tons pálidos de marrom e silhuetas pretas. Os detalhes em vermelho chamam a atenção nesse mundo de filme envelhecido e formam o contraste necessário para destacar o que é mais necessário e não tropeçar na monotonia.

Por outro lado, os cenários passam uma sensação de mesmice. Eles se distinguem uns dos outros o bastante para tornar cada área facilmente reconhecível, mas não evitam um certo marasmo nos traços que desenham o além, o que me faz pensar que havia espaço para mais nuances visuais para caracterizar o outro mundo.

Uma exceção está nos pontos de mistura harmoniosa entre a arquitetura antiga coreana e a tecnologia moderna de computadores, reforçando o ar de um Purgatório ao mesmo tempo tradicional e atemporal.



Guiando almas fugitivas, nem que seja à força

Quanto às lutas que Arum precisará enfrentar na busca por seu pai, o destaque está, como esperado, nos chefes. Eles têm desenhos claros e cada ataque é devidamente telegrafado pela linguagem corporal. Esses monstros do outro mundo batem forte e na maioria deles precisei de várias tentativas para finalmente vencê-los.

Minha vitória geralmente acontecia após eu me concentrar em esperar os ataques para reagir e contra atacar nas brechas que surgem em seguida. Acertar poucos golpes e recuar para uma posição mais defensiva foi crucial para evitar mortes desprevenidas, em vez de tentar emplacar o máximo de pancadas que eu conseguisse de uma vez.



Falando em combos, eles são parte da leve falta de responsividade do movimento. Um exemplo é que, uma vez iniciada a animação de ataque, não podemos cancelá-la com um salto ou esquiva providencial, tampouco mudar a direção dos ataques em meio a um combo. São coisas que afetam o tempo de reação diante das investidas inimigas, o que reforça o que eu disse acima de que é consideravelmente mais seguro manter uma atitude reativa no lugar de iniciativas mais agressivas.

Há várias armas diferentes e cada uma tem seu próprio ataque carregado ou habilidade secundária. Fiquei com a impressão de que alguns chefes são mais vulneráveis a armas específicas, mas não foi possível testar isso corretamente. Não há uma maneira clara de entender isso, só sei que em alguns momentos troquei de arma e achei a outra mais vantajosa contra aquela criatura.



Redimindo pecados de outros jogos

Algumas mecânicas de complexidade e punição ganharam espaço entre os metroidvanias nos últimos anos e 8Doors tem uma abordagem interessante para duas delas por seguir um meio termo: a aquisição do mapa e a perda de dinheiro ao morrer.

Para conseguir o mapa de cada área, é necessário primeiro encontrar um NPC cartógrafo e comprar o item com ele. No entanto, a forma geral das salas é descoberta pela exploração, formando um mapa de retângulos que já trazem os locais de saída assinalados neles, sendo o suficiente para planejar uma rota, por exemplo. O que compramos com o NPC é a versão detalhada dos mapas, com direito a ver os caminhos precisos e os marcadores.




A perda do dinheiro está aqui, mas de forma bastante moderada. Tudo o que se perde é a quantia adquirida desde a última vez que passou por um ponto de salvamento. Qualquer riqueza acumulada antes é preservada, assim como o restante do progresso até o momento da morte, como itens comprados, segredos descobertos, almas capturadas, passagens destrancadas e mapa desvendado. Dessa maneira, a morte traz uma punição, mas longe do ponto de frustração de trabalho jogado fora.

Vale citar um terceiro design, este herdado de Hollow Knight, mas contornado de forma eficaz: os chefes não têm medidor de vida visível, mas, quando acertamos um ataque carregado, ele surge na tela por alguns segundos, sendo mais um meio-termo de solução interessante.



A aventura de Arum pelas oito portas do além

Além de ter uma identidade própria construída pela inspiração no imaginário coreano do pós-vida e pela estética peculiar de poucas cores, 8Doors: Arum’s Afterlife Adventure consegue ser um metroidvania tradicional que não fica abaixo da média do gênero, mas tampouco consegue superá-la. Em vários aspectos, a execução não alcança seu verdadeiro potencial, mas, no geral, vale como uma experiência suficientemente coesa, divertida e bem apresentada.



Prós

  • Estética bonita e diferenciada com traços cartunescos e paleta de poucas cores, tendo prevalência de cinza e destaques em vermelho;
  • Trilha musical tranquila e agradável;
  • Chefes desafiadores com ataques bem sinalizados e lutas em duas fases;
  • As mecânicas de punição pela morte e descoberta do mapa são um bom meio-termo em relação a outros jogos que as empregam;
  • Textos em português brasileiros, embora mal traduzidos.

Contras

  • Mesmo com um conceito visual bonito, a execução passa pouca variedade;
  • Ainda que eficazes, os controles passam menos precisão do que o esperado, sem cancelamento de ataque para esquivar;
  • No geral, é mecanicamente despretensioso, seguindo fórmulas estabelecidas sem acrescentar grandes novidades;
  • A tradução para português brasileiro é repleta de problemas.
8Doors: Arum’s Afterlife Adventure — PC/PS5/PS4/XSX/XBO/Switch — Nota: 7.5
Versão utilizada para análise: PS5
Revisão: Beatriz Castro 
Análise produzida com cópia digital adquirida pelo redator.
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Victor Vitório
Admiro videogame como uma mídia de vasto potencial criativo, artístico e humano. Jogo com os filhos pequenos e a esposa; também adoro metroidvanias, souls e jogos que me surpreendam e cativem, uma satisfação que costumo encontrar nos indies. Veja minhas análises no OpenCritic.
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