Cada um desses episódios funciona efetivamente como curtas-metragens cuja duração varia entre dez e quinze minutos, alguns deles contando com nomes bem famosos em tela, como Arnold Schwarzenegger e Keanu Reeves. Depois de uma primeira leva de oito episódios lançados no dia 10 de dezembro, a segunda chegou no último dia 17 e completou a primeira temporada da série com mais sete episódios — e você confere a nossa opinião a respeito de cada um deles a seguir.
8. The Outer Worlds — A Empresa Que Mantemos
Uma das principais percepções que eu tive durante a primeira leva de episódios do Nível Secreto é que ela tentava ser austera demais. Com exceção do curta baseado em New World — que será mencionado várias vezes a partir daqui por ter se revelado o episódio que melhor consegue corresponder tanto à proposta comercial quanto à criativa da série —, os outros pareciam fazer um esforço homérico para parecerem sérios não de um jeito convincente, mas de um jeito meio adolescente que acha que é adulto, sabe?
The Outer Worlds é mais um exemplo que consegue equilibrar muito bem os seus momentos de sobriedade e humor, fazendo suas transições sutis na hora de contar a história de Amos, um jovem que se candidatou para um trabalho insalubre de cobaia com o intuito de tentar reencontrar Felicity, uma amiga do seu passado que ele descobriu estar trabalhando na empresa em questão em um alto cargo de cientista.
O maior revés aqui é que a animação, em um nível técnico, não consegue corresponder ao altíssimo nível apresentado pela maior parte dos episódios anteriores. Ainda assim, foi um dos episódios mais interessantes de assistir por conta de uma mensagem consistente e por ter me provocado uma gargalhada sincera durante o teste do antiácido.
9. Mega Man — Iniciar
A percepção sobre o episódio referente ao Mega Man teria sido outra se não fosse um acontecimento específico de algumas semanas atrás. No caso, eu me refiro ao fato de, quando disponibilizado originalmente, o episódio do Pac-Man ter sido um dos mais interessantes e originais da antologia; sem ter essa percepção generalizada de trailer glorificado, para, não muito tempo depois, ele realmente ter se revelado como mais uma ação promocional devido ao anúncio do Shadow Labyrinth no The Game Awards.
Dito isso, eu acho difícil não especular que Mega Man: Iniciar seja também uma espécie de revelação velada de um novo jogo do herói da Capcom, cujo último lançamento realmente inédito — o que exclui as coletâneas — foi em 2018, com o décimo primeiro game da série principal. Considerando que o curta serve para ilustrar um eventual prólogo do primeiro game, a minha principal suposição é de que devem estar preparando alguma espécie de remake ou reboot do título que começou toda a franquia.
Em relação ao episódio em si, cuja duração de oito minutos é a menor de toda a antologia, ele pode ser definido como decepcionante. Ele começa com um Doutor Light completamente irredutível em mandar o Rock (aqui usaram o nome original dele) para o campo de batalha contra as máquinas dominadas pelo Dr. Wily. Entretanto, a opinião do cientista muda de um jeito estranhamente rápido após ser salvo do ataque de um Bomb Man que acabou de sucumbir ao vilão.
Essa introdução é um pouco morosa, mas as coisas logo começam a empolgar quando o robozinho começa a ser apetrechado até os dentes a fim de partir para o campo de batalha. Exato, é quando acaba: quando as coisas começam realmente a ficar bacanas. De resto, a direção de arte parece ficar um pouco fora do tom, sendo que o Doutor Light conta com uma modelagem muito melhor do que a do protagonista, que me lembrou muito o mascote da Casas Bahia (o atual). Destaque, entretanto, para a trilha sonora, composta de rearranjos de algumas melodias clássicas dos games.
10. Exodus — Odisseia
Embora haja certos momentos de diversão genuína, fica cada vez mais difícil desconsiderar o caráter claramente promocional de Nível Secreto. O episódio referente a Exodus deixa isso tudo muito claro quando se trata de um título que nem sequer lançou — ou seja, não consegue conversar nem sequer com a premissa alegada da série, que é abordar universos distintos dos games, sendo que aqui se trata de um que nem mesmo foi explorado pelos espectadores. Ou seja, é um episódio feito justamente para nos apresentar um produto cuja data de lançamento não foi anunciada ainda.
