No começo de outubro, a Gravity Game Hub anunciou que iria relançar e prover suporte a Gunbound, um clássico título online de tiro em plataforma popular em meados dos anos 2000, em sua versão original, assim como fizeram com GrandChase há alguns anos. Ao lado de Ragnarök Online, esse foi um dos meus principais jogos de moleque e, sendo bem sincero, fiquei bastante empolgado quando tive a oportunidade de rejogar algumas partidas na BGS deste ano.
No começo de novembro, o game chegou a receber um período de alpha aberto que durou até os primeiros dias de dezembro — e aí houve a oportunidade de checar o potencial estado desse relançamento com mais calma.
Atira, erra e culpa o vento!
Para os que não conhecem, Gunbound é um jogo de tiro em plataforma muito parecido com Worms. Nele, os jogadores controlam os veículos formalmente conhecidos como mobiles, cada um com suas características e equipamentos únicos. Embora haja vários modos de jogo (como combates em times ou cada um por si), o gameplay básico é o mesmo: cada jogador poderá agir apenas durante seu turno. Nele, é possível movimentar os mobiles por uma distância limitada e, então, atirar contra algum oponente.
O acerto ou erro do disparo é determinado primeiramente por dois critérios: o ângulo do lançamento e da sua potência, que varia de acordo com o preenchimento de uma barra no rodapé da interface e pode ser regulada com a barra de espaço (estilo slice) ou com o movimento do mouse (estilo drag). Além disso, há outras variáveis ambientais às quais é necessário se atentar, como direção e força do vento e as particularidades de cada projétil.
Exemplos de Tiro 1 (mais simples, à esquerda) e Tiro 2 (à direita). No caso do Nak, o T2 passa por baixo da terra. |
Isso porque cada mobile possui três tipos de disparos. O Tiro 1 geralmente é mais leve e fácil de acertar, enquanto o Tiro 2, pode ser uma versão mais potente do primeiro ou algo com um efeito completamente distinto; já o SS (Special Shot) é um disparo especial que causa muito dano, mas só pode ser usado após acumular energia durante a partida.
A utilização de cada um desses ataques, bem como o tempo despendido durante cada turno (que dura vinte segundos), servirão para determinar a ordem de ação até a próxima rodada, indicada no canto inferior esquerdo da tela. Assim, um tiro mais fraco em menos tempo poderá fazer com que o jogador passe na frente da fila, por assim dizer, de outro que utilizou um ataque SS, por exemplo.
Exemplo de tiro SS do veículo Trico. |
O entendimento do cenário também é importante. Embora haja os mais simples, como Meta Mine, que é basicamente uma plataforma horizontal, há alguns outros mais diversificados e que vão exigir estratégias mais elaboradas dos jogadores. Isso porque os terrenos podem ser destruídos conforme os tiros acertam o solo, criando oportunidades estratégicas, como derrubar inimigos em buracos ou forçá-los a posições desvantajosas.
Unicórnios & Dragões
Utilizar a versão mais básica de Gunbound significa que todas as atualizações que ele teve durante a sua vida útil foram descartadas. Além do conteúdo adicional ficando de fora, como certos veículos que foram sendo implementados nas temporadas seguintes, a característica mais sofrida desse teste alpha diz respeito ao balanceamento geral, e isso vale basicamente para as probabilidades estatísticas presentes no game.
Por exemplo, a que me pareceu mais evidente: além das escolhas manuais de cada mobile, é possível selecionar o random, em que o próprio jogo determinará qual veículo será utilizado a cada partida de forma aleatória. A questão é que existem dois veículos “secretos” — o unicórnio e o dragãozinho — que só podem ser utilizados dessa forma e que, anteriormente, dependiam de uma probabilidade baixíssima de aparecer.
Considerando que uma das regras “da casa” mais recorrentes nas salas de jogo é o Random Only, não era incomum que as partidas lotadas aparecessem com pelo menos uns quatro desses mobiles especiais (de um total de até oito jogadores). De certa forma, isso acaba tirando a graça do jogo, porque eles são notoriamente desequilibrados em relação aos normalmente selecionáveis.
Outra preocupação referente ao balanceamento reside na quantidade de dano causado, de imediato, por todos os veículos. Eu me recordo de Gunbound consistir em partidas ágeis, mas não me recordava que os disparos munidos de Dual, um dos itens disponíveis para uso momentâneo que permite a utilização de um tiro duplo, pudessem arrancar quantidades tão altas de vida de uma vez só.
