Um pacote volumoso
Com o processo de restauração feito pela Digital Eclipse, Yu-Gi-Oh! Early Days Collection reúne 14 jogos dos anos iniciais da série. Pelo contexto da coletânea, clássicos como o Forbidden Memories de PS1 se encaixariam perfeitamente no pacote, mas o foco é exclusivamente nos jogos portáteis, com a lista completa sendo a seguinte:- Yu-Gi-Oh! Duel Monsters
- Yu-Gi-Oh! Duel Monsters II: Dark Duel Stories
- Yu-Gi-Oh! Monster Capsule
- Yu-Gi-Oh! Dark Duel Stories (Tri-God Holy Advent em japonês)
- Yu-Gi-Oh! Duel Monsters 4: Battle of Great Duelists
- Yu-Gi-Oh! Dungeon Dice Monsters
- Yu-Gi-Oh! The Eternal Duelist Soul
- Yu-Gi-Oh! Duel Monsters 6: Expert 2
- Yu-Gi-Oh! The Sacred Cards
- Yu-Gi-Oh! Reshef of Destruction
- Yu-Gi-Oh! Worldwide Edition: Stairway to the Destined Duel
- Yu-Gi-Oh! World Championship Tournament 2004
- Yu-Gi-Oh! Destiny Board Traveler
- Yu-Gi-Oh! 7 Trials to Glory: World Championship Tournament 2005
É possível alternar entre versões com línguas diferentes para cada um dos jogos, exceto Duel Monsters 6: Expert 2, que conta apenas com sua versão japonesa. O mesmo conteúdo do jogo está disponível em Stairway to the Destined Duel, que é uma versão refeita do mesmo jogo para o Ocidente.
Em termos da preservação dos jogos, é interessante notar que não se trata apenas de agregar os jogos em um pacote, já que três deles foram traduzidos pela primeira vez. Além de contar com inglês e japonês como opção, mas boa parte deles também contam com opção de espanhol, italiano, francês e alemão. Infelizmente, o português ficou de fora, mas esse versionamento não é uma adição trivial.
Outro elemento importante é que podemos conferir manuais dos jogos e até mesmo os que não foram lançados no Ocidente originalmente receberam versões traduzidas desse conteúdo. Junto com as capinhas dos jogos que são usadas no menu de seleção, esse é o tipo de conteúdo que realmente valoriza a experiência de colecionismo de um produto como esse.
Além da opção de ajustar o tamanho da tela, aplicar filtros que emulam telas antigas, desligar as bordas exclusivas de cada jogo e ajustar controles, há um sistema de cheats integrados para facilitar a experiência de forma opcional. Exceto por Monster Capsule, Dungeon Dice Monsters e Destiny Board Traveler, que não são jogos de cartas, todos os outros possuem a opção de desbloquear todas as cartas e definir quantas cópias teremos delas.
Em alguns casos, também é possível alcançar o valor máximo em outros parâmetros, como “capacidade do baralho” em Dark Duel Stories e “nível de duelista” em The Sacred Cards e Reshef of Destruction. Uma vez que esses parâmetros são alterados, eles são atrelados ao save atual do jogador e só poderão ser revertidos apagando o save e recomeçando do zero.
Vale destacar que é possível usar saves externos no menu de opções para poder restaurar o momento exato das partidas e testar outras jogadas. Os jogos também contam com um rewind bem generoso, o que é muito importante já que os movimentos podem demorar bastante, então um tempo mais curto, como o padrão da SNK em seus relançamentos de Neo Geo Pocket, não seria útil para corrigir as escolhas do jogador.
Um multiplayer à parte
Infelizmente, há um ponto negativo da implementação desses jogos da coletânea, que é a perda de modos de jogo referentes ao multiplayer. Dentro de qualquer título do pacote, não é possível ativar os menus de troca e duelos contra outros jogadores, o que no lançamento original deles era feito via cabo link. Sendo justo, a ausência é compreensível, tendo em mente a necessidade de adaptar todos os jogos para aproveitarem uma infraestrutura online, mas não deixa de ser uma perda em relação à experiência original.No momento em que o jogo estiver disponível nos consoles atuais, apenas Duel Monsters 4 conta com suporte ao multiplayer, mas isso não ocorre dentro do save próprio do jogador. Para jogar contra outra pessoa, é necessário abrir um menu separado de multiplayer, que usa uma versão alternativa do jogo na qual todas as cartas já estão disponíveis e basta montar o seu deck para disputar com outra pessoa.
