Após o lançamento de Dragon Quest em 1986 para o Family Computer, o mercado japonês de videogames passou a olhar com mais atenção para o gênero RPG. O sucesso do jogo foi avassalador no Japão, dando origem a diversas outras franquias, como Final Fantasy e Megami Tensei.
A Sega também acompanhou o trabalho de Yuji Horii e sua equipe, decidindo apresentar sua própria visão do gênero. Phantasy Star, lançado para o Sega Mark III (Master System), não atingiu a mesma popularidade de seus concorrentes, mas apesar da inexperiência da equipe de desenvolvimento com RPGs, conseguiu deixar sua marca em 1987.
Em 1989, com o Mega Drive já no mercado, Phantasy Star II foi lançado, o primeiro JRPG lançado para os 16 bits. O jogo trouxe uma abordagem mais melancólica e uma ambientação cyberpunk, diferenciando-se da aventura de Alis Landale.
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Mais uma arte para a coleção de rótulo de cachaça. Esse Rolf de 60 anos é hilário! |
O futuro controlado
A trama de Phantasy Star II se passa cerca de mil anos após a derrota de Lassic pelas mãos de Alis e seu grupo. Durante esse período, um supercomputador onisciente chamado Cérebro-Mãe chegou ao sistema solar de Algol e transformou profundamente os planetas. O mais impactado foi Motavia, que deixou de ser um mundo desértico para se tornar um ambiente fértil, repleto de grama, árvores e fontes de água, tornando-se um local mais habitável.Contudo, algo começou a dar errado. Biomonstros surgiram e passaram a aterrorizar os habitantes — algo que Cérebro-Mãe deveria evitar. Para investigar a situação, o governador de Motavia convoca Rolf, um de seus melhores agentes, para ir até o Laboratório de Biossistemas e descobrir a causa do problema.
Rolf é descendente direto de Alis e, desde o início da aventura, tem recorrentes sonhos com a heroína enfrentando uma criatura horripilante. Após receber sua missão, ele retorna à sua casa e se prepara para a jornada, contando com o apoio de Nei, uma híbrida de humano e biomonstro que se tornou como uma irmã para ele.
Rolf e Nei não estão sozinhos nessa jornada. Conforme novas cidades são visitadas, é possível retornar a Paseo, lar do protagonista, para recrutar aliados dispostos a ajudá-los. Ao todo, seis personagens podem integrar a equipe, cada um com habilidades distintas. Por exemplo, Amy é uma médica recém-formada, especializada em cura, enquanto Rudo é um especialista em armas pesadas e ideal para a linha de frente.
Juntos, os dois partem para explorar o mundo e logo se deparam com o caos instaurado em Motavia. Uma cidade inteira foi devastada pelos biomonstros. Além disso, um bandido ocupa uma ponte crucial para o acesso ao laboratório, alegando procurar sua filha. Esses e outros eventos evidenciam um colapso iminente.
Esse clima de desespero confere a Phantasy Star II um tom único, muitas vezes implícito nos detalhes do mundo. A onipresença de Cérebro-Mãe em tudo o que rege Algol cria uma atmosfera desoladora, como se a missão de Rolf fosse uma tentativa desesperada de evitar um destino inevitável.
Rolf e Nei não estão sozinhos nessa jornada. Conforme novas cidades são visitadas, é possível retornar a Paseo, lar do protagonista, para recrutar aliados dispostos a ajudá-los. Ao todo, seis personagens podem integrar a equipe, cada um com habilidades distintas. Por exemplo, Amy é uma médica recém-formada, especializada em cura, enquanto Rudo é um especialista em armas pesadas e ideal para a linha de frente.
A narrativa é apresentada de forma limitada, como era comum nos RPGs dos anos 80, devido às restrições técnicas. Alguns momentos contam com textos que nos colocam na perspectiva de Rolf, e raras cenas chegam a incluir ilustrações dos personagens. Assim, o peso da história é amplificado pela imaginação do jogador.
Ainda assim, Phantasy Star II não deixa de trazer eventos marcantes que impactam tanto sua própria trama quanto o futuro da franquia. O jogo é dividido em três atos, e cada um deles culmina em reviravoltas pesadas para a época. A perda de um personagem crucial e os eventos que se desenrolam após a abertura das represas no segundo ato foram momentos ousados para um RPG de 1989, consolidando a carga dramática do jogo.
A paciência no perigo constante
Phantasy Star II mantém a estrutura estabelecida pelo jogo original do Master System. A jornada se divide em três pilares principais: explorar o mapa-múndi, enfrentar batalhas por turno para ganhar experiência e dinheiro, alcançar novas cidades para se preparar e, por fim, encarar calabouços que escondem elementos essenciais para a progressão da campanha.
