Análise: Like a Dragon: Pirate Yakuza in Hawaii traz um manso Cão Louco em sua própria aventura solo

Nova aventura da série Yakuza brinca com as possibilidades da marca e coloca a máfia japonesa em rota de colisão com atividades de pirataria clássica.

em 18/02/2025


Goro Majima, o Cão Louco de Shimano, aparece sentado em uma espécie de trono enquanto olha para a câmera e começa a contar uma história a respeito de como ele perdeu a memória em uma viagem ao Havaí e se tornou o líder de uma companhia de piratas na região. É essa a primeira impressão que o jogador tem ao começar a campanha de Like a Dragon: Pirate Yakuza in Hawaii, a aventura solo de Goro Majima cuja ideia já vinha sendo cozinhada pelo Ryu Ga Gotoku desde pelo menos Yakuza Dead Souls, mas que finalmente saiu do papel em uma das maneiras mais malucas possíveis.

D-E-S-A-S-T-R-E em pleno Havaí

A viagem de Ichiban Kasuga ao Hawaii em Like a Dragon: Infinite Wealth descambou na derrocada de uma organização chamada Palekana, cujas atividades religiosas serviam como fachada para ocultar um esquema de tráfico de lixo tóxico para uma ilha particular nas proximidades do Havaí.




Uma vez que a operação foi desmontada, a nova administração da organização encontrou nos ex-yakuzas uma força de trabalho que ajudaria a arrumar a bagunça, sendo Goro Majima um desses nomes que aparentemente estava a caminho do local, mas que circunstâncias misteriosas o fizeram naufragar e despertar sem qualquer memória em um lugar chamado Ilha Rich, onde teve a vida salva por um garoto chamado Noah, que nunca havia saído de lá.

Por causa do destino, ele compra briga com uma gangue de piratas e acaba ganhando, o que também significa se apossar do navio deles, agora renomeado de Goromaru. Daí surge o Capitão Majima, que, como uma forma de agradecer a Noah por salvá-lo, decide assumir essa persona pirata e aproveitá-la para velejar por aí e mostrar o mundo ao garoto.




Nisso, ele não está sozinho, uma vez que também se alia a Jason, o pai do garoto, e Masaru, o cozinheiro do navio que fica por lá mesmo ao declarar sua lealdade ao novo capitão. Nesse processo, ele descobre a existência de um outro lugar chamado Madlantis, um paraíso de foras da lei ao melhor estilo Ilha Tortuga e que tem como principal atividade a promoção de uma liga de combate náutico em uma espécie de coliseu montado no lugar, nascido de um cemitério antigo de navios.

A alta cúpula do lugar, contudo, está atrás de um tesouro chamado Esperanza, uma descoberta que aparentemente também envolve os remanescentes da Palekana. Como o bom pirata que se tornou, Majima então decide que não poderia deixar um tesouro desses para trás e se mete no meio de toda essa conspiração.




Suas memórias? Elas aparentemente não são prioridade, já que o sujeito realmente parece estar gostando de velejar por aí com Noah, com quem ele desenvolveu uma relação muito curiosa de amizade e lealdade. Amnésico, é importante também ressaltar que sua personalidade original abranda muito nesse processo, algo que, convenhamos, se mostra algo relativamente necessário no intuito de fazê-lo um pouco mais razoável em seu trato com outras pessoas, bem como traz também alguns motivos para tornar crível uma dissecação da psique do personagem sem que ele, como o cachorro que é, mordesse de volta qualquer um que tentasse.

Como constatado, uma parte dessa história parte de uma narração em primeira pessoa do próprio Majima, que começa a contar sua epopeia diretamente para o jogador enquanto senta em uma espécie de trono, fazendo comentários paralelos a respeito desses acontecimentos e dando a entender que ele está gravando uma espécie de documentário.