Dependendo do posicionamento de cada jogador logo no começo do game, não era incomum que alguém fosse derrotado antes mesmo de chegar seu turno por causa disso. É natural que certos mobiles sejam mais fortes do que outros, bem como alguns sejam mais fáceis de controlar do que outros. É essa a graça de ter variedade. Entretanto, fica um pouco complicado quando o nivelamento se dá por cima.
Por que aprender a controlar outros mobiles se eu só uso um?
Embora a Gravity tenha suas responsabilidades, nota-se que os jogadores também têm que colaborar um pouco para tornar a experiência geral mais agradável. Sinceramente, não adianta nada Gunbound oferecer modos de jogo e estágios distintos se, por algum motivo, a comunidade geral prefere só criar salas conhecidas como “Aduka T2”, referentes à utilização exclusiva do mobile cujo tiro em questão depende do satélite Tor, que dispara raios laser nos oponentes em determinadas situações.
Como a força do Tor aumenta de acordo com sua utilização, a ideia é que as partidas se tornem cada vez mais intensas e o dano causado progressivamente maior, já que todos os jogadores estão colaborando para que o nível do satélite vá subindo. Essa dinâmica é realmente bastante divertida — o problema é que parecia ser a única coisa que a comunidade jogava, ficando bem difícil encontrar outros tipos de jogo no lobby.
Isso é um pouco chato não só porque acaba afastando jogadores novos, uma vez que não existe possibilidade de experimentar modos diferentes, mas também pode fazer com que a empresa responsável simplesmente abra mão de balanceamento envolvendo os outros modos, já que eles não são jogados e, por argumento, não valeriam o esforço para tal. A nível comparativo, é quase como assistir ao Smash Bros. competitivo em que todo mundo usa o Fox no Final Destination. Teoricamente, é equilibrado por todos os jogadores estarem nas mesmas condições, mas qual é a graça a nível prático?
Outro ponto a se chamar atenção é a quantidade de usuários de aimbot (um sistema de mira automática que configura como trapaça) presentes no game. Trata-se de uma inquietação que já demonstrei logo no teste da BGS, uma vez que o declínio da versão original do jogo tem muito a ver com a forma como esse tipo de prática tomou conta e não houve qualquer movimento por parte dos desenvolvedores para minimizar o problema — isso e a inserção de vantagens e veículos adquiridos por microtransações que basicamente tornou Gunbound um pay to win.
Esse problema faz parte de uma lista relativamente honesta de modificações que a Gravity deve fazer se realmente estiver disposta a investir esforço a fim de ver o jogo se tornar um sucesso em vez de só liberar um servidor na praça para ver o que acontece. Uma das formas que GrandChase Classic encontrou, quando passou pelo mesmo processo, foi utilizar o Steam como plataforma, que já conta com alguns mecanismos próprios para identificar esse tipo de trapaça, além de alguns outros sistemas anti-cheat externos que, inclusive, até ocasionaram alguma polêmica por conta do nível de severidade que implicava com qualquer outra tela aberta ao mesmo tempo que o game.
Há ainda algumas modificações pontuais das quais o cliente do Gunbound se beneficiaria. A principal delas é a natividade da resolução, uma vez que a interface está travada em um aspecto 4:3 de resolução 800x600. Há alguns outros sistemas que simplesmente não estavam funcionando, como a lista de amigos ou o filtro de busca das salas de jogo.
Experiência satisfatória e divertida — isto é, para um teste alpha
De um modo geral, para um teste inicial em versão alpha, esta primeira experiência com Gunbound foi bastante satisfatória, uma vez que ela provavelmente só serviu para preparar o terreno e ter algum ponto de partida para eventuais correções, tanto que o uso dos equipamentos da loja era 100% livre, já que era possível adquiri-los com um montante generoso de dinheiro e cash disponível logo de cara — afinal, eles não vão ficar com o jogador na versão definitiva, então ao menos foi bem divertido de montar meu próprio avatar com todas as opções livres.
Ainda assim, a Gravity deveria ficar de olho e se atentar em fazer todos os ajustes necessários para aprimorar a qualidade de vida do título e torná-lo mais acessível, prático e convidativo para todas as audiências, sejam elas compostas por veteranos, seja por um público mais novo, que com certeza iria preferia jogar com uma conta universal como a do Steam do que ter que baixar um cliente próprio, por mais leve que ele seja. Os aspectos visuais e mecânicos também têm peso igual, já que precisam trabalhar em conjunto tanto na captação quanto na retenção de jogadores a curto e longo prazo. Nostalgia é bom para chamar a atenção, mas não é suficiente para segurá-la por muito tempo.
Revisão: Davi Sousa