Vamos começar pelo significado do título Gimmick! 2. A palavra “gimmick” é um pouco complexa de traduzir. O maior equivalente é “artifício”, um recurso para a realização de um truque ou mágica. Geralmente, o sentido do termo é desdenhoso, como algo que está ali superficialmente, apenas para chamar atenção.
Gimmick! 2 tem um artifício principal que chama atenção, mas ele não é meramente um truque fútil, levando a base da gameplay consigo: a estrela do youkai-herói Yumetaro.
A estrela do jogo
Toda a dinâmica de plataforma orbita em torno dos múltiplos usos baseados em física que o item carrega. Ao ser arremessada, a estrela quica no chão, uma reação cuja intensidade depende da altura da qual é jogada. São dois tipos de alvos: os inimigos e as trancas de estrelas que ativam/desativam plataformas. Yumetaro ainda pode pegar carona em cima dela para deslizar mais longe ou alcançar locais mais altos.
Parte da essência da mecânica está no fato de que a bolota verde chifruda só pode conjurar uma estrela por vez. É necessário, portanto, ter intencionalidade e algum timing para acertar criaturas perversas antes que elas o atinjam, já que o breve tempo de recarregar uma nova tentativa pode fazer a diferença entre o sucesso ou a morte.
Esse artifício se mantém como o foco da campanha e os cenários são construídos de forma a termos que usá-lo com versatilidade em puzzles, ao mesmo tempo que faz Yumetaro ter que dar seus pulos pela vida e se arriscar em arremessos certeiros.
E sim, dar pulos pela vida e se arriscar são boas formas de definir a experiência de plataforma dos sufocos pelos quais o youkai passa. Há várias sequências de plataformas estreitas que caem sobre espinhos de morte instantânea e rampas escorregadias que servem para ganhar velocidade.
É um game desafiador e requer pegar o manejo dos movimentos, o que fazemos pelo treino forçado de morrer e retornar repetidas vezes. Felizmente, os checkpoints são constantes, então os obstáculos são superados passo a passo, sem obrigar a refazer longos segmentos.
Há ainda os baús secretos para coletar, que são muito bem escondidos e oferecem motivo para rejogar as fases à procura deles. Os tesouros que guardam são apenas cosméticos que mudam a cor e o chapéu de Yumetaro, sem afetar a gameplay, mas esse tipo de conteúdo faz sentido com a proposta de fofura que marca cada detalhe da apresentação como um todo.
O clima animado, colorido e vibrante, sempre com desenhos fofos, também nos ajuda a seguir em frente, impulsionados pela beleza das músicas de David Wise, que combinam muito bem com a obra como um todo.
Nesse quesito da perseverança, há duas opções de dificuldade, escolhidas de uma maneira interessante: ao iniciar um novo jogo, uma tela mostra um botão acessível logo adiante e, acima, outro botão mais difícil de alcançar. Eles selecionam, respectivamente, a dificuldade Assisted, que confere a Yumetaro cinco pontos de vida, e a Gimmick, que concede apenas três e diminui um pouco a quantidade de plataformas de apoio, tornando a ginástica mais precisa e perigosa. Essa seleção pode ser modificada a qualquer momento.
A volta dos que não foram
Quero chamar atenção a um detalhe: o número 2 do título. Este jogo é de fato uma sequência, mas uma um tanto peculiar porque surge após mais de 30 anos anos do lançamento de seu antecessor, que foi lançado em 1992 para NES apenas no Japão e nos países da Escandinávia.
Naquele ano, o SNES já tinha um bom sucesso e não havia muito espaço para novos jogos brilharem no console mais antigo. Por isso, permaneceu como um título de nicho, pouco conhecido fora dos países em que deu as caras e, ainda por cima, criticado pela dificuldade.
À primeira vista, o estilo visual da bolota verde, inimigos, cenários e temas de sonhos fofos pode parecer ser inspirado na bolota rosa e bocuda da Nintendo, Kirby. Na verdade, ambos apenas seguiram rumos estéticos semelhantes e foram lançados no mesmo ano, mas Gimmick! tem a primazia por ter chegado três meses antes de Kirby’s Dream Land, a estreia do personagem.
Gimmick! 2 parece fazer alusão à semelhança ao colocar um cosmético de skin rosa que deixa Yumetaro a cara do colega da outra empresa — ou talvez rosa apenas seja uma cor popular e faz sentido colocá-la como opção, sem intenção de referência.
Quem conta um conto deveria aumentar um ponto
Provavelmente seria mais certo dizer que o segundo jogo se trata de um reboot, uma vez que a história é apenas uma repetição: enquanto dormia, a menina que ganhou o boneco Yumetaro é raptada e o bichinho verde vai atrás para salvá-la. Sim, é o grande clichê dos videogames, a donzela em perigo.
Assim como no primeiro jogo, a abertura mostra esse evento por meio de uma sequência de ilustrações. E pronto. Sem mais. Nos dias de hoje, creio que um jogo fofo e visualmente bonito como Gimmick! 2 se beneficiaria de colocar mais elementos narrativos.
Não me refiro necessariamente a textos ou algo elaborado, mas algo que aproveitasse a simplicidade que remete a livros ilustrados e desse sentido de progressão à campanha, com mais ilustrações nas transições entre mundos ou antes de chefes, de preferência com a participação de algum personagem a mais. Os puzzles, visuais e músicas do jogo foram modernizados, mas a fábula em si continua presa à sua origem de 30 anos atrás e perde a chance de aproveitar o carisma adorável da coisa toda para expandir o potencial de identidade da marca.
Agora, já que começamos a análise pela semântica, vamos encerrá-la da mesma forma. Vale dizer que o herói é um youkai de pelúcia e seu nome é uma conjunção de Yume (sonho, em japonês) e Taro (um sufixo comum em nomes masculinos). Algo como Zé do Sonho, portanto.
A terra dos sonhos de Yumetaro
Como um sonho vindo dos anos 1990, Gimmick! 2 tem um visual belo e animado, plataforma inteligente e desafiadora e bastante carisma, embora não se esforce em expandir a identidade da obra para além da fofura do design de Yumetaro e seus adversários. Mesmo que provoque frustração pelas várias mortes instantâneas em espinhos, a campanha simples e direta ao ponto vai agradar aos apreciadores de plataforma 2D.
Prós
- A mecânica central da estrela é útil e eficaz em diferenciar o jogo de outros semelhantes;
- O clima adorável e vibrante é muito agradável, sendo reforçado pelos visuais bonitos e as músicas cativantes;
- A dificuldade traz desafios, mas é dosada pelos checkpoints frequentes, podendo agradar a dois públicos;
- Cosméticos fofos para mudar a aparência de Yumetaro.
Contras
- Parte da ação de plataforma é um pouco escorregadia e leva a mortes e tentativas consecutivas, beirando a frustração;
- Tanta fofura pedia um pouco mais de história e personagens, mas não há nada além do antigo e básico “preciso salvar a garota raptada”.
Gimmick! 2 — PC/PS5/XSX — Nota: 7.5Versão utilizada para análise: PS5
Revisão: Vitor Tibério
Análise produzida com cópia digital cedida pela SUNSOFT/ Clear River Games