Essa ideia, por si só, se mostra brilhante por se tratar de uma abordagem diferenciada na série e, especificamente, como algo especial e próprio para o personagem. O problema é que, depois da introdução, a abordagem fica sumida e parece que o recurso ficou subutilizado perto do potencial que ele poderia oferecer graças a uma espécie de narrador em primeira pessoa que, por via de regra, nem sempre é confiável por conta da parcialidade do ponto de vista em relação à história e aos acontecimentos que está contando.

Como o bom Like a Dragon que é, Pirate Yakuza in Hawaii traz uma história cheia de reviravoltas e correlações entre os personagens que é sempre muito conveniente, como a relação que a família de Noah tem com a alta cúpula de Madlantis, um triunvirato composto pela líder Rainha Michelle, uma ricaça excêntrica que assumiu o lugar após a derrocada de Bryce, o líder da Palekana e que também foi o responsável por fundar o antro de bandidos que é aquele lugar; Mortimer, um antigo campeão do Coliseu; e Raymond Law, o rei pirata responsável pela contabilidade e que os entusiastas por luta livre o reconhecerão por ser interpretado por Samoa Joe.




Tendo essa última informação em mente, mostra-se pertinente uma paráfrase do icônico discurso de Scott Steiner para o lutador em questão: os números não mentem, senhor Law — e eles soletram D-E-S-A-S-T-R-E para você no Coliseu. Dizem que todos os homens foram criados iguais, mas se olharmos para o Capitão Majima e para Raymond Law, é possível perceber que essa constatação não é nem um pouco verdade.

A Ver Navios

Por basicamente ditar todo o mote do jogo, as mecânicas navais podem ocupar um tempo considerável no jogo por conta de certos desdobramentos da campanha principal. Em vez de contar com um único grande mapa, a exploração náutica se divide em vários territórios menores, com alguns pontos de interesse espalhados por eles, como os faróis que permitem fast travel; as ilhas de tesouro e os oponentes piratas da companhia dos Bandeiras do Diabo, considerados “chefões”; além dos inimigos comuns que transitam por essas águas.




A questão é que, embora esses cenários contem com essa possibilidade de viagem rápida, navegar por essas águas se mostra, por vezes, uma tarefa bastante enfadonha da linearidade que tais ambientes acabam correspondendo. O jogo inclusive sabe disso e coloca uma espécie de correnteza em direção aos principais locais de destaque e que acelera a velocidade do Goromaru, algo que denuncia outro problema: a velocidade de embarcação.

De um modo geral, o problema desse modo de navegação em mundo aberto é que ele logo se torna enfadonho pela repetição dessa atividade. As batalhas navais contra os chefes não apresentam qualquer diferença além do HP dos navios e no tamanho da frota do oponente, enquanto as incursões atrás de algum tesouro em terra firme se resumem a corredores extensos e genéricos em sua progressão. No geral, parecem estar lá só para fazer volume e inflar a duração do game — e de um jeito não muito legal, mesmo que a própria série já tenha certo retrospecto nesse tipo de atividade secundária.




As batalhas navais no coliseu de Madlantis são divertidas, mas também sofrem desse mesmo mal da repetição. Para complementar, o próprio Goromaru, que até dispõe de variações ofensivas em seu arsenal, ainda se mostra bastante limitado nessas situações, sendo que boa parte dessas opções, como o lança-chamas e o laser, não chega nem perto da utilidade do canhão de energia.

O fato de o combate naval ser simplificado em relação a outros do gênero e os navios não contarem com múltiplas barras de vida que corresponderiam a outras formas de inutilização (como HPs referentes à tripulação ou às velas, isoladamente) acaba por tirar a dinamicidade que a mecânica poderia oferecer. Nesse aspecto, considerando que esse poderia ser um dos principais diferenciais do título, especialmente dentro da série Like a Dragon, todo esse ecossistema náutico oferece uma experiência consideravelmente deficitária.



Caninos dos Sete Mares

Se Pirate Yakuza in Hawaii deixa a desejar nos combates em alto mar, é em terra firme que as pelejas brilham de verdade. Ecoando os dois estilos de luta de Kiryu de Like a Dragon Gaiden, em que cada um é uma representação de suas duas personas, Majima também tem a possibilidade de brigar em duas posturas diferentes. 

