Um gênero que eu adoraria que tivesse mais carinho no cenário atual é o hero shooter, uma variação dos FPS, caracterizada por personagens com habilidades distintas, em vez de focar apenas nas armas. Popularizado por Team Fortress 2, o estilo influenciou jogos como Overwatch e Paladins, mas começou a receber má fama com o tempo, muito por conta das decisões controversas da Blizzard, antiga líder do gênero.
Apesar de ter existido tentativas de revitalizar o gênero, como o desastroso Concord (saudades, inclusive), a NetEase resolveu se arriscar em um “gênero morto” com Marvel Rivals. Juntando diversos heróis e vilões da Casa das Ideias, o que parecia uma premissa complicada resultou em um dos maiores sucessos dos últimos tempos.
Botando o multiverso para brigar
A premissa de Marvel Rivals é simples: Galacta, filha de Galactus, decidiu reunir personagens de diferentes multiversos da Marvel para batalharem em times. A estrutura geral do jogo gira em torno de confrontos 6v6 em mapas com objetivos variados, como capturar pontos ou escoltar (ou impedir) uma carga.
Como esperado de um hero shooter, cada personagem pertence a uma classe com uma função específica. Os focados em causar dano são chamados de duelistas, os curandeiros são os estrategistas, e a linha de frente compõe a vanguarda. Apesar dessa divisão, o elenco é extremamente diverso, e suas habilidades raramente se assemelham entre os personagens — ao menos entre duelistas e vanguardas.
Por exemplo, entre os duelistas, há personagens voltados para combate à distância, como Justiceiro e Hela, que usam armas e projéteis, e lutadores corpo a corpo, como Punho de Ferro e Psylocke, ideais para surpreender a retaguarda inimiga.
Minha principal reclamação fica por conta dos suportes, já que a maioria das ultimates se resume a diferentes formas de curar todos os aliados em área. Exemplos disso são Mantis, que concede um escudo extra além da barra de vida, e Luna Snow, que pode escolher entre cura ou aumento da velocidade de movimento.
Outro aspecto que pode assustar os novatos é a quantidade de habilidades por personagem. Alguns, como o Homem-Aranha, possuem ataques que aplicam múltiplos efeitos, exigindo atenção aos combos para maximizar a eficiência. Ainda assim, a variedade é um dos pontos altos de Marvel Rivals, tornando fácil a tarefa de encontrar um herói que se encaixe em seu estilo de jogo.
Porém, uma questão de debates polêmicos na comunidade é a ausência de fila por função. Não há limite para a quantidade de cada classe no time e, embora isso proporcione mais liberdade para os jogadores, muitas vezes as pessoas simplesmente ignoram a necessidade de um tanque ou curandeiro para escolher mais um DPS.
O elenco de duelistas é um prato cheio para os fominhas de KDA. |
Diversas vezes pensei em jogar de tanque, apenas para perceber que todo o time já havia escolhido duelistas — vale destacar que essa é a classe com mais personagens no jogo e, consequentemente, a mais disputada. Nessas ocasiões, fui forçado a mudar para estrategista para tentar dar algum suporte ao time. Até no competitivo isso aconteceu, e espero que, em ranques mais altos, essa situação se torne menos comum.
Um dos fatores que incentivam uma composição mais estratégica é a mecânica de colaboração. Certos heróis podem conceder ou receber benefícios quando estão no time com aliados específicos. Por exemplo, Venom pode fornecer simbiontes para Peni e Homem-Aranha, enquanto Adam Warlock permite que os Guardiões tenham a chance de ressuscitar.
Eu já vi esse layout antes…
Cenários chamativos e bem construídos são essenciais para qualquer shooter, e Marvel Rivals fica em um meio-termo entre interessante e genérico. Todos os mapas fazem referência a locais icônicos do universo Marvel, como Wakanda, Klyntar e uma fusão entre Yggdrasil e Asgard. Visualmente, são bonitos, mas carecem da atenção aos detalhes que Overwatch, por exemplo, executa com maestria.
Dentre eles, Klyntar foi o único que me causou confusão ao entender sua estrutura, especialmente quando joguei na defesa. Algumas passagens levam a becos sem saída, forçando o jogador a dar uma volta considerável para retomar o caminho correto, o que pode custar um tempo precioso.
Um dos elementos mais divulgados no período promocional foi a destruição parcial dos cenários. Embora não chegue perto do nível de complexidade de um Battlefield, os mapas possuem estruturas destrutíveis que podem abrir passagens ou criar plataformas em pontos estratégicos. Não é algo que altera drasticamente o design das arenas, mas adiciona um toque de power fantasy, reforçando a sensação de estar em um verdadeiro embate de quadrinhos.
Vale mencionar também as influências claras de Overwatch no design dos mapas. Além de similaridades estruturais, seria interessante se a NetEase diversificasse os modos de jogo, ao invés de seguir a fórmula tradicional de captura de pontos já consagrada pelos concorrentes.
A rotatividade de mapas também poderia ser aprimorada. Em algumas sessões, caí no mesmo cenário três vezes em um total de cinco partidas, apenas alternando o lado de início em duas delas. No momento da publicação deste texto, há nove mapas disponíveis no modo principal, e espero que novos sejam adicionados regularmente ao longo da vida útil do jogo.
Skins com preço de grife
Marvel Rivals é gratuito para jogar, o que naturalmente levanta questionamentos sobre seu modelo de monetização. Elogios devem ser dados: todos os personagens — tanto os 30 iniciais quanto os futuros — são desbloqueados desde o início, permitindo que novos jogadores experimentem cada herói sem restrições.
