Happy Hour nem tão happy assim
Quando a gente fala de obras de vampiros, há normalmente duas abordagens a serem trabalhadas. A primeira é em um contexto mais clássico e gótico, como em Castlevania. A segunda é a que coloca essas entidades em um contexto mais atualizado, uma ideia que conseguiu se consolidar com obras como Vampiro: A Máscara. Nelas, as criaturas da noite precisam se adaptar à modernidade e, dentro dos novos sistemas sociais, adequar seus hábitos arcaicos e predatórios em prol da sobrevivência da própria espécie.
Assim, considerando os hábitos dos vampiros, uma das formas que elas encontraram para tal objetivo foi justamente a de se misturar na vida noturna dos próprios humanos. Ou seja, abrir um bar seria uma excelente ideia, uma vez que se trata de um lugar reservado, ninguém estranharia um gerente que só aparece durante a noite e ainda significaria um fluxo constante de clientes, muitos deles já alterados pelo álcool, tornando-os presas fáceis e menos propensas a lembrar de detalhes estranhos.
A premissa de Blood Bar Tycoon é exatamente essa. Não é exatamente nova para o tema — só pensar em Blade, Um Drink Para O Inferno, O Que Fazemos nas Sombras, Buffy e outras obras do audiovisual —, mas ainda é suficientemente fresca para o gênero de simulação. A questão é que parece que, na prática, o jogo dificilmente alcança seu potencial.
Certo, logo de cara ele não difere nem um pouco do tradicional, especialmente considerando outros simuladores de negócios, com as expansões dos vários The Sims incluídas. Começando com um boteco de quinta categoria, é dever do jogador expandir os negócios ao reformar o local, atrair clientes, fazer o estabelecimento se tornar conhecido a fim de trazer mais clientes — tudo isso enquanto gerencia as finanças e outros funcionários.
Antes de desbloquear o modo sandbox, que normalmente é o prato principal para o estilo, o jogador precisa passar por alguns cenários específicos a fim de aprender as principais mecânicas e ficar inteirado do contexto geral do jogo, nada diferente de um Tropico ou da série Two Point. É a partir daí que entendemos suas peculiaridades e como o ciclo de jogabilidade gira em torno de duas operações: a de fachada, que é utilizada para atrair clientes humanos; e a do submundo, que é a parte do estabelecimento que atende outros vampiros.
Assim, é como se fosse necessário gerenciar dois bares ao mesmo tempo, sendo que o primeiro diz respeito a atividades normais de um boteco, como aquisição de bebidas de um fornecedor, manutenção do estoque, organização das mesas, manter a limpeza, etc; enquanto o segundo já se utiliza de uma espécie de cativeiro em que o sangue de humanos capturados será processado de várias formas, o que pode render drinques diferentes para a outra clientela, a de vampiros.
Embora possa parecer uma dinâmica complicada, na verdade, ela é fácil e simples ao ponto de se tornar monótona quando está em pleno funcionamento. Essa condicional se dá porque das duas, uma: ou tudo funciona automaticamente bem a ponto de não exigir qualquer papel ativo do jogador — vira basicamente um idle clicker —, ou as IAs dos funcionários e dos clientes simplesmente travam a ponto de ninguém fazer nada por conta própria, mesmo quando devidamente configurados para atuar de forma autônoma. Há momentos em que elas simplesmente desligam, sendo necessário reiniciar o save para reativá-las forçadamente.
Uma verdadeira fonte de renda passiva
Ao falarmos de jogos de estratégia e de gerenciamento, esse momento em que tudo acontece por conta própria é natural, mas normalmente se dá ao final de uma jogatina de sucesso, depois que não existe praticamente mais nada a ser feito no mapa. Aqui, esse status infelizmente é alcançado de uma maneira muito rápida, o que torna Blood Bar Tycoon uma experiência consideravelmente monótona.
Para complementar, muitas das missões do modo campanha são bastante simples e acabam levando muito tempo para serem cumpridas dentro dessas condições. O jogo não é de ação em seu significado mais pueril, mas qualquer game precisa de ação — no sentido de movimento, exigir uma atividade a fim de alcançar algum resultado — como uma forma de justificar a experiência que oferece.
Mesmo os idle clickers exigem a compra de certos power-ups em determinados momentos a fim de otimizar ainda mais os números subindo em tela. Isso é possível em Blood Bar Tycoon, mas não é estritamente necessário. Em mais de uma ocasião, eu simplesmente configurei meu bar e deixei ele em funcionamento sem precisar de qualquer outra interferência posterior enquanto via as missões sendo concluídas praticamente sozinhas, passivamente.
Infelizmente, não há desafio algum aqui. Não há resoluções de problemas e não há sentimento de recompensa por um trabalho bem-sucedido. As mecânicas de gerenciamento ou inexistem, ou se mostram superficiais. Além disso, há desequilíbrio, uma vez que o bar se recupera muito facilmente de problemas financeiros, já que o fluxo de clientes é contínuo.
O único obstáculo que realmente está lá e pode se mostrar um raro impeditivo para o jogador é quando o medidor de vigilância aumenta, o que significa que suas operações não estão muito bem escondidas à vista do público. Um valor muito alto significa que o bar logo será alvo de uma operação de caçadores de vampiros, acarretando na erradicação do quadro de funcionários e na destruição de boa parte do patrimônio.
Esse valor pode cair naturalmente com o tempo ou pode ser artificialmente reduzido diante de um pagamento, algo que nunca é realmente um problema, já que, como constatado, as finanças são desreguladas ao ponto de fazer com que tal taxa se mostre praticamente irrisória diante da arrecadação média de qualquer bar minimamente organizado.
