Islets Defense: entrevista exclusiva com os desenvolvedores da MiniGoof

O estúdio indie brasileiro fala sobre suas ideias, dificuldades, processo criativo e futuro.

em 23/02/2025

Previsto para 2025, Islets Defense é um carismático game brasileiro criado pela MiniGoof, estúdio composto por três ex-funcionários da Epic Games. Após eu ter jogado a demo e ter saído com boas impressões do jogo, decidi entrar em contato com os desenvolvedores que toparam bater um papo com a gente. Veja o que eles tiveram a dizer:

Observação: as respostas foram editadas por motivos de clareza.

GameBlast: De início, gostaria que vocês se apresentassem e contassem pra gente como surgiu a MiniGoof e de onde veio a ideia de criar o Islets Defense.

Matheus Cunegato: Meu nome é Matheus Cunegato, sou o game designer da MiniGoof. Trabalhei na Aquiris, agora Epic Games Brasil, durante sete anos, trabalhei no Looney Tunes World of Mayhem, no Horizon Chase 2 como lead game designer e eventualmente no Fortnite nessa mesma posição.

Am0n Ra: Bom, eu sou o Ramon Camata, vulgo Am0n Ra, que é como eu estou assinando dentro do jogo e também nas redes. Eu trabalho desde 2014 na área. Já fui produtor, sonoplasta, e desde então segui na função de tech art. Agora eu estou cuidando de toda a parte da arte do jogo.

Willian Schneider: Eu sou o Willian Schneider. A minha trajetória é bem parecida com a do Matheus, tanto em tempo de casa, quanto em empresa, quanto em projetos. Eu entrei em 2017 na Aquiris, também trabalhei no Looney Tunes, trabalhei no Horizon Chase e depois no Fortnite. Comecei como tester, depois fui para analista de QA, depois lead QA, agora estou como programador na MiniGoof.


Matheus Cunegato:
Falando sobre como surgiu a MiniGoof, a compra da Aquiris pela Epic representou para muitos de nós um recomeço de carreira. Como se de fato tivéssemos começado em uma nova empresa. Ganhamos colegas novos, passamos por todo um processo de mostrar o nosso trabalho para eles, mas isso é o esperado quando a gente fala da aquisição de uma empresa pela outra. Durante esse momento, nos vimos numa posição de querer realizar um sonho de embarcar num projeto próprio, ter o total controle sobre a liberdade criativa. Não quero dizer que na Epic nós não tínhamos liberdade criativa, mas existe uma grande diferença entre decidir qual projeto iremos fazer versus a liberdade dentro da sua área.

Nós três ainda somos jovens, temos bastante energia para tomar riscos nesse sentido, não possuímos grandes responsabilidades, e sentimos que essa ocasião da venda da Aquiris na qual teríamos que passar por toda essa transição, foi um momento oportuno para sairmos em busca do nosso sonho. Lógico que também tem a questão da proximidade entre nós três. Gostamos de trabalhar juntos, já participamos de game jams enquanto estávamos na Aquiris, portanto calhou que fazia sentido para nós três nos unirmos para dar esse movimento de carreira.

A ideia do Islets veio de dois lugares chave. O primeiro ponto é que fizemos uma pesquisa de mercado no início do projeto, procurando gêneros que cobrisse algum buraco da indústria, gêneros que estavam ficando populares ou ainda não eram muito procurados, e então passamos mais ou menos uma semana desenvolvendo protótipos de alguns conceitos que achamos interessantes. A partir disso, decidimos reunir as mecânicas que vimos que mais deram certo durante a prototipagem, incluindo o sistema de fila de cartas, que é o cerne do nosso jogo.

Sentimos que essa mecânica estava conversando bem com a gameplay, o que nos leva ao segundo ponto que foi trazer uma abordagem inovadora, de testar coisas diferentes e inspirar pessoas. A fila de cartas é um tipo de gimmick, como eu gosto de chamar. Ela é algo que o jogo inteiro gira em torno dela, é um diferencial interessante para o nosso jogo. Pensamos que ela ajuda a chamar atenção e deixar um pouco mais claro o que a gente gostaria como MiniGoof.


GB: É do meu conhecimento que vocês três são ex-funcionários da Epic Games, que decidiram deixar de lado um relativo conforto financeiro como empregados para sair em busca de suas próprias ideias e ambições. No entanto, a produção independente de jogos pode ser bastante exigente e certamente requer conhecimentos não só nas áreas de que vocês estavam acostumados a trabalhar na Epic, bem como as que não estavam, mas também em novas fronteiras que fazem parte do âmbito empresarial, como marketing, administração, entre outras. Como foi lidar com esse desafio da multifunção?

Matheus Cunegato: Sem dúvidas a multifunção é o maior desafio que a gente tem. Não é segredo que existem umas 20 ou 30 profissões que rodeiam a criação de jogos. Empresas maiores têm pessoas específicas para lidar com cada uma, enquanto as menores têm menos pessoas para vestir os mesmos chapéus. Como estamos só em três, a gente sabia que teria de vestir muitos deles. No entanto, falando por mim, eu sempre quis atuar em outras funções, entender as dores de outras áreas e me colocar no lugar de outros profissionais.