O sistema de combate recebeu algumas alterações em relação ao antecessor. Além da maior variedade de personagens em comparação ao quarteto fixo do primeiro jogo, foi introduzido um sistema de combate automático, permitindo que todos os membros da equipe ataquem sem que o jogador precise dar comandos manuais a cada turno.
No entanto, ainda é possível definir previamente as ações de cada guerreiro. A partir dessas ordens, os ataques e técnicas — as "magias" do jogo — são executados nos turnos seguintes. Embora rudimentar se comparado a sistemas automáticos de RPGs modernos, ele apenas repete ataques ofensivos e posturas defensivas, sem reutilizar itens, técnicas de cura ou habilidades de suporte.
Outra mudança relevante no combate é a possibilidade de enfrentar dois tipos distintos de inimigos ao mesmo tempo. Embora não seja possível escolher alvos individuais dentro de um mesmo grupo de criaturas, o jogador pode selecionar qual grupo será o foco dos ataques.
Apesar dessas inovações, o ritmo das batalhas pode ser um obstáculo para iniciantes. As animações ocorrem de forma relativamente lenta, com cada ação sendo acompanhada de flashes vermelhos indicando o dano recebido, o que pode tornar os combates arrastados. Para aqueles que buscam uma experiência mais dinâmica, é válido recorrer a mods feitos por fãs, que aceleram o ritmo das batalhas e aumentam os ganhos nelas.
A dificuldade do jogo também é um fator a se considerar. Desde o começo, até os inimigos mais básicos infligem danos consideráveis, e errar ataques é algo relativamente frequente. O jogo exige constantemente que o jogador mantenha bons níveis de experiência e acumule dinheiro para obter equipamentos melhores, tornando o desafio ainda mais intenso.
Labirintos masoquistas
O primeiro Phantasy Star impressionou os jogadores com suas dungeons, apresentando labirintos pseudo-3D complexos que rivalizavam com os dungeon crawlers de PC dos anos 1980. Apesar da estrutura limitada e da aparência semelhante entre si, sua implementação em um console de 8 bits foi uma façanha técnica impressionante.
Já em sua sequência para o Mega Drive, a equipe de desenvolvimento optou por não replicar essa técnica, adotando uma visão aérea tradicional para a exploração dos calabouços. Essa mudança trouxe maior diversidade ao design dos mapas, mas também aumentou significativamente sua complexidade.
Explorar bases, cavernas e instalações tecnológicas em Phantasy Star II pode ser uma experiência frustrante. Além dos constantes encontros aleatórios, o design das fases parece deliberadamente planejado para dificultar a progressão, com becos sem saída, buracos traiçoeiros e elevadores que conduzem a áreas sem utilidade. Para tornar tudo ainda mais desafiador, muitos inimigos nesses calabouços são absurdamente poderosos.
Alguns labirintos levam o conceito de complexidade a extremos. A Torre de Controle, a Ilha de Uzo e Ikuto são desafios que parecem impossíveis de superar sem o auxílio de um papel e lápis para anotações ou um mapa completo. Um exemplo claro disso é a Ilha de Uzo, sobre a qual irei mostrar uma anotação que fiz para demonstrar as voltas necessárias para chegar ao objetivo.
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Repare nos caminhos inúteis que dá para passar. E claro, tudo isso com um encontro aleatório frequente. |
Ciente da dificuldade descomunal desses labirintos, a Sega incluiu um guia completo com todos os calabouços do jogo na versão americana, além de algumas dicas para ajudar os jogadores. Embora guias em revistas fossem comuns na época, essa foi a primeira vez que um RPG chegou ao mercado já acompanhado de um material oficial para auxiliar na progressão.
16 bits em crescimento
Com o avanço da nova geração de consoles, Phantasy Star II se mostrou um jogo bem mais detalhado do que seu antecessor, que já era tecnicamente impressionante para 1987. Além de um uso mais amplo de cores e um maior detalhamento nos cenários e sprites, o sistema de batalhas foi reformulado, adotando uma visão em terceira pessoa que finalmente exibe os personagens durante os ataques.
O bestiário também foi expandido, contando com mais de trinta tipos únicos de inimigos, divididos entre robôs e biomonstros originários de Motavia e Dezoris. Embora muitos sprites sejam reutilizados com mudanças de paleta para criar variedade, o design das criaturas é diversificado e memorável.
