Parece que a Spike Chunsoft e a Mages ouviram meus planos, porque cá estou eu, cobrindo o primeiro lançamento oficial de Never 7 no Ocidente! Disponibilizado juntamente à sua sequência, Ever 17 - The Out of Infinity, em um double pack (opcional) que curiosamente exclui o terceiro jogo da série Infinity, o título renasce dos mortos em meio a novas controvérsias, além das antigas, que certamente voltarão à tona.
Para os interessados na história do gênero visual novel, Never 7 se destaca por ser um dos primeiros jogos assinados pelo lendário roteirista Kotaro Uchikoshi, mais conhecido como o criador das séries Zero Escape e AI: The Somnium Files, com um foco dividido entre romance slice of life e ficção científica. Mas vale a pena jogar para quem não entende nada do assunto? Veja bem…
O pior acampamento de verão de todos os tempos
Nossa história começa com um sonho. Na manhã de uma segunda-feira, 1º de abril, Makoto Ishihara, 20 anos, acorda com uma imagem vívida na mente: uma garota morta que segura um sino na mão. A cena teria se passado em 6 de abril. Será uma premonição? Será que isso acontecerá a uma das cinco garotas presentes na ilha onde sua classe faz parte de um seminário da faculdade?
Voltemos um pouco a fita: que seminário é esse? Bem, por ter sido um péssimo aluno, Makoto é convocado para uma dinâmica obrigatória com outros colegas, em uma determinada ilha do Japão. Sua turma é composta de quatro pessoas que não se conhecem: ele, a assertiva líder Yuka Kawashima (20), a reservada Haruka Higuchi (19) e o falastrão Okuhiko Iida (20). O objetivo dado ao “Time Kawashima” é nebuloso, mas é sabido que eles devem se tornar amigos.
Durante essa missão tão vital, encontramos mais três garotas. A primeira é Kurumi Morino, uma menina de 17 anos que aparenta ter bem menos (já-já voltamos a esse ponto); a segunda, Izumi Morino, sua irmã mais velha, que só tem 22 anos, mas já tem jeitão de senhora refinada; e a terceira é Saki Asakura, uma menina rica e mimada de 20 anos, que está de férias em um casarão por perto.
Como você já deve ter imaginado, Never 7 é um simulador de romance dos mais típicos. Escolha uma das cinco belas garotas à sua disposição enquanto desvenda o mistério do bizarro sonho de Makoto e das pequenas visões do futuro que ele parece andar tendo. Seria interessante em teoria se a escrita não fosse tão chata — são horas e horas na rota comum até que qualquer coisa comece a acontecer, e as dinâmicas entre personagens são simplórias no mínimo e frustrantes no máximo.Preocupando as circunstâncias é quão mal o texto envelheceu, algo que o próprio Uchikoshi apontou durante o anúncio do remaster. Não é só o fato de ser obrigatório namorar uma menor de idade que chama o protagonista de “irmãozão” para conseguir o final verdadeiro; antes fosse.
Makoto Ishihara é uma pessoa simplesmente detestável na visão das audiências modernas: misógino e aproveitador, ele não se interessa pelos problemas de ninguém que não esteja atualmente cortejando, e se vê como a única pessoa que pode possivelmente resolver os problemas de sua(s) amada(s). Talvez a pior parte do jogo seja ter de aguentar tanto discursinho dele insistindo na pureza moral de todas as personagens femininas (mas só se existir qualquer chance de que ele vá beijá-las, claro).
O único outro homem da narrativa, Okuhiko, tem muitos dos mesmos traços e é repetidamente fonte de zombaria — mas a comédia ao redor do personagem falha ao se recusar a traçar um paralelo entre ele e Makoto. Somos incentivados pelo narrador-protagonista a rir dos fracassos de uma criatura pervertida enquanto controlamos outra; Makoto tem ódio de Okuhiko por não se importar com mulheres e tratá-las como brinquedos, mas faz o mesmo a cada novo loop da história.
Algumas leituras mais generosas do material podem afirmar (com algum crédito) que Never 7 tece um comentário mordaz sobre a natureza de fantasia masculina dos dating sims. É aí que está o ponto em que eu considero o jogo, apesar de todos os pesares, algo a se considerar para quem tem familiaridade com as convenções do gênero: caso aguente todos os piores clichês que o título arremessa à audiência com níveis incertos de autonoção, talvez valha a pena engajar com o possível debate aqui presente. Caso essa não seja sua jornada, aconselho que se poupe do estresse.“IA”í, qual é a dessa nova versão?