As compras dentro do jogo são voltadas exclusivamente para itens cosméticos, principalmente skins. No entanto, os preços são relativamente altos dentro do sistema monetário adotado. Por exemplo, uma skin que custa 2200 unidades (a moeda do jogo) equivale a aproximadamente R$98. Felizmente, algumas podem ter seu custo reduzido ao completar missões e acumular a moeda gratuitamente.
Felizmente não é raro haver promoções rotativas das skins. |
Já o passe de batalha tem um preço inicial de cerca de R$49 na versão básica, e parte desse valor pode ser recuperada em futuras temporadas, como ocorre em Fortnite. Um diferencial interessante de Marvel Rivals — e algo que ainda não vi em outros jogos com mecânicas similares — é que não há limite de tempo para concluir missões, mesmo após o fim da temporada. Isso torna a progressão menos punitiva e mais acessível para quem não pode jogar regularmente.
No quesito qualidade, as skins impressionam, combinando bem com os visuais únicos que os personagens já apresentam em suas versões padrão. E, por se tratar de um jogo baseado em quadrinhos, é seguro esperar um bom número de visuais inspirados em arcos clássicos da editora, além dos já presentes trajes vindos do Universo Cinematográfico da Marvel.
Bonito e problemático
Além do peso do nome Marvel, um dos aspectos que mais chamou a minha atenção para Marvel Rivals foi seu estilo artístico. O jogo não mede esforços para ser estiloso e transmitir a sensação de um quadrinho interativo, adotando um belíssimo cel shading combinado com efeitos visuais 2D, como fumaça e rastros de ataques.
O lado negativo para a jogabilidade é que o excesso de efeitos acontecendo simultaneamente na tela é tanta, que pode causar uma certa confusão inicial, tornando necessário um tempo de adaptação até que a “linguagem visual” do jogo se torne mais clara.
A interface também segue essa estética vibrante, com animações chamativas em quase todas as telas, seja ao selecionar heróis ou abrir um novo menu. A organização dos ícones lembra bastante títulos mobile — e faz sentido, considerando as origens da NetEase nesse mercado —, mas sem o excesso de informação que poderia torná-la poluída. O problema fica por conta da navegação via controle, pois utiliza um cursor virtual para acessar certas opções, tornando o processo menos prático.
No quesito técnico, Marvel Rivals utiliza a Unreal Engine 5, garantindo belos efeitos de iluminação e sombras. Porém, a fama de ser um motor pesado se mantém, e a otimização feita pela NetEase deixa a desejar. Como resultado, o jogo exige máquinas potentes para rodar com estabildiade.
Mesmo em configurações mais modestas, Marvel Rivals apresenta travamentos frequentes, chegando a fechar abruptamente sem explicação. Nas primeiras semanas, tive tanta dificuldade com crashes que, muitas vezes, bastava andar um pouco fora da base para o jogo encerrar sozinho. Aos poucos, fui ajustando as configurações e pesquisando soluções, e hoje esse problema acontece com menos frequência.
Uma dica importante: jogue em um SSD. Testei Marvel Rivals em uma outra máquina com HDD, e os tempos de carregamento são absurdamente longos, a ponto de travar nos 99% de progresso. É estranho ver um free-to-play com requisitos tão pesados, já que esse tipo de jogo normalmente busca alcançar um público amplo.
No aspecto sonoro, a trilha cumpre seu papel como um bom acompanhamento, sem se destacar muito. As dublagens em inglês e japonês são excelentes, com direito a interações entre personagens, como era de se esperar. Já os efeitos sonoros poderiam ser mais impactantes, algo que tem sido um ponto de debate entre jogadores que não sentiram um feedback satisfatório nos combates.
Por fim, uma dublagem em português seria muito bem-vinda, considerando o excelente trabalho feito em Overwatch e a popularidade da Marvel no Brasil. Nada impede a adição disso futuramente, mas, pelo menos, os textos já estão localizados para o nosso idioma.
Heróis como Homem de Ferro e Tempestade estão sempre voando, como deve ser! |
Um competidor de peso
Com quase dois meses desde o lançamento, já ficou claro que Marvel Rivals não é apenas um sucesso passageiro. O jogo tem mantido picos diários de mais de 300 mil jogadores só no Steam, um número impressionante para o gênero. Acredito que esse volume poderia ser ainda maior caso a otimização fosse melhor trabalhada, e resta ver se a NetEase dará a devida atenção a isso no futuro.
Por enquanto, o que temos é um hero shooter de qualidade, destacando-se e se firmando como um forte competidor no mercado de jogos como serviço.
Prós:
- Belíssimo estilo artístico, especialmente por se inspirar no traço de quadrinhos;
- Boa seleção de heróis e vilões, com figuras famosas e menos conhecidas;
- Jogabilidade divertida e simples de pegar e jogar sem compromisso;
- Personagens com diversos recursos distintos em seus kits de habilidade, tornando cada um bem único;
- Bom sistema de passe de batalha, que não apresenta prazo limite de conclusão das missões para conseguir as recompensas;
- Crossplay entre todas as plataformas.
Contras:
- As skins são um tanto caras demais;
- Pode ser difícil se acostumar com o caos dos efeitos visuais à primeira vista;
- Péssima otimização no PC, com crashes constantes e exigência alta de hardware para um título gratuito;
- Falta de impacto sonoro pode dar uma impressão estranha durante os embates;
- A ausência de filas por funções pode deixar algumas partidas bem complicadas por falta de boa composição de time.
Marvel Rivals — PC/PS5/XSX — Nota: 8.0Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Heloísa D’Assumpção Ballaminut
Análise produzida com cópia digital da edição free-to-play