A partir daí, eu não creio que Odisseia consiga cumprir qualquer objetivo que tenha, uma vez que ele conta uma história que, embora inofensiva, ainda não consegue se destacar em qualquer aspecto que seja. Contando a jornada de um pai que cruza a galáxia em busca de sua filha, o episódio apresenta uma dificuldade notável para fazer as devidas apresentações de um universo que não conhecemos previamente, pesando demais a mão na quantidade de narração em off que temos que ouvir enquanto assistimos. Por consequência, o curta acaba fracassando também em despertar o nosso interesse no jogo em um nível que vá além da simples dúvida a respeito do que diabos se trata essa nova IP que pouca gente está acompanhando.
Sozinho, como uma peça independente, ele não ofende de maneira alguma, mas é perfeitamente esquecível por se assemelhar a qualquer outra historinha desse estilo e temática. É uma aventura espacial genérica e de difícil conexão com os personagens em tela. Isso só piora quando colocamos ao lado do episódio sobre o New World, por exemplo, que ao menos nos apresenta uma história humilde e comovente nesse aspecto.
11. Spelunky — Contagem
O episódio de Spelunky conversa bastante com o de Sifu, da primeira leva da antologia, no sentido de que é um episódio que consegue discorrer sua narrativa de maneira contida ao mesmo tempo que transmite suas intenções, traduzindo as principais mecânicas do seu jogo de origem, sem necessariamente ficar expondo tudo verbalmente, como Odisseia fez.
No caso, trata-se de uma garota que parte em várias aventuras diferentes, mas que toda vez acaba morrendo no processo. Apesar de a jovem se frustrar diante de tantos fracassos, esse ciclo de derrotas e ressurreições tem a serventia de ensiná-la a respeito do valor de cada jornada. Ou seja, existe um trabalho muito bom ao traduzir as principais mecânicas do título original no qual esta adaptação se baseia, já que se trata de um roguelike em plataforma bidimensional.
A qualidade e o estilo da animação aqui saltam aos olhos, fazendo um trabalho estilístico que vai além do fotorrealismo tão cansadamente utilizado ao longo da antologia. O único problema é que, enquanto certos episódios parecem exageradamente arrastados e duram mais do que deveriam, Contagem sofre de um mal contrário a esse, uma vez que se aproveitaria de alguns minutos a mais para cozinhar melhor sua mensagem. Ainda assim, entra no rol das principais surpresas de Nível Secreto como série.
12. Concord — O Conto do Implacável
Por incrível que pareça, eu me recordo muito bem de um dos trailers do Concord, que contava uma historinha de uma tripulação de mercenários espaciais que são flagrados enquanto faziam uma pausa para um lanche e precisam fugir da cidade onde se encontram. De tal forma, por mais que O Conto do Implacável pareça uma piada de mau gosto devido a todo o contexto referente ao jogo no qual se baseia, não chega a ser surpresa que o episódio consiga trazer algum entretenimento com mais personalidade do que o próprio shooter aparentemente tem.
Digo, o curta-metragem ainda é derivativo tal como a própria IP, mas consegue trazer alguma ilustração para a mesa, ainda mais se colocarmos o episódio de Exodus ao seu lado, uma vez que ambos compartilham da temática espacial e que seus jogos que servem de base estão indisponíveis (cada um com seu motivo) para eventual comparação. Trazendo um enredo que consiste em outro grupo de bandidos espaciais resgatando a sua capitã em cárcere, a animação que supostamente serviria para explorar o universo de Concord consegue trazer uma aventura cujo tom é bem-humorado e uma animação exemplar, especialmente nos cortes que mostram o espaço sideral em ampla magnitude.