A remasterização feita pela Mages, estúdio que ganhou os direitos da série Infinity após absorver seus criadores (o extinto KID, responsável também pela prolífica e quase exclusivamente japonesa série Memories Off), por outro lado, é polêmica até com quem já tem familiaridade com a natureza ultrajante de Never 7.
Para começar, foi feito o uso de inteligência artificial para atualizar os belos visuais, que têm todo o charme inerente ao estilo de um anime antigo, completo com ótimos designs de personagem. Existe um debate intenso ao redor do tema, mas não é o ponto: o problema é que, aqui, na visão de muitos, a IA não fez o trabalho direito e deixou várias falhas à vista.
A via pela qual a maioria dos fãs ocidentais jogou Never 7 antes do lançamento oficial por aqui, a chamada “Never7 Eternal Edition”, também utilizou a tecnologia; talvez pela eficiência menor desta à época, que conservou alguma parte da idade do material, os resultados tenham sido melhores. Compare a qualidade dos traços nesta ilustração (à esquerda, a Eternal Edition; à direita, o remaster):
Perceba as cores levemente mais fracas da nova versão. O zoom não é obra minha — o remaster amplia praticamente todas as imagens, incluindo sprites.
Falando em comparações com o “Never7” sem espaço no meio, surge também um dos aspectos mais divisivos entre fãs de visual novels: a nova localização. Em comparação com as saídas criativas encontradas pela Lemnisca, time cuja versão não oficial do texto aparece na Eternal Edition, a Mages tomou caminhos entre o literal demais e o incompreensível.
O maior exemplo está em uma piada recorrente: quando bebe demais, a personagem Yuka gosta de criar palíndromos. A primeira ocorrência é quando ela cria a frase “Kurumi to hotto miruku” (Kurumi e leite quente), que, quando interpretada com o sistema de escrita japonês, pode ser lida do mesmo jeito em ambas as direções. A Lemnisca optou por transformar a piada no intencionalmente péssimo trocadilho “Kurumilk”, mas a Mages simplesmente explica qual era para ser a graça do original.
Também se destaca uma certa fala icônica do querido(?) Okuhiko: ele, que adora cumprimentar as pessoas em outras línguas para mostrar quão cosmopolita ele supostamente é, em certo ponto do jogo diz “shalom” a Makoto e Yuka. Apesar do áudio claramente mostrar o que ele está dizendo (e da frase ser conhecida no Ocidente), a Mages removeu a saudação hebraica e a trocou por uma em inglês. Essa decisão completamente nonsense acabou por remover parte da caracterização do personagem, sem nenhum bom motivo.Para finalizar a rodada de decisões questionáveis ao redor do remaster, Never 7 — com o espaço no meio — nem sequer cogita a ideia de um sistema que facilitasse a vida do jogador à caça de novos finais. É compreensível que os lançamentos originais, em todo seu design datado, não dispusessem de nada do tipo, mas, em pleno 2025, uma visual novel sem uma seleção de cena ou flowchart que seja é de matar. Tanta falta de cuidado com um título tão histórico é triste de ver.
A nota também nunca será mais do que 7
Never 7 - The End of Infinity é uma leitura complicada e desconfortável que só vale a pena para quem gosta muito de visual novels (ou do trabalho de Kotaro Uchikoshi) e tem interesse na história do gênero: há coisas boas no final da terrivelmente cansativa linha, mas até lá, é necessária uma paciência de Jó. O trabalho malfeito de remasterização e localização da Mages também não faz muitos favores ao material, que já é fraco em vários pontos para começo de conversa. Com certeza não é algo para se jogar sozinho — você vai morrer de tédio.Prós
- Artefato histórico para fãs de visual novels;
- Narrativa faz pensar e provoca debate sobre seu conteúdo;
- Ilustrações charmosas e bons designs de personagem.
Contras
- Escrita tediosa e datada;
- Alguns pontos do enredo podem ofender audiências modernas;
- Problemas com a IA utilizada para atualizar os visuais;
- Localização de baixa qualidade, com diversos erros de digitação;
- Falta de certos ajustes de QoL importantes.
Never 7 - The End of Infinity - PC/PS4/Switch - Nota final: 3.0
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Spike Chunsoft