Entre quatro paredes (impreterivelmente)
É de uma ironia muito grande que Blood Bar Tycoon seja um jogo que praticamente se jogue sozinho ao mesmo tempo em que uma parcela considerável de seus sistemas se mostre consideravelmente disfuncional em sua escassa usabilidade. O sistema de construção é provavelmente um dos piores já feitos. O que é o básico para o gênero? Você simplesmente constrói as paredes e, uma vez que elas criem um ambiente fechado, o jogo passa a entendê-lo como uma sala. Normal, simples, direto, intuitivo e objetivo.
O que Blood Bar Tycoon faz? A criação é sempre a sala toda, sendo possível manejar apenas as dimensões do espaço a ser construído. Não é possível reorganizá-las, não é possível criar duas salas a partir de um único espaço com um único comando de subir uma parede lá. É sempre um processo horroroso de construção e demolição.
Para complementar, a interface é confusa, com ícones que supostamente deveriam ser intuitivos e autoexplicativos, mas não são. A configuração dos botões também não faz sentido, não segue o básico e parece que quiseram tanto se desvencilhar do padrão para o gênero de gerenciamento e simulação que o time de produção tentou inventar moda e acabou fracassando nessa empreitada basicamente por ser pouco intuitivo.
Esteticamente, ele até tem uma direção de arte competente, mas também apresenta dificuldades em fazê-la brilhar de verdade por conta de uma aplicação bastante genérica do estilo. Por exemplo: a diferença entre um cliente vampiro e um cliente humano poderia ser visualmente mais evidente, mas essa é uma informação da qual você só terá certeza se clicar nele e verificar na sua respectiva janela de informações.
Tais janelas, inclusive, em vez de ficar abertas para eventual necessidade de conferência, se fecham assim que outras são abertas, algo bastante contraprodutivo em um jogo de gerenciamento. Isso se torna bastante chato na hora de chefiar os funcionários, uma vez que eles precisam ser clicados para que suas respectivas janelas abram e, então, tornar possível a delegação de funções. Repetir o mesmo itinerário para outros funcionários? É possível, mas manualmente e na base da memória, já que a janela de um vai fechar assim que tentarmos abrir outra, já que não dá para deixar a cola do lado.
O sistema de avisos também é quase inexistente. Lembra a questão dos ícones autoexplicativos? Então, as várias notificações apenas figuram no canto da tela, como os momentos de frenesi em que os clientes humanos veem algo que não deveriam, fugas de cativos, invasões dos caçadores, estoque em baixa, etc. Uma hora, a gente decora o significado de cada ícone, mas tais informações deveriam ser entregues de uma maneira mais incisiva.
Por fim, retomando um pouco a problemática do sistema de construção, é importante notar que é possível personalizar o bar a um nível estético, com vários estilos temáticos distintos. Entretanto, a navegação dos itens é bastante ruim e o sistema bem que poderia contar com uma mecânica para sobrescrever todos os móveis correspondentes de determinado tema a outro; afinal, vários deles, como bancadas, mesas e cadeiras, são elementos comuns para todos.
Essa questão da personalização seria incrível e poderia ao menos instigar aquela parcela de jogadores que gostaria de construir o bar mais diferenciado e bonito possível, mas o sistema de grade no chão não é dos melhores, sendo o posicionamento da mobília um pouco desregulado, além do fato de que, considerando que o funcionamento do bar se dá praticamente de forma passiva e pouco importa o tipo de cliente na maioria das situações, não existe um motivo real para se preocupar com a aparência do local.
Em um panorama geral, Blood Bar Tycoon é um jogo com ideias bacanas e começa até que bem, até você perceber que aquele começo do game corresponde a basicamente ele todo. Não há progressão, não há evolução real de jogabilidade, não há desafio algum. A diversidade basicamente se resume aos cenários de cada estágio da campanha, mas as missões são tão repetitivas que é basicamente como se estivéssemos jogando o mesmo nível de novo e de novo. Até mesmo a própria atmosfera vampírica fica subutilizada.
Abriu a casa antes da hora
É necessária certa dose de criatividade para fazer com que seu simulador de gerenciamento se destaque na multidão de um gênero tão baleado ao longo dos anos. Blood Bar Tycoon até chega lá nesse aspecto conceitual, mas prova que só uma ideia bacana não basta.
Faltou uma execução mais sólida da proposta, que tem dificuldades para se desenvolver em meio a tantos problemas técnicos e de decisões criativas, especialmente em relação ao sistema de construção e à inteligência artificial de todas as entidades dentro do game, dos funcionários aos clientes, além do claro desequilíbrio no que diz respeito à questão das finanças.
Ele tem potencial e espaço para melhorias, algo que os desenvolvedores, por enquanto, estão comprometidos a colocar em prática, mas fica um pouco difícil considerá-lo positivamente no estado atual, já que todas as suas ideias boas acabaram sendo executadas precariamente. A falta que faz um acesso antecipado antes do lançamento definitivo, hein?
Prós
- Conta com uma premissa suficientemente sólida e criativa em um gênero relativamente saturado e óbvio;
- A direção de arte é competente, mesmo que careça de uma atmosfera mais vampírica e conte com uma aplicação meio genérica.
Contras
- Muitas mecânicas funcionam de forma automática, exigindo pouca interação do jogador, o que acarreta na mais completa ausência de desafio;
- IAs tanto dos funcionários e clientes se apresentam de forma um pouco problemática, constantemente travando durante os expedientes;
- Construir e modificar salas é um processo engessado e frustrante;
- Interface pouco intuitiva, desnecessariamente minimalista e carente de praticidade;
- Ciclo básico de jogabilidade limitado, pouco diverso e intensivamente repetitivo.
Blood Bar Tycoon — PC — Nota: 4.5
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Clever Trickster Productions