Análise: Tails of Iron 2: Whiskers of Winter é brutal tanto na história de ratos contra morcegos quanto na gameplay soulslike

Mesmo afligida pela repetição, a jornada de Arlo compensa em alguns aspectos.

em 10/02/2025

Um bebê, bastardo do rei, é levado para ser criado como filho pelo lorde do norte congelado; uma ameaça antiga que emerge dos confins amaldiçoados de regiões ainda mais gélidas, reerguendo os mortos por onde passa. Um pai decapitado em um roteiro no qual os personagens são mortos sem qualquer cerimônia. Será uma famosa série de TV, cujos livros em que se baseia jamais serão concluídos? Não. É Tails of Iron 2: Whiskers of Winter, um jogo no qual o inverno já chegou.

O inimigo agora é outro

Sabe a consonância ludonarrativa? É quando a gameplay é coerente com a ficção apresentada em um jogo. Nesse caso, a ação de Whiskers of Winter está de acordo com o mundo que apresenta, pois ambos são igualmente brutais e impiedosos.



No primeiro jogo, vimos uma horda de sapos invadir o reino dos ratos, mas, desta vez, a tragédia ocorre em terras mais duras e frias do norte, onde o lorde guardião sucumbe diante do inesperado retorno de um exército maldito de lendas antigas: os Asas Negras, morcegos sedentos de sangue.

O belíssimo visual de livro ilustrado apresenta construções de inspiração nórdica e de fantasia medieval, com florestas, pântanos, ruínas e fortificações de pedra e madeira, mas também exibe corpos de criaturas boas e más passadas pelo fio da espada e esguichos de sangue de várias cores.

Agora órfão, Arlo, o filho adotivo do lorde, assume a responsabilidade de proteger os ratos do norte, unir forças com outros povos, reconstruir a cidade de Limiar Invernal e impedir a ameaça alada e sombria que ressurgiu dos túmulos das lendas.



A crueldade do verdadeiro norte

Arlo brandirá arma e escudo, arco e flecha e arma de duas mãos com ataque carregável, cada coisa com seu botão designado. Poções e armadilhas ajudarão a sobreviver, mas o que fará a diferença é prestar atenção à coreografia dos bichos e às marcas de indicação próximas às cabeças deles.

Ataques normais não dão sinais claros, mas alguns deles possuem marcas brancas que indicam que é uma boa ideia levantar o escudo. As marcas amarelas indicam que uma defesa sincronizada, isto é, uma aparada, pode ser executada, dando boa abertura para cravar alguns golpes no oponente. Já as marcas vermelhas significam que apenas a esquiva impedirá o dano.



Arlo precisa entrar no compasso da luta pela vida e investir em movimentos intencionais e bem pensados. Isso é reforçado pela sensação de impacto dos golpes e peso das esquivas, dando foco a cada ação aplicada em vez da agilidade de encaixar combos e depender de puros reflexos. O estilo de animação de movimentos bruscos e a aceleração limitada do rato herói completam a tendência do combate.

Falando assim, a coisa soa simples, mas, na prática, é mais complicado acompanhar a dança, nem sempre por motivos justos. Mesmo sendo um jogo 2D, a câmera se afasta e se aproxima em alguns momentos, podendo deixar o inimigo parcialmente encoberto, o que não raro atrapalha nossa leitura dos movimentos deles. As próprias legendas da narração, em português, são diagramadas em blocos grandes e às vezes obstruem a visão.

O problema é agravado por certas cores da iluminação e pelo filtro de tela que avisa que a vida está baixa, alterações que podem dificultar a correta visão das marcas de indicação. Esses pontos não são muito frequentes, mas incomodam quando acontecem.





A dificuldade em si é brutal e minhas derrotas consecutivas começaram cedo, exigindo-me bastante persistência — até que houve uma mudança repentina, que explicarei mais à frente.

Para mim, o problema está na quantidade de dano causado pelos ataques inimigos. Vários chefes têm ataques que tiravam a maior parte da saúde de Arlo, diminuindo em muito nossa margem para erros ao responder aos indicadores de combate. Frustração foi um sentimento frequente em muitos desses encontros ferozes.

Se as coisas apertarem demais, é possível mudar a dificuldade a qualquer momento. Até imagino que essa abertura para diminuir o desafio deixou a Odd Bug Studio mais à vontade para pesar a mão na força dos monstros.