Infelizmente, devido aos acontecimentos pregressos que sepultaram o game de uma forma impressionantemente rápida, a produção em questão acaba sendo refém de sua própria morbidez, ainda mais por ela fazer parte de todo um planejamento faraônico que a Sony tinha estruturado para a marca. Se colocarmos o divertido trailer — o de verdade, não este episódio aqui — no balaio, dá até para considerar que a Concord teria se saído melhor como uma produção audiovisual logo de cara.
13. Honor of Kings: O Percurso do Todo
O episódio baseado em Honor of Kings, um MOBA da Tencent, é certamente curioso a ponto de trazer uma atmosfera e um estilo visual que muito pouco se parecem com os do jogo no qual se baseia. Nele, conhecemos a história de um jovem que decide desafiar, no shogi, uma inteligência artificial onipotente que aparentemente controla toda a cidade e eventualmente acaba sendo confrontada a respeito do destino trágico que os pais do garoto tiveram.
A qualidade de animação aqui é impressionante e a ambientação consegue despertar a curiosidade da audiência, mas a execução narrativa acaba se mostrando um pouco capenga por tentar filosofar demais sobre destino e o poder das nossas escolhas, e esquecer de apertar o nó que amarra a história como um todo.
Ainda assim, pelo fato de a IP da qual bebe não ser exatamente a mais popular da antologia — ao menos para nós do Ocidente, uma vez que o mercado chinês muitas vezes acaba se mostrando um mundo paralelo à parte do nosso —, O Percurso do Todo faz um trabalho bastante competente na hora de oferecer uma experiência individual para os não introduzidos à marca em questão, uma surpresa igual ao episódio de New World.
14. Hora do Jogo: Satisfação
Short Peace é uma coleção de curtas animados japoneses cuja introdução consiste em uma garota se deparando com um portal tecnológico na forma de coelho — em clara alusão a Alice no País das Maravilhas — que a leva para vários universos temáticos distintos, servindo justamente como uma espécie de metáfora que apresenta todos os segmentos que virão na sequência.
Com uma proposta parecida, Hora do Jogo, por sua vez, conta a história de uma entregadora que é intimada a entregar um conduíte — que se assemelha ao Flubber, daquele filme do Robin Williams — em um endereço especificado na caixa, mas que é atacada por vários personagens de IPs de marcas first party da Sony. O problema, entretanto, é que o curta em questão é exatamente o último episódio de toda a antologia.
Se ele tivesse sido o primeiro, até faria algum sentido, uma vez que seria uma alegoria nessa proposta de apresentar tudo o que viesse a seguir, mas aqui ele simplesmente só pareceu um compiladão de marcas apresentadas sem coerência em uma sequência insossa de perseguição.
Além disso, Hora do Jogo: Satisfação não consegue ter sucesso nem em sua proposta de apresentar vários personagens na tela ao mesmo tempo, uma vez que as participações foram enfileiradas a conta-gotas, sendo escassas. Ou seja, até no fanservice ele deixa a desejar, uma vez que as que bateram o ponto, como Kratos, Sackboy ou os colossos do Shadow of the Colossus, ficam na tela por poucos segundos, enquanto outras marcas, como Gravity Rush ou Astro Bot (para mostrar como nem a Sony botava fé no game), foram simplesmente ignoradas ou esquecidas.
Considerações gerais: espaço, morte, mais morte & robôs
Com a primeira temporada oficialmente encerrada, algumas considerações gerais já podem ser feitas, principalmente se os produtores responsáveis quiserem que a já anunciada segunda temporada seja um sucesso em vez de um fracasso que provavelmente sepultaria o projeto como um todo.
A primeira coisa é que não adianta nada o material promocional fazer tanta referência a Love, Death & Robots e não tirar nenhum aprendizado de tal antologia da Netflix. O principal deles recai justamente na diversidade entregue lá e que não é vista aqui. Embora tenha suas digressões, como em New World, The Outer Worlds ou até mesmo Concord, todas as outras perdem a mão na pretensão de seriedade, o que faz com que o todo se mostre consideravelmente monótono.