O desafio mesmo vem quando temos que lidar com áreas que temos pouco ou nenhum conhecimento sobre, ou até que não gostaríamos de lidar no dia-a-dia. Abrir uma empresa, por exemplo, foi uma certa dor de cabeça pois nenhum de nós tinha a experiência de encarar todas as burocracias envolvidas. Marketing, sem dúvidas, é sempre um grande desafio para desenvolvedores indie, visto que hoje o mercado é tão saturado de produtos excelentes, estamos tendo de nos atualizar bastante nisso.

Am0n Ra: Para resolver esses desafios a gente tem que se apoiar bastante, principalmente quando se trata de assuntos que não temos muita experiência. É sempre nós três pensando, conversando, replanejando e chegando em resultados.


GB: Dado o extremamente competitivo mercado de jogos indie em 2025, o que levou a tomada de decisão de começar por um tower defense?

Matheus Cunegato: De fato, o tower defense é um gênero que hoje é bastante saturado. Mas apesar dessa quantidade, vimos jogos que misturam outras mecânicas diferentes com o tower defense, e nesse meio percebemos uma lacuna. Não conseguimos achar outras referências de tower defense por turno. Não é como nada que vimos antes, e justamente por isso, percebemos que esse poderia ser um bom diferencial para o nosso jogo. Além disso, notamos que poucos jogos oferecidos hoje no gênero possuem um game feel interessante. Isto é, não possuem tantas animações, efeitos visuais, brilho, sabe? Aquela coisa do sentimento gostoso de jogar. Vemos isso sendo aplicado em tantos gêneros atualmente, mas parece que os tower defense ficaram esquecidos nesse quesito.

Dado esse cenário, percebemos que tinha uma oportunidade da gente aplicar a nossa noção de arte. Falando de gêneros de jogos, uma comparação interessante que evidencia a nossa escolha pelo tower defense é a seguinte: quando pensamos nos maiores sucessos entre os tower defense talvez nos lembramos de jogos como Kingdom Rush e Bloons. Em contraste, jogos de corrida, por exemplo, temos o Need for Speed ou o Forza, que são jogos absurdamente enormes e difíceis de concorrer. Ao ver isso, sentimos que o sarrafo dos tower defense não era tão alto como o de outros gêneros.

GB: Nas minhas impressões publicadas aqui no GB, digo que o Islets Defense tem uma estética simples, convidativa e bastante colorida. Falem o que inspirou vocês a seguirem por essa direção de arte em favor de outras.

Am0n Ra: A direção de arte tem muito a ver com a nossa história. Quando a gente escolheu esse caminho foi num sentido de facilitar o trabalho, algo que não levaria muito tempo para executar e também que providenciasse um visual bastante vibrante, com bastante cor, contraste, efeitos visuais, interação, e sobretudo, acolhedor. Fizemos testes com diversas paletas de cores, incluindo tons mais sérios e outras com tons mais coloridos, ajudando a gente a chegar na paleta que usamos hoje. A estética do game transpira o que pensamos ser o DNA da MiniGoof, um visual que não se leva tanto a sério e que faz o jogador se sentir confortável no game.


GB: O jogo é feito na engine Godot, apreciada por muitos desenvolvedores por ser livre de contratos predatórios e de código completamente aberto. Expliquem pra nós quais outras características da engine levaram vocês a escolhê-la.

Willian Schneider: Eu conheci a Godot quando aconteceu todas aquelas controvérsias com a Unity. Penso que se não fosse isso, provavelmente teríamos ficado com ela, até porque é bastante conhecida. Porém, por termos participado de game jams, tivemos experiências com diversas engines disponíveis hoje no mercado e percebemos que a Godot oferecia tudo que a gente precisava, dado o escopo do projeto.

Ao fazer uma game jam com a Unreal, por exemplo, percebemos que um jogo de dois dias de desenvolvimento já beirava um gigabyte de tamanho. Isso mostrou pra gente que a Unreal, nesse caso, parecia um canhão para matar um mosquito. Lógico que pela Godot se tratar de uma engine que não possui tantas funções como a Unity, temos encontrado certas pedras no caminho. Entretanto, conseguimos contornar essas questões, além do fato que a Godot segue sendo atualizada e traz consigo um grande potencial para o futuro.

GB: Islets Defense está agendado para o lançamento neste ano. Quais são as perspectivas para o futuro da MiniGoof após o lançamento?

Matheus Cunegato: Penso que ainda tem muitas variáveis na mesa. Dependendo do sucesso ou do insucesso do Islets Defense, isso vai nos colocar em caminhos diferentes. Contudo, temos conversado sobre muitas ideias para o futuro e apesar que não tenhamos nada para divulgar sobre isso, temos algumas certezas sobre o nosso próximo projeto: nós não gostaríamos de fazer jogos maiores do que o Islets. Pensamos que esse é o escopo perfeito para a MiniGoof, pelo menos por agora.