Um ponto que pode ser visto como uma regressão em relação ao primeiro jogo é o design das arenas de batalha. No Phantasy Star original, o fundo dos combates mudava de acordo com o ambiente explorado, reforçando a imersão. Já na sequência, todas as batalhas ocorrem sobre um fundo azul com linhas horizontais e verticais, lembrando um campo de simulação virtual.
O motivo exato dessa escolha é incerto, mas pode estar relacionado à limitação de espaço no cartucho. Mesmo com 2 megabits a mais que seu antecessor, Phantasy Star II precisou equilibrar o aumento de complexidade técnica com a quantidade de elementos presentes. Talvez essa também seja a razão para Palma não ser explorável, o que poderia dar um impacto ainda maior a um dos eventos mais marcantes da história.
A trilha sonora é um dos principais fatores que contribuem para a atmosfera melancólica e desoladora do jogo. Compostas novamente por Tokuhiko “Bo” Uwabo, as músicas apresentam melodias carregadas de urgência e solidão, mesmo em temas mais animados. A sonoridade característica dos primeiros anos do Mega Drive reforça essa ambientação singular, tornando a experiência ainda mais marcante.
Um legado bem explorado
Phantasy Star II foi relançado diversas vezes ao longo dos anos, aparecendo em coletâneas para Dreamcast, Game Boy Advance, PlayStation 2, PlayStation 3, Xbox 360 e outras plataformas. Entre essas versões, vale destacar a coletânea exclusiva do Japão Sega Ages 2500 Series Vol. 32: Phantasy Star Complete Collection, que trouxe melhorias como aumento na velocidade de movimentação e ajustes para ganho acelerado de experiência e mesetas. Caso tenha acesso a esse pacote, saiba que ele inclui a versão em inglês do jogo.
No Brasil, Phantasy Star II foi lançado em 1996 pela Tec Toy com uma localização oficial para português. Apesar das limitações técnicas que impediram o uso de acentos, a tradução foi muito elogiada e, inclusive, corrigiu erros da versão em inglês, como caixas de diálogo que cortavam frases antes do fim.
Um dos pontos frequentemente criticados na história do jogo é a falta de desenvolvimento dos personagens além de Rolf e Nei. No entanto, capítulos extras em formato de Text Adventures foram lançados por meio do serviço Meganet, que permitia o download de jogos menores para o Mega Drive via internet, ainda no começo da década de 1990.
Cada personagem ganhou sua própria narrativa, expandindo seus antecedentes antes dos eventos do jogo principal. Esses episódios continham batalhas e ilustrações simples e, felizmente, foram preservados ao serem relançados nas coletâneas Game no Kanzume Vol.1 e Vol.2 para Sega CD. Anos mais tarde, fãs se encarregaram de localizar esses conteúdos para outras línguas.
Em 2005, Phantasy Star generation:2 foi lançado dentro da linha Sega Ages 2500, seguindo o mesmo modelo do remake do primeiro jogo. Essa nova versão trouxe ilustrações atualizadas, gráficos aprimorados (dentro das limitações orçamentárias da iniciativa Sega Ages), maior detalhamento da história e um sistema de combate reformulado.
A ideia inicial era reunir esse remake com Phantasy Star generation:1 e um futuro remake de Phantasy Star IV em uma coletânea para o Ocidente. No entanto, com o cancelamento da reimaginação do quarto jogo, os dois primeiros remakes permaneceram exclusivos do Japão, deixando a localização para outras línguas a cargo dos fãs.
Uma aventura complexa e especial
Phantasy Star II carrega o peso de sua época de diversas formas, especialmente no aspecto técnico. Os combates lentos, o excesso de grinding, as batalhas desafiadoras e as dungeons labirínticas tornam a experiência árdua, especialmente para novos jogadores. A narrativa, embora marcante, é contada de maneira fragmentada, exigindo a imaginação do jogador para preencher as lacunas.
Ainda assim, o jogo possui uma aura melancólica única, algo pouco explorado nos JRPGs da época. Seu desfecho está longe de ser um típico "final feliz", e as consequências dos eventos ecoam não apenas em Phantasy Star IV, mas também, em menor escala, em Phantasy Star III e em outras vertentes da saga.
Por trás de uma experiência que muitos considerariam datada, há um charme inigualável que o torna um elo entre os RPGs de 8 e 16 bits, além de um passo fundamental na evolução da série. Foi um amadurecimento para a equipe da franquia, que, quatro anos depois, criaria uma verdadeira obra-prima no mesmo console. Quem sabe não revisitamos, em outra ocasião, a jornada de Chaz, Alys e seus companheiros?
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Foi uma experiência gratificante (e estressante) concluir essa jornada no hardware original. |
Revisão: Heloísa D’Assumpção Ballaminut