Com isso, o aspecto Trading do TCG é totalmente ignorado no pacote, o que é uma pena, mas os jogadores poderão competir contra outras pessoas rapidamente sem gastar muitas horas desbloqueando novas cartas para montar seus decks favoritos. Na versão de PC disponível no Steam, há tanto um sistema de Quick Match para buscar pessoas aleatórias quanto de Invite para chamar um amigo para jogar com você.Pelos comunicados anteriores sobre a coletânea, a expectativa é que modos similares sejam disponibilizados para outros jogos do pacote futuramente. Seria especialmente interessante se isso acontecesse para alguns dos jogos mais recentes do pacote tendo em vista que eles já possuem uma estrutura mais próxima das regras do TCG real. Outros que se beneficiariam bastante desse modo são os que possuem gameplay mais diferenciada, como o party game Destiny Board Traveler e o jogo de dados Dungeon Dice Monsters.
Começando com um formato básico
Do primeiro Duel Monsters de GB até o Duel Monsters 4: Battle of Great Duelists, temos uma versão bem simplificada do jogo de cartas. No primeiro jogo, é possível usar apenas uma carta por turno, incluindo magias (armadilhas nem sequer existiam), e é necessário fazer essa jogada para poder avançar, não sendo permitido passar o turno ou somente atacar com as criaturas que já estão em campo.Os baralhos tinham o limite de 40 cartas, mas ainda não contavam com a restrição de 3 cartas do mesmo tipo. Por conta disso, é possível colocar 9 Dragões Brancos de Olhos Azuis e, como não há o sistema de tributos, invocá-los imediatamente no campo.
Com menos regras do que de fato se tornaria o TCG, a experiência é profundamente desbalanceada. Torna-se apenas uma questão de invocar monstros mais fortes na maior parte do tempo e há poucas formas de reverter uma situação desfavorável, como a magia Raigeki para eliminar todas as criaturas inimigas do campo.Um dos poucos sistemas interessantes que podem adicionar um pouco mais de profundidade à criação de baralhos já no primeiro jogo é a fusão. Sem a carta da Polimerização, a estrutura de fusão é muito mais simples: coloca-se um monstro por cima do outro e, se houver uma combinação, ela será liberada; caso contrário, o monstro posicionado substituirá o atual em campo.
Infelizmente, é bem difícil saber quais são as fusões disponíveis e os jogos não trazem nenhuma forma de auxílio para isso, nem mesmo gravando as combinações já feitas anteriormente para indicar nas próximas tentativas. Por conta disso, é importante ter um guia externo em mãos se o jogador quiser aprender a abusar desse sistema e tornar seus duelos mais ricos em opções enquanto ainda não liberou as cartas mais poderosas.
A partir do terceiro jogo, Tri-Holy God Advent — que foi traduzido no Ocidente com o subtítulo de seu antecessor Dark Duel Stories —, finalmente são introduzidas algumas regras fundamentais do TCG. Em particular, já há aqui uma distinção de que magias e armadilhas podem ser usadas de forma independente dos monstros invocados e que é necessário ter em mente tributações para criaturas de nível muito alto, o que ajuda a deixar o jogo mais complexo do que só “colocar a carta mais forte da sua mão em campo”.Curiosamente, os jogos nessa época também contavam com um sistema de alinhamento, que basicamente tornava a força de ataque e defesa dos combatentes irrelevante se um deles fosse superior. A exceção à regra eram as invocações de ritual, cuja complexidade rendia cartas “divinas” invulneráveis ao efeito do alinhamento.
De forma geral, esses quatro jogos são um início bem curioso para a franquia, com regras bem diferentes do que se vê hoje em dia. A experiência pode ser interessante especialmente para quem acompanhou a série de TV no arco inicial, mas a simplificação excessiva acaba incentivando baralhos muito básicos que focam apenas em cartas de ataque mais alto e algumas magias (como o absurdo Tremendous Fire do primeiro jogo).Porém, um fator que deixa esses primeiros jogos especialmente enfadonho é o fato de que temos que batalhar cinco vezes contra cada personagem antes de avançar para um próximo mapa com mais opções de duelistas. As áreas vão escalando de dificuldade com o tempo para que o jogador não encare uma barreira logo no início, mas essa repetição forçada pode ser um gargalo no aproveitamento de algumas pessoas.