Para situações cotidianas em Honolulu, o estilo do Cão Louco se torna o padrão, reproduzindo os movimentos clássicos do ex-Yakuza, a exemplo do ataque giratório, combo aéreo e a capacidade de criar doppelgangers como golpe especial.




Em alto mar, entretanto, o estilo do lobo do mar se faz prevalente, com sua forma de Capitão tendo acesso a um arsenal por um conjunto de sabres, uma garrucha para ataques à distância e um gancho com usabilidade similar à do Scorpion, aquele do Mortal Kombat, que faz com que Majima possa puxar os oponentes ou ele mesmo se lançar em direção a eles. 

Adicionalmente, ele também pode utilizar os instrumentos amaldiçoados para invocar quatro espíritos distintos de animais (tubarão, água-viva, águia e chimpanzé) como golpes especiais e que são capazes de virar a maré diante de situações adversas.




As duas formas podem ser alternadas e funcionam muito bem em qualquer situação, ao contrário do estilo agente, de Kiryu, cujo modo era mais adequado primariamente para o controle de multidões, enquanto o estilo Yakuza era voltado para o mano a mano. Ambas as posturas de combate de Majima podem ser facilmente intercaladas.

Embora haja equilíbrio entre os estilos e isso seja um revés sanado em relação a The Man Who Erased His Name, outro problema foi herdado: o desequilíbrio de poder na reta final da campanha no caso de o jogador se preocupar em executar todas as tarefas paralelas que a ele foram disponibilizadas — o que não é pouca coisa.




Isso se deve à possibilidade de evoluir as habilidades de Majima ao custo combinado de uma quantia de dinheiro e de uma espécie de pontuação secundária referente à notoriedade do personagem como um pirata. Se todas essas atividades alternativas forem cumpridas ao longo da campanha, esses dois valores irão se acumular ao ponto de serem suficientes para desbloquear 100% das habilidades do Cão Louco de Shimano, o que desequilibra o desafio oferecido na reta final, mesmo nas dificuldades mais altas.

Para complementar, existe um sistema em que é possível equipar Majima com até dez anéis especiais capazes de fornecer não só um bônus em atributos como ataque e defesa como também outras habilidades especiais em combate e fora dele, a exemplo do que torna possível encontrar os tesouros escondidos pelos telhados de Honolulu. 



De volta à Honolulu, mas desta vez sob o (único) olho de Goro Majima

Ainda em relação às atividades paralelas, o Ryu Ga Gotoku realmente não exagerou quando comentou que, embora a história principal se desenrole de uma forma bastante sucinta, boa parte do tempo de jogo seria justamente nesse lado de exploração e de passatempo que os ambientes como Madlantis e Honolulu oferecem. A capital havaiana, inclusive, merece méritos por estar tão viva e recheada de tarefas quanto em Like a Dragon: Infinite Wealth, que é da série principal.




Mais do que isso, a maior parte dessas iniciativas não são simples execuções de copiar e colar, algo comum na indústria, mas novas interpretações delas, como é o caso do minigame de entregas do Loucão Lanches, que agora se dá em outra região do mapa e, por consequência, oferece uma experiência relativamente diferente para os já habituados. 

O mesmo vale para o Dragon Kart, que retorna de Yakuza: Like a Dragon, mas dessa vez pelas ruas de Honolulu em vez de Ijincho, e para o minigame de fotografia, cuja conclusão exclusiva deste título se assemelha mais do que nunca ao Pokémon ao levar o jogador para uma ilha especial em sua fase final.




Goro Majima, como capitão, também conta com um monte de serviço a ser feito. Além do já mencionado enredo paralelo envolvendo a gangue de piratas — e responsável por desbloquear os instrumentos amaldiçoados que invocam os espíritos animais —, é a partir dessa interface que o jogador também ganha uma lista de tesouros a serem descobertos e catalogados, e outra de foras da lei que podem ser enfrentados em troca de uma boa recompensa em dinheiro.