Outra certeza que temos é sobre a escalabilidade da empresa. Não planejamos aumentar a equipe, até por já termos visto outros exemplos de empresas que fizeram um sucesso considerável após o seu primeiro jogo e decidiram contratar mais funcionários visando um escopo maior. No entanto, entendemos que esse cenário não envolve apenas o estúdio, mas também famílias que passam a depender do sucesso dos jogos dessas empresas. É uma situação que queremos evitar, visto o êxito de jogos feitos por equipes de tamanho similar com a nossa. Também não queremos prender a MiniGoof só em tower defenses, nós sonhamos em fazer um top-down shooter, jogos de terror ou até um boomer shooter. Mas lógico que isso irá depender de inúmeros fatores. A cada compra do Islets Defense, estaremos mais próximos de poder realizar esses sonhos.


GB: Qual é a mensagem que a MiniGoof tem para os desenvolvedores que estão querendo sair do ramo corporativo e embarcar em uma empreitada independente?

Am0n Ra: Sendo sincero, essa é a pergunta mais difícil para a gente responder, até porque estamos começando agora e o nosso amanhã ainda é muito dúbio. Portanto, eu tenho bastante dificuldade de dar algum conselho de forma responsável. Todavia, o que eu posso falar é que nós estamos fazendo uma aposta e conversamos com muita gente a respeito do nosso projeto para entender melhor a situação. Agora, caso um desenvolvedor que se encontra nessa mesma situação tenha responsabilidade financeira, tome todos os cuidados, planejamento, tenha certeza do que quer fazer e do que pode fazer, eu posso dizer para ele ir fundo nessa ideia.

Matheus Cunegato: Primeiro direi os fatos. Hoje tem muitos jogos lançando em todas as plataformas, uma competitividade absurda. No marketing todo mundo briga para aparecer um pouquinho mais, sem falar das demissões em massa acontecendo por todo o mundo. Além de que muitas dessas demissões podem significar mais competição ainda, pois os que sofreram com isso acabam embarcando em seus próprios projetos. Nós mesmos estamos trabalhando há um ano sem uma perspectiva de quanto o Islets vai dar de retorno, por exemplo.

Se a pessoa se sente pronta para dar esse salto, eu posso dar um conselho que se trata de algo que não conseguimos fazer por questões contratuais, que é embarcar em uma produção independente no tempo livre, em paralelo com o trabalho, caso exista essa oportunidade. Quanto mais tempo o desenvolvedor conseguir tocar o seu projeto no tempo livre, mais seguro ele estará quando acontecer imprevistos.


GB: Por fim, deixo vocês livres para brevemente falar direto com os leitores.

Matheus Cunegato: Primeiro eu gostaria de agradecer o espaço do GameBlast para a gente poder conversar, estamos muito felizes por poder falar um pouco do nosso estúdio e ganhar um espaço para a MiniGoof. Agradeço a todo mundo que está lendo e acompanhando o nosso trabalho, eventualmente até jogando a nossa demo. Nos esforçamos para entreter o nosso público com algo que seja divertido, diferente e que tenha o nosso DNA. Esperamos que vocês interajam com a gente, entrem no nosso Discord, conversem conosco. Estamos extremamente abertos quanto a isso. Temos um desejo de ter a comunidade ao nosso redor nos dando feedback, propondo sugestões.

Estaremos participando no Steam Next Fest agora dia 24 de fevereiro, uma amostra na qual o Steam coloca em evidência demos na sua vitrine. Ainda, estaremos participando da Brazil Game Sale nesse período também. Quem se interessou pelo Islets Defense e quiser apoiar um jogo brasileiro, mesmo que não possa comprar o game, jogue a demo e deixe uma avaliação honesta pra gente.

Willian Schneider: É muito importante pra gente que vocês que gostaram do game adicione ele na lista de desejos do Steam. Isso é fundamental para ajudar a divulgar o jogo nessa fase inicial.

Indubitavelmente foi uma experiência incrível trocar ideia com o pessoal da MiniGoof. Quero agradecer aos três desenvolvedores, que reservaram um tempinho nas suas agendas para conversar com a gente, por tão abertamente expor importantes questões pertinentes ao desenvolvimento independente e por contarem um pouco de suas trajetórias e perspectivas. Da mesma forma, agradeço ao Yago Gomes, também ex-Epic, que gentilmente fez a ponte de contato com o pessoal da MiniGoof.

Caso tenham interesse no Islets Defense, baixem a demonstração e sigam a MiniGoof nas redes sociais. A demo está disponível gratuitamente no PC via Steam. O jogo deve ser lançado ainda em 2025.

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Andy Eisfeld
é catarinense e egresso da faculdade de Letras Japonês da UFPR. Amante dos JRPGs, adora perder horas rejogando games da série Megaten. Defensor das CRTs, tem orgulho do seu legado PC Gamer desde o 386. Pode ser encontrado nas redes pelo @AndyyEdits.
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