Por exemplo, durante a primeira temporada de Love Death & Robots, a própria Netflix se ligou disso e logo decidiu reorganizar a ordem dos episódios a fim de tornar o ato de maratonar mais prazeroso e, logo de cara, convidativo, uma vez que decidiu colocar o simpático episódio dos três robôs para abrir a antologia no lugar de um outro carregado de gore que originalmente tinha essa função introdutória. Aqui, esse serviço poderia muito bem ter sido feito pelo episódio do PlayStation.
Adicionalmente, o fato de ele ser bem inferior em qualidade em relação a vários outros serviria, inclusive, para melhorar a impressão geral do conjunto, já que a antologia vai transmitir uma ideia de melhora com o passar dos episódios, em vez de deixar uma última percepção amarga, como é o caso aqui.
Ainda na questão da falta de variedade de tom, olhando a compilação à distância e identificando seus padrões, a impressão geral que Nível Secreto parece ter é a mesma de um tiozão que acha que videogames são só sobre histórias bobas e muita violência gratuita. Inclusive, é um paradoxo, já que muitas histórias são superficiais e poderiam até se adequar a um público mais infantil, mas a quantidade de violência gráfica acaba tornando esses episódios inadequados para tal audiência.
Isso acaba ficando evidente quando é observada a quantidade de episódios que trazem a morte como um de seus temas, quase sempre com a mesma abordagem de que ela leva sempre a um novo começo, como exemplificado pelos curtas de Sifu, New World, Pac-Man, Spelunky e Honor of Kings.
Embora seja uma recorrência presente nos próprios jogos — uma vez que é sempre a forma mais simples de levar a um game over —, videogames não são apenas sobre isso; são sobre descobrir novos mundos, algo que Nível Secreto alega fazer ao utilizar várias IPs distintas, mas que parece não conseguir executar com tanta criatividade. Em determinadas ocasiões, a impressão deixada é a de que parecia que eu tinha acabado de ver a mesma coisa entre dois ou três episódios diferentes.
Espaço e robôs (ou armaduras de alta tecnologia) são tópicos que igualmente aparecem com alta reincidência. Enquanto Love, Death & Robots tem um desses elementos literalmente no título e aí faz algum sentido lá, aqui só parece uma redundância desnecessária.
A falta de inventividade recai também na qualidade técnica. Embora o nível geral seja inquestionavelmente alto, faltou explorar mais as possibilidades visuais para além de animação computadorizada fotorrealista. Novamente, há algumas exceções a tal regra, como o episódio de Spelunky e o de Sifu, mas a direção de arte do resto parece ter sido tocada com uma competência meramente burocrática, com uns ajustes aqui e acolá em certos casos (como em Pac-Man ou Warhammer 40k), mas nada realmente distinto.
Em relação ao viés comercial, ele não é exatamente um problema, uma vez que toda consumação de mídia acaba tendo essa inclinação. A palatabilidade de um produto, entretanto, reside em sua capacidade de saber equilibrar suas necessidades mercadológicas e o potencial artístico. Novamente, é aí que episódios realmente bons, como o de New World e o de Sifu, se destacam.
Nesse quesito, o de Spelunky ficaria quase lá, se tivesse um tempinho a mais para se desenvolver melhor, e aí é outro critério que a segunda temporada poderia ficar de olho: a duração de cada curta. Enquanto o de Mega Man é outra vítima de seu tempo escasso, o de Exodus e o de Crossfire pareceram desnecessariamente longos, o que os tornou enfadonhos.
Aliás, esses dois são bons exemplos de que o departamento comercial precisaria avaliar direitinho e conversar bem com o criativo a respeito das possibilidades que uma IP pode oferecer. Pensando do ponto de vista publicitário, produções desinteressantes como a desses dois curtas não só não apresentam qualquer valor artístico como o próprio efeito promocional pode sair pela culatra, prejudicando, enfim, suas respectivas marcas.
Como um todo, Nível Secreto acaba sendo muito inconstante, o que prejudica a composição geral da antologia. É bastante irônico, no fim das contas, que uma série que tenha tanta dificuldade em diversificar o seu tom apresente tanta variação na consistência das experiências oferecidas.
Revisão: Ives Boitano