O verdadeiro TCG
A partir de Eternal Duelist Soul, finalmente temos alguns jogos com todos os elementos básicos do que era o TCG desse período. Com isso, armadilhas, magias e monstros com efeito passam a ser parte fundamental dos baralhos, assim como um bom planejamento da sinergia das cartas para criar situações mais complexas que dificultam a vida dos adversários.Depois dele, ainda temos dois jogos (The Sacred Cards e Reshef of Destruction) com um duelos diferentes, mantendo o esquema de atributos dos jogos de GBC e até mesmo eliminando fusões totalmente. Porém, eles já contam com a estrutura do campo com cinco espaços para armadilhas e magias, além de uma boa quantidade de cartas com efeitos especiais. De modo geral, são opções mais robustas estrategicamente do que os jogos iniciais e de entrada mais fácil.
É nesses dois jogos também que somos introduzidos à exploração de ambientes com o nosso personagem, já que todos os anteriores envolviam apenas o uso de menus. Poder viajar pela cidade de Domino escolhendo adversários e ir à loja do vô do Yugi para comprar cartas pode ser um fator de imersão para algumas pessoas. Em comparação, dos jogos disponíveis na coletânea, apenas o último (World Championship 2005) traz tanto a exploração da cidade com visão top-down quanto o esquema de duelo da vida real.
Resta então The Eternal Duelist Soul, Stairway to the Destined Duel, World Championship Tournament 2004 e o WCT 2005 como jogos do pacote que realmente incorporam as regras do TCG físico nessa fase inicial em vez de regras próprias. Os quatro jogos são bastante divertidos, permitindo que o jogador monte baralhos diversificados e enfrente tanto figuras conhecidas do primeiro anime da série quanto “NPCs aleatórios”.
De forma geral, eles estão em um ponto ideal de complexidade, em que temos de fato as regras esperadas de Yu-Gi-Oh!, mas ainda não há aspectos avançados que seriam adicionados ao meta em concomitância com as novas sagas do anime. Essa estrutura seria mantida durante a era GX, que introduziu novos arquétipos e cartas de funcionalidade mais complexa e foi coberta pelos jogos subsequentes da franquia.
A partir de 5D’s, novos tipos como Synchro, Pendulum (Arc-V) e Link (Vrains) foram criados e foi até mesmo criado um formato especial chamado de Rush Duel para tentar ser mais convidativo a novatos. Esses elementos mais avançados do TCG podem ser conferidos nos jogos mais recentes da franquia, como o Master Duel e Yu-Gi-Oh! RUSH DUEL: Dawn of the Battle Royale!! no Nintendo Switch.
Para quem já tinha jogado ou assistido Yu-Gi-Oh! na época das suas duas primeiras temporadas ou quer conhecer mais sobre a série de uma forma mais casual, a nova coletânea é um ótimo ponto de partida. Da mesma forma, é um resgate histórico que realmente ajuda a destacar a evolução e o legado dessa fase inicial de construção do TCG, embora seja um tanto estranha a ausência de clássicos como Forbidden Memories no pacote. Quem sabe em um próximo?
Nem só de cartinhas vive o homem
Além de todo o histórico que comentei, a coletânea vai além e traz três jogos que foram lançados para os portáteis da Nintendo no meio dessa evolução, mas que envolvem gameplays totalmente diferentes. Originalmente, Yu-Gi-Oh! foi pensado como um rei de vários tipos de disputas, com o mangá e o anime anterior a Duel Monsters abordando também jogos de tabuleiro e até jogos de azar, mas o foco se tornou o TCG graças a seu sucesso avassalador.No ano 2000, a Konami lançou Monster Capsule, um spin-off que é basicamente uma espécie de RPG tático. No controle de Yugi, devemos rolar um máquina de gachapon, pegando bonecos de monstrinhos variados e usando eles para lutar contra outros jogadores.
A cada turno, podemos movimentar uma das criaturas e atacar se o inimigo estiver em uma as posições específicas do mapa em que os golpes acertam. O jogo pode ser bem complexo em algumas nuances como as regras de atributo, terreno, área de alcance dos ataques e efeitos especiais, que demandam tempo para se familiarizar.
Já Dungeon Dice Monsters adapta um jogo de dados que chega a ser apresentado no meio do anime original. A ideia é rolar três dados do seu “deck” para fazer invocações e conseguir recursos dependendo do lado que aparece.Quando conseguimos pelo menos duas estrelas de mesmo nível nos dados, é possível invocar um deles no campo. Podemos escolher de que forma o dado será “aberto” no tabuleiro, ocupando territórios e criando uma espécie de labirinto. Só é possível colocar um dado se houver espaço suficiente para ele próximo de um território já ocupado, sendo uma estratégia possível impedir que o adversário invoque mais aliados, bloqueando o caminho com os seus.