A escolha de armas e armaduras é parte essencial da preparação. Além dos atributos de ataque e defesa, há outros relacionados a fogo, eletricidade, gelo e veneno. Todos os equipamentos têm altos e baixos nessas estatísticas, então é preciso gerenciar o custo-benefício para cada batalha, incluindo também o peso, que pode comprometer a esquiva.

Cada inimigo encontrado fica registrado no bestiário mesmo sem ter sido derrotado, então é importante (eu diria necessário) checar as vulnerabilidades de um chefe e trocar de equipamento no meio da luta para melhor se adequar às circunstâncias, percorrendo as numerosas listas de apetrechos que encontramos pela campanha.



Caindo na ratoeira

Alguns problemas impedem que Whiskers of Winter alcance seu potencial de ser uma experiência melhor. Um exemplo simples é como o menu da loja dificulta o gerenciamento da compra de novos itens e equipamentos por não indicar se já os possuímos em nossos estoques, algo básico para qualquer RPG há décadas. O sistema de crafting também não é muito intuitivo, pois recebemos novos itens e receitas o tempo inteiro e a maior parte disso nunca será usada porque já chegou obsoleta.

Outros dois sistemas são subaproveitados. Um é o de efeitos negativos, baseados nos mesmos elementos que falei acima. Admito que é um alívio que o envenenamento não cause perda de vida gradual em Arlo, como em quase todos os outros jogos que incluem essa mecânica, mas as quatro condições diferentes levam ao mesmíssimo resultado de deixar Arlo temporariamente imobilizado, exigindo apertar o botão de esquiva repetidamente para livrá-lo.

O outro sistema é o de magias, tratado como uma novidade digna o bastante para ser exibida em trailer, mas que, na prática, é simplista: aprendemos apenas uma magia de cada elemento, enchemos a carga de cada uma ao atacar e podemos reforçá-las uma vez ao encontrar seus respectivos totens. É claro que elas oferecem ajuda no calor da peleja, mas a baixa variedade deixa a sensação de estar aquém do potencial de aprofundamento do combate que poderiam gerar.



A própria dificuldade elevada, que destaquei acima, sofre de desequilíbrio ao não conseguir dialogar bem com o progresso da campanha e os avanços de reconstrução do castelo, que empoderam Arlo com mais recursos.

Um pouco depois da metade do meu tempo com o jogo, quando consegui expandir ao máximo a forja para melhorar equipamentos e a cozinha para aumentar os pontos de vida, a dificuldade teve uma queda vertiginosa, pois esses aprimoramentos me deixaram subitamente preparado o bastante para enfrentar com grande facilidade inimigos que haviam me dado muito trabalho menos de meia hora antes.

Dali em diante, pouquíssimos chefes tiveram desafio relevante e os das missões secundárias ficaram banais. Até do último passei de primeira, simplesmente porque não conseguiam mais matar Arlo em dois ou três golpes, como os anteriores.



Outros bichos, mesmo ecossistema

As semelhanças de Whiskers of Winter com seu antecessor são marcantes, o que passa uma sensação de mesmice em vários pontos — uma questão de que tratei recentemente, na análise de ENDER MAGNOLIA: Bloom in the Mist. Com Tails of Iron, porém, a repetição é menos positiva.

Não houve grande avanço em relação ao passado e penso que Whiskers of Winter até perde em alguns aspectos por guardar menos surpresas que o anterior. O design de nível é pouco inspirado, servindo apenas para aprofundar a noção de lugar para as diferentes regiões do norte. Os cenários nunca falham em ser visualmente belos e agradáveis, mas chega um momento em que passamos tantas vezes pelos mesmos locais, em meio a missões secundárias, que a beleza vai perdendo o efeito.

missões também são simplistas e repetitivas, consistindo principalmente em caçadas a versões diferentes do mesmo punhado de monstros. Um aspecto particularmente incômodo nessas lutas é que são divididas em três fases que se deslocam por locais diferentes.