Dinheiro que, para um pirata, nunca é demais, ressalta-se. Além de ser necessário para compras básicas, como itens de cura, e para desbloquear as habilidades de Majima, há um número robusto de possibilidades de personalização tanto do personagem principal quanto do Goromaru que pode ser compradas nas lojas, além de adquiridas com as pontuações dos minijogos como o Loucão Lanches, shogi, etc. Em tal aspecto, há uma escalonada estranhamente condizente com o capital absurdo que o jogador pode acumular, uma vez que ele também precisará gastá-lo de forma equilibrada.




Em suma, Honolulu é o mesmo lugar que visitamos com Ichiban e sua trupe, mas a experiência oferecida é completamente distinta por se tratar agora de um local que será explorado sob o ponto de vista caolho de Goro Majima. Isso significa que há novas possibilidades de exploração, especialmente por conta do gancho retrátil, que então permite a coleta de recursos normalmente inalcançáveis e o acesso a certos lugares anteriormente inacessíveis, como os telhados de algumas construções, onde certos tesouros podem estar escondidos. 

Está na cara que a temática pirata só surgiu por causa do tapa-olho

Like a Dragon: Pirate Yakuza in Hawaii é uma experiência bizarramente única. Sabendo lidar com boa parte das principais colocações dos jogadores em relação ao Gaiden anterior, o Ryu Ga Gotoku fez um excelente serviço ao cunhar uma aventura cheia de alma para aquele que certamente é um dos personagens mais apreciados pela comunidade de fãs.




Não só isso, a desenvolvedora conseguiu pegar uma proposta relativamente maluca e executá-la com os pés no chão de uma forma admirável, sem errar a mão no tom ou justificar o conceito trazido à mesa apenas como “é legal”. Todos os elementos foram excelentemente contextualizados e servem, mais uma vez, para consolidar o estúdio da SEGA como uma marca em que se pode confiar no que diz respeito a oferecer um produto de excelência (tanto para fãs quanto para novatos), o que, por consequência, a categoriza como um dos principais nomes no mercado de jogos.

Prós

  • Inclusão de uma temática pirata na série pareceu completamente orgânica, dada a peculiaridade da ideia;
  • Ambas as formas de combate de Majima são um deleite de serem utilizadas;
  • Reciclagem de atividades secundárias promovida com muita competência e frescor;
  • Enredo mais sucinto em relação aos da série principal, mas sem dever em absolutamente nada no quesito qualidade;
  • Variedade invejável de personalização estética tanto para Majima quanto para o navio Goromaru.

Contras

  • Narração em primeira pessoa é uma ideia ótima que pareceu subutilizada pela maior parte da trama;
  • Quase todo o ecossistema de mecânicas náuticas é bem chato e limitado perto do que outros jogos do gênero já produziram;
  • Por vezes, o progresso da campanha se mostra inchado e um pouco repetitivo;
  • Desafio da campanha principal é minimizado quando se depara com um jogador que se preocupa em completar cada uma das atividades secundárias.
Like a Dragon: Pirate Yakuza in Hawaii — PC/XBO/XSX/PS4/PS5 — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: PlayStation 5
Revisão: Beatriz Castro
Análise produzida com cópia digital cedida pela Sega

Nota do Autor: analisar o jogo do Majima foi uma experiência um pouco diferente para mim por conta de uma ironia peculiar e triste. Às vésperas do lançamento de Pirate Yakuza in Hawaii, a minha gata, chamada Majima justamente por causa do personagem, se encontra em uma situação bem delicada de saúde. Essa foto ao lado eu tirei logo quando comecei a jogar a cópia antecipada, um pouco antes da saúde dela declinar. Eu só queria aproveitar o espaço e pedir forças para a minha própria Gatinha Doida de Shimano. 
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João Pedro Boaventura
É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
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