Para vencer a disputa, o jogador precisa eliminar as três vidas do adversário, o que implica em levar os seus guerreiros até as posições adjacentes ao avatar do adversário, que fica fixo na posição contrária à do seu personagem no labirinto. Para se movimentar, atacar, defender e usar habilidades especiais, o jogador precisa conseguir recursos específicos dessas ações nos dados rolados.Assim como Monster Capsule, este jogo pode ser bem complexo de entender a princípio, ou melhor dizendo, até pior por conta da profundidade das regras. Porém, quando o jogador finalmente entende como pensar estrategicamente as escolhas dos dados tanto na elaboração do deck quanto no uso imediato no labirinto, ele se torna um desafio viciante.
Por fim, temos também Destiny Board Traveler, uma espécie de Banco Imobiliário/Mario Party com personagens de Yu-Gi-Oh!. Quatro jogadores (apenas um real e os outros máquina por conta da restrição de multiplayer da coletânea) disputam para ver quem consegue mais pontos e controla mais o tabuleiro. Ganha quem conseguir o número designado de estrelas primeiro ou se todos os adversários tiverem 0 LP.Durante o seu turno, um jogador deve rolar um dado de invocação. Podemos escolher até 6 das cartas que temos em mãos e colocá-las como lados do dado. Se um lado sem nenhuma carta sair, o jogador ficará parado no mesmo lugar. Caso contrário, o número de estrelas da carta selecionada definirá quantas casas andaremos.
Se pararmos em uma área que tem um monstro do tabuleiro ou de um adversário, teremos que enfrentá-la. A carta que usaremos para enfrentar a criatura será o monstro da vez se ele puder ser invocado, o que nem sempre é verdade porque cartas com muitas estrelas demandam tributos já disponíveis em campo como no TCG. Sem um monstro, ficamos vulneráveis a dano direto ao LP.
Existem mais detalhes específicos, mas a grosso modo, o principal problema do jogo é a pouca variedade de tabuleiros. Embora cada um deles traga efeitos secundários específicos e seja possível aproveitar as super habilidades dos personagens para movimentar um pouco a disputa, ela acaba ficando monótona no longo prazo.
Dito tudo isso, a adição desses três jogos é um ótimo frescor para o pacote não ficar exclusivamente no universo das cartas. Com isso, ele dá uma visão mais ampla dos experimentos que a franquia teve nos portáteis da Nintendo de forma geral.
De volta ao passado
Yu-Gi-Oh! Early Days Collection é um resgate histórico de um legado da franquia nos sistemas Game Boy (original, Color e Advance). A qualidade dos jogos pode oscilar bastante e os primeiros do pacote são bem diferentes do que o TCG da vida real chegou a desenvolver. Com uma história tão ampla, a série tem também títulos melhores que merecem esse resgate, como a linha Tag Force, e fica a expectativa que o fôlego da equipe não acabe só com este relançamento.
Prós
- Pacote robusto com 14 jogos da franquia, tendo algumas obras inéditas no Ocidente traduzidas para inglês e outras línguas;
- A inclusão de três spin-offs com gameplay totalmente diferente ajuda a dar mais diversidade ao pacote;
- Historicamente, é interessante ver a evolução da franquia ao longo desses jogos de seu período formativo;
- Manuais em inglês para todos os jogos explicando detalhes da gameplay de cada um;
- Opções de cheat, rewind com tempo generoso e saves externos para voltar a qualquer momento das partidas são recursos bem vindos para explorar os títulos da coletânea.
Contras
- A estrutura de vários jogos da coletânea é focada estritamente em grinding;
- A simplificação excessiva das mecânicas nos primeiros jogos enfraquece a riqueza estratégica tradicional da franquia;
- As mecânicas únicas de cada título e suas especificidades são porcamente apresentadas para jogadores novatos e até para veteranos, que poderão ter grande dificuldade com as regras distantes do TCG real;
- A perda da troca e dos sistemas vinculados ao cabo link é um rombo notável na experiência de todos os jogos.
Yu-Gi-Oh! Early Days Collection — PC/Switch — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: PC
Análise produzida com cópia digital cedida pela Konami