Afinal, não é todo dia que temos a oportunidade de ler sobre um assassino de aluguel (hitman) com insônia que se vê no meio de uma guerra entre facções, certo? Porém, apesar dessa premissa curiosa, o jogo, mesmo com censura, não é indicado para todas as pessoas, dada a extrema violência da visual novel.
Como diria aquela música, “essa mina é louca”
A história se passa no submundo violento de Kabukicho, o famoso “distrito da luz vermelha” de Shibuya, em Tóquio, Japão. O protagonista, conhecido apenas como “Eu” (e seus pseudônimos Takeo Muraki e Zeng Heixing), é um assassino de aluguel de 36 anos que trabalha para o grupo yakuza Aoike Gathering, mas, para mascarar sua profissão original, “Eu” trabalha como faxineiro em um motel, local que também serve como sua casa.
Estranhamente, o protagonista sofre insônia crônica e só consegue dormir bem após matar alguém, algo que “Eu” pensava que aconteceria depois de “silenciar” um host de uma casa noturna. No entanto, sua tão esperada boa noite de sono é interrompida quando o hitman é designado para caçar uma garota de 18 anos chamada Azami (já adianto: ela não bate muito bem da cabeça), responsável por um assassinato brutal que é de interesse para o Aoike Gathering.
Para a surpresa de Takki — como “Eu” passa a ser chamado por Azami —, a assassina passa a gostar dele, prometendo não se envolver mais em matanças. Disposto a acreditar nas palavras dela, o protagonista decide protegê-la e, juntos, os dois passam a percorrer o submundo dos crimes, encabeçando diversas situações de vida ou morte de tirar o fôlego.
Uma ótima ambientação e uma interface pensada no usuário
Curiosamente, para uma obra da CLOCKUP, até que esta visual novel é “comportadinha” — entre aspas mesmo, porque, ao longo da leitura, temos uma história repleta de violência gráfica e crimes brutais, ainda mais se o patch 18+ estiver instalado. Com isso, quero dizer que muitas passagens trazem descrições de mortes horríveis, incluindo fraturas, perda de membros e partes do corpo desfiguradas, porém nada que beire o grotesco e nojento das supracitadas Maggot Baits e Euphoria, por exemplo.
Na minha opinião, o ponto forte de The Restless Sheep & The Lone Wolf está no seu complexo (e frágil) sistema de criminosos, que é muito bem construído e retratado pelo talento narrativo de Kurashiki — e o motivo da minha curiosidade para analisar o jogo. Além disso, a relação entre “Eu” e Azami dá abertura a um romance não convencional, que intensifica ainda mais a questão das lealdades dos grupos criminosos.
Essa visceralidade da história é reforçada pelos aspectos gráficos, sobretudo o uso de paleta de cores vibrantes e um ótimo design de personagens, contrastando com o ambiente sombrio e violento de Kabukicho; para completar, a dublagem integral em japonês traz ainda mais vida a esse universo. Como cereja do bolo, a visual novel conta com três rotas diferentes (uma para “Eu”, uma para Azami, e a considerada verdadeira) e múltiplos finais, nos convidando à rejogabilidade.
Infelizmente, senti falta de um melhor desenvolvimento de personagens em diversos momentos durante a leitura, sobretudo de Azami, mas não darei spoilers quanto a isso. Também me incomodou um pouco a repetição de faixas, que parecem ter sido reaproveitadas de outras obras da CLOCKUP, e a ausência de variação de sprites para, pelo menos, os personagens principais.
Por fim, para complementar o incrível pacote visual, temos uma excelente interface de usuário que é pensada em quem está jogando. Além de podermos acessar as configurações principais sem necessidade de abrir um menu para isso, temos total liberdade de filtrar o que queremos ver ou não durante a leitura, bem como ajustar velocidade de texto, leitura automática, volume de vozes e música e todas as outras ferramentas de qualidade de vida necessárias para o bom aproveitamento de uma visual novel — só quero ressaltar que, ao longo da leitura, constatei alguns errinhos pontuais de digitação, mas nada que prejudicasse a leitura em si.
