NewGame+: entrevistamos Sofia e Ariel, responsáveis pela mostra de jogos LGBTQ+

Conheça mais sobre o evento, que reuniu títulos queer nacionais e internacionais.

em 05/12/2024

Os videogames são uma potente ferramenta de informação e conscientização — pelo menos, acredito veementemente nisso. Prova disso é termos, atualmente, diversos títulos que trazem mensagens importantes sobre problemas atuais, especialmente no que diz respeito à diversidade cultural e a aceitação de pessoas como elas são.


Nesse sentido, produções queer têm ganhado cada vez mais espaço, sobretudo no cenário de criações independentes. A mostra NewGame+, cuja primeira edição aconteceu entre os dias 24 de novembro e 1 de dezembro deste ano, é prova de que esse público — eu inclusa — busca nos videogames uma representatividade que nem sempre está presente na sociedade de carne e osso.

Organizado pela companhia White Wolfy, o evento contou com a exibição de dez jogos, sendo cinco brasileiros e cinco internacionais, além de palestras com profissionais da área de jogos digitais e um laboratório de projetos de games — tudo isso, claro, abordando temas como representatividade LGBTQ+ nos videogames, produção de jogos e captação de investimentos. E, como de praxe, o GameBlast teve a honra de entrevistar duas pessoas que estão por trás do NewGame+: Sofia Wickerhauser e Ariel Velloso.

Confira a seguir o bate-papo e os perfis de Sofia e Ariel. Observação: algumas respostas foram editadas para melhor clareza.
Sofia Wickerhauser: uma cineasta apaixonada por Cinema Queer, fotografia, anime e videogames. Com sua produtora, White Wolfy, é conhecida hoje por seu olhar sensível e seus pontos de vista únicos em projetos artísticos. A White Wolfy é também a produtora responsável pela realização do evento NewGame+.

Ariel Velloso: com 12 anos de experiência no mercado de games, Ariel é CEO do estúdio Aipo Digital e um dos curadores da feira. Também já trabalhou em outros eventos similares, como o BIG Festival.
Sofia e Ariel. Créditos: NewGame+

Perguntas para Sofia

GameBlast: Como sua paixão por Cinema Queer, fotografia, anime e videogames influencia sua abordagem na produção de eventos como o NewGame+?

Sofia Wickerhauser: Essas influências não apenas enriquecem minha visão curatorial, mas também guiam a criação de um espaço onde histórias e experiências queer sejam celebradas com autenticidade. No cinema, encontro inspiração para narrativas visuais que conectam as pessoas emocionalmente, enquanto o universo dos animes e dos jogos me oferece criatividade para explorar novos formatos.

No NewGame+, esse ecletismo se traduz na escolha dos jogos, que vão além do entretenimento, explorando questões de identidade, pertencimento e diversidade. Viso criar uma experiência que dialogue com o público de maneira imersiva e sensível, respeitando as nuances culturais e artísticas de cada título apresentado.
 
GB: Quais foram os maiores desafios e aprendizados ao organizar a mostra NewGame+ com a White Wolfy?

SW: Foi tão desafiador quanto uma jornada de aprendizado constante. Um dos maiores desafios foi equilibrar a curadoria internacional e nacional, garantindo que os jogos selecionados representassem a diversidade de questões de gênero, sexualidade e pertencimento, sem cair em clichês ou simplificações.

Esse processo exigiu diálogo próximo com desenvolvedores, além de pesquisa para encontrar títulos que realmente trouxessem representatividade. Outro desafio foi planejar um evento acessível em todos os aspectos; por exemplo: criamos um design de mobiliário que tornasse a experiência de jogar mais acessível.
 
GB: Como você vê a evolução da representação LGBTQ+ nos videogames e no cinema nos últimos anos?

SW: Cada vez mais vemos representações inusitadas da sigla LGBTQ+, como protagonismo assexual e narrativas de vivências queer que não costumávamos ter 15 anos atrás. No entanto, ainda há um longo caminho a percorrer.

Representações genuínas precisam se tornar a norma, não há exceção. Isso exige não apenas diversidade nos personagens, mas também no processo criativo — incluindo mais pessoas LGBTQ+ nas equipes de roteiristas, desenvolvedores e diretores.

Eventos como o NewGame+ buscam justamente destacar como essas vozes podem ser transformadoras e mostrar que a representatividade vai além de inclusão simbólica; ela é uma força criativa poderosa para mudar as narrativas culturais.


GB: Pode compartilhar algum momento ou projeto específico que tenha sido particularmente significativo para você durante a produção do NewGame+? 

SW: O local onde o evento aconteceu é um grande saguão com paredes de vidro, no térreo do SESC Paulista [em São Paulo capital]. Quando estávamos finalizando os aspectos técnicos para podermos abrir o evento, notamos que havia um grupo de jogadores queer observando, do lado de fora, ansiosos pela abertura, claramente querendo prestigiar o evento desde o início.

