Não é segredo para ninguém. 2024 foi um marco na derrocada dos jogos que seguem o modelo live service. Games como X-Defiant e Concord são apenas alguns exemplos de quão duro o mercado dos “jogos como serviço” pode ser. Mesmo assim, desenvolvedoras e publicadoras continuam sonhando em pegar uma fatia do bolo hoje dividida entre o Call of Duty e o Fortnite. Como então que Euro Truck Simulator 2, um jogo lançado 12 anos atrás sobre dirigir caminhões pela Europa, consegue manter um pico diário de jogadores na Steam quase duas vezes maior do que o Overwatch 2?
Jogo versus serviço
No cenário atual dos games, o modelo live service tem ajudado grandes franquias a atingir novos patamares quando o assunto é número de jogadores e faturação. A maior parte das grandes publicadoras investe pesado em games que seguem o modelo, visto que os gamers hoje em dia querem jogos vivos, que tenham atualizações constantes, novos conteúdos e cosméticos.
Acredite, eu mesmo já passei por uma fase de sentir-me animado por uma nova skin de personagem no League of Legends, ou até alegrei-me por finalmente completar o passe de batalha do Call of Duty. No entanto, devemos nos colocar na posição de críticos e nos perguntar se esses jogos que seguem o atual modelo do live service realmente merecem o apoio de seus jogadores quando práticas predatórias, propaganda, cosméticos ou até verdadeiros caça-níqueis são relativamente comuns no segmento.
Certamente o sucesso de um jogo live service não contribuiria para piorar sua qualidade, correto? De forma lógica, poderíamos chegar a uma conclusão: os jogos como serviço que tiveram êxito deveriam ter as melhores mecânicas, visuais, suporte e, acima de tudo, boas avaliações da comunidade. Todavia, esse não é o cenário observado, e exemplos não são poucos.
Lembram da saudosa expansão do modo história do GTA V, que acabou sendo completamente cancelada em favor de novo conteúdo para o GTA Online? Call of Duty, por exemplo, apesar de ser um jogo caríssimo, passou os últimos anos bombardeando seus jogadores com propaganda de cosméticos e passes.
Olhando para o passado, quem jogou até o Black Ops II lembra que o game oferecia no máximo quatro DLCs, em que cada um possuía quatro mapas para o modo multiplayer, e ainda um mapa do modo Zombies, algo que seria completamente impensável nos modelos de hoje. E quem lembra de quando comprar o season pass de um jogo lhe dava acesso a todos os DLCs que iam lançando no decorrer da vida do game?
Exemplos como esses nos apontam a uma direção na qual as publicadoras de jogos live service chegaram em um platô de qualidade e, a partir disso, preferiram ir pelo caminho sem riscos da reutilização em favor do caminho arriscado da inovação, transformando jogos que costumavam ser experiências inéditas e ousadas a cada lançamento em serviços nos quais a maior parte do jogo anterior é reaproveitada, poucos assets novos são criados e o status quo é mantido soberano.
Euro Truck Simulator 2 e o live service
É muito fácil esquecer que Euro Truck Simulator 2 é de fato um jogo live service. A SCS Software, desenvolvedora e publicadora do game, segue em crescimento, com cada vez mais funcionários, preocupando-se em trazer conteúdo novo para um jogo que irá fazer 13 anos. Ainda assim, no ETS2 as coisas são drasticamente diferentes do cenário atual. Em favor de práticas como a venda de passes e impulsos de experiência, a SCS trabalha para entregar atualizações de partes antigas do mapa, além de novos caminhões, completamente de graça.
Ademais, para viabilizar o suporte ao jogo e manter os jogadores instigados por novo conteúdo, expansões de mapa em forma de DLCs pagos costumam ser lançados pelo menos uma vez ao ano, sempre comercializados em preços acessíveis e providenciando altos descontos em expansões antigas. Desse modo, os jogadores continuam a investir muitas horas no game, que neste mês possui 96% de avaliações positivas.
Em dezembro, com o lançamento do DLC Greece, a mais recente expansão de mapa, Euro Truck Simulator 2 chegou perto de bater seu pico de jogadores com uma impressionante marca de 69 mil simultâneos, segundo o SteamDB. Ainda, mantém um saudável pico diário nas últimas semanas que flutua entre os 45 e 65 mil jogadores. Avaliações extremamente positivas, suporte ao jogo base, DLCs de estofo e preços acessíveis são fatores positivos que todas as desenvolvedoras e publicadoras deveriam invejar.
O sucesso de Euro Truck Simulator 2 também se dá pelas parcerias que a desenvolvedora forjou ao longo do tempo com marcas reais de caminhões, reboques e pneus, atribuindo uma função de vitrine ao jogo. Fabricantes querem ver seus caminhões mais novos nas telas, assim como os jogadores querem experimentar as tecnologias de ponta providenciadas por eles, adicionando ao apelo realista que o game promove.Tenho que dar o braço a torcer, entretanto, pois o ETS2 também possui DLCs de itens cosméticos, pinturas e skins. Apesar disso, esse conteúdo não é sazonal, não está vinculado a nenhum tipo de passe e é vendido completamente na loja da Steam, não deixando os jogadores reféns de uma loja dentro do jogo. Indubitavelmente, outro fator que contribui para o acerto do game no modelo live service é o suporte a modificações, contando com um editor de mapas, gerenciador de mods dentro do próprio game e a completa adesão à Steam Workshop, tornando a instalação desse conteúdo trivial para gamers interessados.
O jogo precede o serviço
Sem sombra de dúvidas, Euro Truck Simulator 2 é um jogo live service que deveria servir de exemplo para a indústria. Considerando o sucesso dos últimos DLCs West Balkans e Greece, a SCS Software continua a suportar o game em paridade de funcionalidades com o American Truck Simulator, ostentando um elenco de desenvolvedores vasto, além do crescente número de jogadores. Isso deveria ser o suficiente para evidenciar a viabilidade desse modelo, mas infelizmente certa parte da indústria segue agarrada a medidas anticonsumidor, altos preços ou assinaturas. Caso esses fatores tenham lhe causado interesse no jogo, ele está disponível apenas no PC via Steam e frequentemente encontra-se em promoção.
Revisão: Ives Boitano