O erro foi meu em querer jogar sem censura
Eu realmente sou contra a censura em visual novels. Já houve casos e casos em que não ter acesso aos conteúdos 18+ minou o aproveitamento da história (vide esta análise no Nintendo Blast), enquanto em outros, as passagens sexuais serviram para aprofundar a relação entre os personagens principais, como apontei em OshiRabu. Agora, no caso de The Restless Sheep & The Lone Wolf, jogar com o patch 18+ é uma faca de dois gumes.
Por um lado, a vantagem dessa escolha é ter acesso ao conteúdo integral da narrativa, incluindo o vocabulário crasso típico de gangues e yakuza, as descrições detalhadas da violência e a oportunidade de acessar a galeria de CGs; por outro, as passagens sexuais não apenas são malfeitas e mal escritas, como também tiram a imersão e a tensão da trama como um todo. Enquanto Kurashiki merece créditos por sua ótima construção de mundo, essa habilidade do autor não se estende às cenas de sexo, que se resumem a uma salada de palavras para objetificar mulheres e as colocar em uma posição submissa e inferior à dos homens.
Não apenas isso, muito do sexo retratado ao longo do jogo traz situações de consentimento dúbio (ou até mesmo nenhum consentimento), o que me fez, sem arrependimentos, pular essas passagens — demasiadamente longas, vale ressaltar — em sua totalidade. Dessa forma, The Restless Sheep & The Lone Wolf sofre do mesmo mal de Ego’s Spark: temos sexo pelo sexo (nada de novo aqui, por se tratar de um eroge), então fica a minha recomendação de jogar sem o patch 18+.
Além disso, para uma visual novel de aproximadamente 15 horas de duração, é irônico ver que a maioria das CGs se resumem a diferentes contextos de sexo. Entendo que este jogo é um eroge e, por isso, essas cenas são inevitáveis ao se jogar sem censura, porém a sensação que fica é a de que a CLOCKUP queria uma desculpa para fazer uma história de sexo em um cenário marcado pela violência.
Um bom thriller, mas não para todos os gostos
The Restless Sheep & The Lone Wolf -A Tale of Cutthroat Lovers- traz uma narrativa de violência, ação e romance, com uma ambientação intrigante no submundo criminoso de Kabukicho. A história, apesar de suas falhas no desenvolvimento de personagens, oferece uma experiência imersiva, com destaque para o talento de Kurashiki na construção de um mundo sombrio e detalhado, que é muito bem retratado com as cores vibrantes e o excelente design de personagens.
No entanto, a experiência de jogo é prejudicada por escolhas questionáveis nas cenas sexuais. Se você conseguir ignorar esses excessos, encontrará uma história intrigante e um romance tortuoso que, para quem tem estômago e disposição para enfrentar os pontos negativos da visual novel, pode oferecer uma experiência minimamente curiosa.
Prós
- Ótima construção de mundo e de personagens, especialmente o contexto de guerra entre facções e yakuza em um Japão moderno;
- Boa interação entre os personagens principais;
- A interface de usuário é amigável e fácil de navegar, facilitando o acesso às configurações principais para um bom aproveitamento da leitura;
- Presença de três rotas e diferentes desfechos, que ajudam a incentivar a rejogabilidade;
- Dublagem integral em japonês, com uma excelente atuação dos dubladores;
- Apresentação visual interessante, com sprites de personagens 2D sobrepostos a fotografias reais;
- CGs bem ilustradas e que conseguem transmitir o que está sendo narrado no jogo.
Contras
- Trilha sonora repetitiva, com muitas faixas similares ou até reaproveitadas de outros títulos da CLOCKUP;
- Embora necessárias para entender certas passagens da trama, as cenas 18+ retratam, em sua maioria, sexo forçado e objetificação da mulher, estragando a história e a ambientação como um todo;
- Apesar de interessantes, alguns dos personagens, como Azami, têm comportamentos que não são satisfatoriamente explicados durante a leitura;
- Pouca variação de cenários e sprites dos personagens;
- Para a duração do jogo, são poucas as CGs não relacionadas a sexo;
- As cenas de sexo são amadoras e mal escritas, além de desnecessariamente longas;
- Alguns erros de digitação pontuais.
The Restless Sheep & The Lone Wolf -A Tale of Cutthroat Lovers- — PC — Nota: 7.5
Revisão: Alessandra Ribeiro
Capa: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida por Shiravune