Análise: Mika and the Witch’s Mountain: faça entregas voando de vassoura em uma adorável aventura

Uma carismática e despretensiosa fábula sobre o sentido do trabalho, o jogo da bruxinha entregadora é um tempo para relaxar.

em 23/01/2025

Por sua premissa, Mika and the Witch’s Mountain chamou minha atenção à primeira vista: é um jogo inspirado no filme de animação O Serviço de Entregas de Kiki, do estúdio Ghibli. O ponto de partida é o mesmo: uma jovem bruxa deixa sua casa e se estabelece em uma cidade para continuar seu treinamento como aprendiz de feiticeira. Lá, ela passa a trabalhar como entregadora, usando as vantagens conferidas por sua capacidade de voar em uma vassoura.

Considerando como as fetch quests, isto é, missões de buscar e entregar itens, são um recurso comum em videogames, a ideia do filme parece encaixar facilmente nessa mídia, não fosse um certo porém: não é exatamente incomum que fetch quests sejam usadas como um recurso simplório, repetitivo e entediante. Será isso um obstáculo para o encantamento da pequena Mika e sua profissão recém-abraçada? Minha resposta é que não, esse não é um problema no jogo.

Vejamos adiante como Mika and the Witch’s Mountain acerta na execução de seu propósito.



A bruxa não vai para a fogueira neste jogo

É bom destacar que a aventura da bruxinha é obra da Chibig, desenvolvedora espanhola que cria jogos de diferentes gêneros em um mesmo universo colorido, lúdico e com cara de desenho animado. Assim como no último jogo da equipe, Koa and the Five Pirates of Mara, eles contrataram um estúdio conterrâneo para o trabalho, desta vez a dupla de devs da Nukefist.

Quem jogou algum título anterior da Chibig vai se deparar com algumas aparições de caras conhecidas, mas não há qualquer necessidade de conhecimento prévio do material. Basta pegar sua vassoura e começar a trabalhar na Ilha do Vento!




O local é um pequeno mundo aberto, com boa parte da área disponível desde o início e o resto sendo parte da evolução gradual das capacidades voadoras da protagonista. Acontece que a vassoura só consegue subir até uma baixa elevação a partir do chão, mas Mika irá adquirir novos modelos, que alcançam maiores velocidades e alturas. Assim, não considere que o voo será livre: é preciso aproveitar as correntes de vento que dão nome à ilha para ganhar mais altitude e explorar mais regiões.

Há algumas dezenas de colecionáveis para encontrar e trocar por cosméticos, como roupas e amuletos, mas o grande foco da gameplay está realmente na dinâmica de busca e entrega. Alguns fatores são cruciais para que uma fetch quests seja boa. Um é o caminho percorrido, enquanto o outro é o significado dela.



Continue a voar, continue a voar

No primeiro ponto, Mika and the Witch’s Mountain oferece uma boa ilha para voarmos. Há uma montanha no meio dela, então, na maior parte do tempo, seguiremos circundando o terreno, traçando caminhos que logo se tornarão conhecidos.

O desafio envolvido é bem baixo, mas a intenção não parece ser oferecer obstáculos práticos, e sim a leveza do voo relaxante e observador. Os pacotes até têm pontos de vida e não podemos sair esbarrando em tudo a cada esquina nem deixá-los cair na água, mas consegui chegar ao final sem destruir nenhum deles, de forma que essa mecânica de preservação serve mais como um alerta para voarmos com cuidado do que um empenho em tornar as coisas mais difíceis.



O voo em si é gostoso de controlar e suas limitações contribuem para isso, levando-nos a ter que aproveitar o terreno para avançar em nossos objetivos. À medida que descobrimos alguns segredos, ativamos correntes de ar que tornam o voo mais dinâmico, fluido e, por consequência, mais fácil.

Há uma certa satisfação em não apenas ver Mika progredir de uma vassoura remendada para outra mais eficiente, mas em realmente sentir que nosso manejo está mais prático e que o ganho de velocidade faz as distâncias da ilha parecerem menores do que eram no começo, o que certamente ajuda a reduzir o impacto da inevitável repetição dos trajetos.



Enfeitiçando a ilha e sendo enfeitiçada por ela

O segundo fator em que Mika and the Witch’s Mountain acerta para fazer suas missões de entrega valerem a pena é o significado que elas carregam como parte de uma história e de um contexto maior.

A história é simples, mas contada com bastante empenho nos diálogos para delinear os habitantes da ilha, suas personalidades, motivações e também a forma com que lidam com a bruxinha.

Destaco o ótimo trabalho com as ilustrações das conversas, sempre bonitas e com várias poses diferentes para adicionar um dinamismo muito bem-vindo, dando tons de fala ao texto. Além disso, o começo e o fim são marcados por belas cenas em animação tradicional para entrar no clima de “jogo inspirado no Ghibli”.