Isso mostrou para nós o potencial de acolhimento do NewGame+. Nunca vimos público tão diverso, e se sentindo tão à vontade, em outros eventos de games. Antes mesmo de abrir, entendemos a importância de abrir esse espaço e todo o esforço havia valido a pena.

GB: Quais são suas expectativas para o impacto do NewGame+ na comunidade LGBTQ+ e na indústria de jogos?

SW: Nosso objetivo é que o NewGame+ faça o que os festivais de cinema LGBTQ+ têm feito nos últimos 30 anos: impulsionar o crescimento e a visibilidade de narrativas queer em uma mídia que, historicamente, teve pouco espaço para essas histórias. Nas últimas décadas, vimos um aumento significativo no conteúdo LGBTQ+ em áreas como cinema e literatura, com personagens e histórias que desafiam estereótipos e exploram a complexidade da experiência queer.

Queremos que o NewGame+ desempenhe um papel semelhante no universo dos games, fortalecendo a representatividade e celebrando o talento criativo da comunidade LGBTQ+ em um setor que ainda tem muito a crescer nesse aspecto.

Perguntas para Ariel

GameBlast: Com 12 anos de experiência no mercado de games, quais mudanças mais significativas você observou na indústria em relação à inclusão e diversidade?

Ariel Velloso: Há 12 anos, sequer havia uma tag "LGBT" no Steam (surgiu em 2019). Ou seja, as questões de inclusão e diversidade (em termos de gênero e sexualidade) eram praticamente inexistentes: poucos jogos com personagens LGBTQ+, e apenas um ou outro criador desenvolvendo games autorais ambientados e focados em experiência queer.

Hoje em dia, temos anualmente dezenas de jogos AAA com ao menos um personagem queer/LGBTQ+, e um número enorme de games indie que abordam esse universo, das mais variadas formas.
 
GB: Como CEO do estúdio Aipo Digital, quais são os principais valores e objetivos que você visa promover através dos seus jogos?

AV: Nossa pegada é abordar diversidade (não só LGBT, mas também nas questões raciais, PCDs, etc.) de maneira leve e divertida. Apresentar ao público casual personagens carismáticos e bem desenvolvidos, que expressam suas identidades, mas têm muito mais a dizer e viver além de seu gênero e sexualidade. Queremos conscientizar questões importantes das minorias e nichos da sociedade, de uma maneira que seja orgânica e não “panfletária”.


GB: Quais critérios você utilizou para selecionar os jogos e palestrantes para a mostra NewGame+?

AV: Em primeiro lugar, buscamos um recorte que pode ser aproveitado por várias idades e por toda a família; portanto, evitamos conteúdo adulto para essa curadoria inicial. É também muito importante que o jogo possua uma estética ou trama claramente queer, o que nem sempre está nos personagens ou nos diálogos. Às vezes, está nos temas, nas metáforas abordadas, até mesmo na interface.

E, por fim, que o jogo tenha uma demo que entregue uma experiência interessante de imediato. Às vezes, o jogo é incrível, mas supercomplicado para começar a jogar, e a maioria dos visitantes nesse tipo de mostra passa cerca de cinco a dez minutos por jogo. Então, precisa ser interessante logo de cara, justamente para fisgar a atenção dele.

GB: Pode nos contar sobre alguma experiência marcante que você teve ao trabalhar em eventos como o BIG Festival e como isso influenciou sua curadoria para o NewGame+?

AV: A opinião dos desenvolvedores é muito importante, pois, se eles não se sentem atendidos e respeitados pelo evento, essa informação circula pelos bastidores da indústria, e isso acaba prejudicando a credibilidade [do evento]; isso, por sua vez, prejudica curadorias e parcerias futuras. Sem bons games, não há como realizar um evento.


GB: Quais são suas expectativas para o futuro da indústria de games em termos de representatividade e inclusão?

AV: Por um lado, que pessoas queer se sintam representadas e acolhidas, tendo cada vez mais experiências à disposição que retratem suas vivências. De outro, que tramas LGBTQ+ sejam cada vez mais normalizadas no mainstream cultural, já que principalmente nos games, o enfoque ainda é muito frequentemente no “homem heterossexual cis branco”.

Se você curtiu nossa entrevista com os responsáveis pelo evento NewGame+ e gostou de conhecer mais sobre Sofia Wickerhauser e Ariel Velloso, conte para a gente: você tem vontade de participar do evento em edições futuras? Qual é a sua expectativa para a representatividade queer nos videogames?

Revisão: Juliana Piombo dos Santos
Fotos: NewGame+
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Também conhecida como Lilac, é jornalista e atualmente trabalha com assessoria de imprensa. Fã de jogos de plataforma no geral, especialmente os da era 16-bits, com gosto adquirido por RPGs e visual novels ao longo dos anos. Fora os games, não dispensa livros e quadrinhos. Prefere ser chamada por Ju e não consegue viver sem música. Sempre de olho nas redes sociais, mas raramente postando nelas. Icon por Heru.
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