Tais 

Talvez a intenção tenha sido representar uma caçada, fazendo o bicho fugir no meio da luta para que Arlo siga em seu encalço. Em muitos casos, a “perseguição” implica apenas em realizar uma viagem rápida para a sala ao lado do confronto, diminuir a saúde da criatura, realizar nova viagem rápida e repetir o loop. Essa é uma dinâmica que já foi ruim quando vista em Salt and Sacrifice e, em Whiskers of Winter, também não compensou. Na prática, serve apenas de backtracking previsível, desnecessário e entediante, agravando a repetição que já permeia boa parte dos chefes e das técnicas de Arlo.

O que alivia essas esticadas da gameplay é que cada momento é iluminado pela excelente narração de Geralt de Rívia, digo, de Doug Cockle, o dublador em inglês do bruxão nos jogos de The Witcher. O texto e a voz funcionam muito bem com a atmosfera em geral e dão o ritmo da campanha, atenuando os tropeços.

Falando em atmosfera, as músicas instrumentais são muito boas. Isto é, quando elas aparecem, de vez em quando, o que só torna mais óbvio que foram menos aproveitadas do que poderiam ser. A da fazenda nas Cercanias, por exemplo, é especialmente agradável, mas eu nunca tinha motivo para ficar lá por tempo o bastante para curtir a melodia sem precisar largar o controle.



Outro ponto em que acho que Whiskers of Winter acertou foi em expandir o mundo pela diversidade dos animais inteligentes que ali habitam. Há os Olhos Noturnos da vila das árvores (corujas), Focinhos Listrados fazendeiros (texugos), Orelhas Brancas nórdicas (coelhos) e até os sapos, vilões no sul, merecem um pântano desolado para chamar de seu nas terras do norte. Entre inimigos, vemos Apunhaladores (porcos-espinhos), Tecelãs (aranhas), Garras Furtivas (camaleões) e vários outros.

Também acho que a relativa brevidade ajuda a encarar a aventura épica de Arlo de forma mais positiva no saldo final. A campanha principal tem um tamanho adequado ao que propõe e apenas as secundárias, que ainda são importantes para a história e para descobrir alguns segredos, parecem esticar a jornada além do devido. No fim das contas, levei 11 horas para chegar aos créditos finais e mais uma horinha para focar nos troféus restantes e obter o de platina no PS5.



O inverno chegou

Tails of Iron 2: Whiskers of Winter compensa com o combate de impacto, o visual desenhado em detalhes, a interessante fantasia medieval com animais e a narração que eleva a atmosfera. No entanto, o jogo não consegue aprofundar suficientemente o que foi feito no antecessor e sofre com sistemas superficiais, design de níveis insípido, backtracking desnecessário e lutas repetitivas e desequilibradas. O novo épico do reino dos ratos pode agradar com o que tem de bom, mas não vai impressionar quem jogou o primeiro.



Prós

  • Belíssimo visual de livro ilustrado;
  • Mundo cativante habitado por animais antropomórficos de diferentes culturas;
  • Além de passar boa sensação de impacto, o combate requer foco, cadência e intencionalidade;
  • A narração dublada em inglês aprofunda a atmosfera e dá bom ritmo à narrativa;
  • Há três opções de dificuldade;
  • Textos em português brasileiro.

Contras

  • O combate tem dificuldade elevada devido ao altíssimo dano provocado pelos chefes;
  • O design de mundo simplista agrava a dinâmica repetitiva das missões;
  • Alguns sistemas, como os de magias e de condições adversas, são superficiais;
  • O sistema de equipamentos é mais extenso do que o necessário e, quando as melhorias ficam disponíveis, desequilibra as lutas a favor de quem joga, invertendo a dificuldade;
  • As legendas da narração são grandes e, não raro, atrapalham a visão da ação;
  • As lutas contra vários chefes secundários são segmentadas em três encontros em locais diferentes, gerando interrupções e backtracking desnecessários;
  • O arcabouço da trama passa grande sensação de mesmice em relação ao jogo anterior.
Tails of Iron 2: Whiskers of Winter — PC/PS5/XSX — Nota: 7.0
Versão utilizada para análise: PS5

Revisão: Ives Boitano
Análise produzida com cópia digital cedida pela United Label
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Victor Vitório
Admiro videogame como uma mídia de vasto potencial criativo, artístico e humano. Jogo com os filhos pequenos e a esposa; também adoro metroidvanias, souls e jogos que me surpreendam e cativem, uma satisfação que costumo encontrar nos indies. Veja minhas análises no OpenCritic.
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