As missões de entrega, mesmo quando carecem de desafio, recebem uma boa dose de sentido narrativo caloroso e coeso. Dessa forma, encontramos, por exemplo, uma mãe preocupada com seu filho que ainda não chegou. Achamos o rapaz na estação de trem e, entregando a carta que a mãe nos confiou, descobrimos os sentimentos entre ela e o filho. O atraso é devido ao trem, que descobrimos estar parado por falta de carvão, um material que podemos obter com uma trabalhadora da mina, a qual não percebe estar em situação de exploração. E por aí vai, com uma coisa levando à outra.

Sem quadros de missões, as tarefas da bruxa formam uma cadeia de conversas simpáticas em momentos de necessidade e crescimento — em bom português brasileiro, a propósito. Assim, o que poderia ser apenas um punhado de fetch quests é, na verdade, Mika e a pessoa que joga conhecendo a população local, criando laços e influenciando em suas vidas.



Como prestadora de serviços, a bruxa tem um papel importante na comunidade, reconhecido por (quase) todos. Eles a acolhem e, em resposta, ela os acolhe de volta, desejando genuinamente contribuir para que cumpram seus destinos e se reconectem a seja lá o que for que um dia perderam.

Isso é enfatizado pela estrutura do jogo em três atos. Admito que os os dois primeiros passaram rapida e linearmente, mantendo Mika nas rédeas dos objetivos, sem muito mais para aproveitar o mundo aberto além de encontrar uns colecionáveis por aí. No terceiro, há uma mudança de tom, amplitude e progresso da campanha. É como se apenas nesta parte o jogo e a diversão começassem de verdade.



Há uma reviravolta que proporciona essa mudança de design, então creio que a diferença que faz o começo contido se tornar mais envolvente é proposital. O início traz um sistema de moedas pagas pelas entregas, mas, na verdade, isso é apenas um elemento narrativo que será descartado quando Mika passar a fazer entregas pelo valor intrínseco que vê nelas, não pela troca monetária, retirando a gamificação do trabalho.

Como uma crítica ao esvaziamento de sentido do trabalho contemporâneo, a dinâmica de fetch quests passa a ser desprovida de recompensas diretas. Não ganhamos pontos, melhorias ou dinheiro. Tudo o que encontramos é a satisfação de fazer as histórias de vida das pessoas (e a campanha) seguirem em frente e, com isso, descobrir o propósito da bruxinha em treinamento e seu lugar em meio à coletividade.



Talvez essa abordagem afetiva não se sustentasse por mais tempo, então outro ponto favorável a esse design de passeio narrativo é que o jogo é curto. Levei cinco horas para concluir a história e mais uma horinha para pegar o que faltava até enfim completar o troféu de platina no PS5.

Como Mika esteve em acesso antecipado no Steam por uns meses, já recebeu dois pacotes de conteúdo gratuito nesse meio-tempo e tem mais um prometido para as semanas seguintes ao lançamento, descrito como três dungeons para explorar o interior da montanha, o que dá a entender que adicionará variedade de gameplay em um saudável desvio das fetch quests.



Mika, aprendiz de feiticeira (e entregadora)

Mika and the Witch’s Mountain é uma despretensiosa fábula sobre o valor prático e afetivo do trabalho feito para o bem de uma comunidade. A mensagem é destilada em uma forma simples, mas eficiente por estar espalhada em cada cantinho das fetch quests e diálogos que formam a essência do jogo.

Não há desafio relevante, mas quem deseja um adorável passeio de vassoura voadora ao explorar o pequeno e agradável mundo aberto da Ilha do Vento terá algumas horas para relaxar e encontrar o propósito da bruxinha entregadora.



Prós

  • A mecânica de voo é boa de controlar e se torna gradualmente mais ágil e dinâmica;
  • A atmosfera como um todo é lúdica, adorável e relaxante;
  • A história sobre a valorização do trabalho e ser parte ativa em uma comunidade é agradável, bem apresentada e confere significado às missões de entrega;
  • As ilustrações de personagens nos diálogos são bonitas e variadas nas expressões;
  • Cenas animadas no começo e no fim dão o tom de encanto e relaxamento que o jogo almeja;
  • Boa localização em português brasileiro.

Contras

  • Ainda que provavelmente seja algo intencional, o começo da aventura tem restrições de atividades que o tornam pouco interessante;
  • O baixo desafio e complexidade podem desagradar parte do público;
  • Os modelos de personagens são inferiores ao que é retratado nas ilustrações de diálogos.
Mika and the Witch’s Mountain — PC/PS5/PS4/XSX/XBO/Switch — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: PS5

Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Chibig
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Victor Vitório
Admiro videogame como uma mídia de vasto potencial criativo, artístico e humano. Jogo com os filhos pequenos e a esposa; também adoro metroidvanias, souls e jogos que me surpreendam e cativem, uma satisfação que costumo encontrar nos indies. Veja minhas análises no OpenCritic.
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