Análise: Loco Motive pode até ser charmoso, mas descarrila nos trechos mais importantes

As falhas da aventura como jogo tornam a experiência muito pior do que deveria ser.

em 19/12/2024


Escrever um bom mistério é difícil. Escrever um bom jogo de mistério é mais difícil ainda. A natureza interativa da obra precisa sempre contar com a ideia de que a audiência está seguindo a exata mesma linha de raciocínio da narrativa. Dando opções demais, arrisca-se perder o jogador; dando opções de menos, talvez tivesse sido melhor ter feito algo mais passivo de uma vez.

Loco Motive, o primeiro jogo dos irmãos britânicos do estúdio Robust Games, acabou por ser, apesar dos próprios esforços, um perfeito exemplo do que acontece quando o equilíbrio se perde. Originalmente um protótipo feito em duas semanas para uma Game Jam, a aventura no Expresso Reuss é não somente um mistério de assassinato, mas uma série de pequenos outros quebra-cabeças —  e, infelizmente, a falta de capricho com a construção desses “misteriozinhos” é o que derruba o projeto inteiro.

Assassinato no Expresso do Ocidente

Loco Motive tem como incidente central a morte de Lady Unterwald, magnata da indústria ferroviária, durante a leitura do próprio testamento e dentro do trem da própria companhia. Os três personagens controlados ao longo da história são os principais suspeitos do crime: Arthur A. Ackerman, advogado da vítima e apaixonado por papelada; Herman Merman, famoso (e atrapalhado) autor de histórias de detetive; e Diana Osterhagen, agente secreta em sua primeira missão.

O jogador guia cada um dos três por flashbacks que recontam seus álibis, e a gameplay é apresentada no estilo point and click. A escolha de gênero e apresentação pixelada compõem uma homenagem aos clássicos mistérios do PC, como a série Nancy Drew e The Secret of Monkey Island. Somando o charme art deco da UI e o divertido estilo cartunesco das cutscenes e retratos dos protagonistas, Loco Motive ostenta uma orgulhosa mistura de inspirações e faz dela sua própria marca, sem que pareça uma mera cópia de qualquer uma das partes.

Outro grande charme do título é sua coleção de personagens carismáticos. Não importa o quão pouco apareçam, todos os envolvidos no incidente têm a chance de brilhar — e frequentemente o fazem, inclusive por meio de ótimas performances por parte de seus dubladores. O maior destaque é Arthur, o advogado bobalhão: toda vez que ele falava com entusiasmo sobre máquinas de escrever e maletas de documentos, meu sorriso era garantido.

Apesar da tragédia que desencadeia o enredo, Loco Motive é um jogo de comédia antes de qualquer outra coisa, algo que o serve mais do que pode parecer à primeira vista. O bom humor do Robust Games dita cada cena, sempre leve e bobinho; contudo, embora isso ajude a não pesar demais a atmosfera, às vezes também faz parte de uma atitude que acaba diminuindo demais o “mistério” em “jogo de mistério”. Explicarei a seguir.

Era pra ter feito isso o tempo todo?!


Mencionei anteriormente que Loco Motive presta seus respeitos aos gigantes do point and click, e é verdade — de mais maneiras do que só visualmente. Quem conhece o gênero em todas as suas convenções sabe que, se há algo pelo que os criadores de tais obras são apaixonados, é por soluções obtusas aos problemas que apresentam. 

É aqui o ponto em que o humor domina o mistério em detrimento do título: em vários momentos da história, o foco sequer é descobrir quem matou Lady Unterwald, e sim como chegar do ponto A ao B para que o primo da tia do amigo de alguém conte alguma fofoca sobre o estopim da próxima sequência maluca de eventos. O pior de tudo é que, várias vezes, os objetivos são plenamente claros; o caminho, porém, já é outra história. 

O jogo conta com um sistema de dicas que, sob insistência suficiente, entrega a resposta de bandeja a qualquer pergunta — e as vezes em que eu me encontrei ouvindo algo absurdo sendo apresentado como se fosse completamente natural (muitas vezes pedindo por itens de várias seções diferentes) foram além da conta. Ah, sim, porque a primeira coisa em que eu estava pensando era em pegar dois desentupidores e combiná-los com esse negócio nada a ver. Isso para nem mencionar a suspensão de descrença: como é que ninguém vê os suspeitos roubando tudo da cena para construir suas engenhocas malucas?
 

A parte do mistério também sofre pela falta de vários elementos que já são convencionais em vários outros jogos do tipo. Por exemplo, Loco Motive não possui um registro de conversas: caso você tenha perdido um detalhe, ou tenha um mouse velho que às vezes dá dois cliques em vez de um (como o meu), já era.

Também faz falta qualquer tipo de sistema que permita acessar as informações do caso; apesar de nada ser particularmente complexo (afinal, a comédia toma prioridade), uma memória de bolso nunca é demais, especialmente para quem toma intervalos longos entre sessões e/ou não tem o costume de anotar coisas fisicamente. 

Seria cômico se não fosse trágico (ou o contrário?)


Loco Motive
encanta por vezes, mas as constantes marcas de sua natureza como primeiro jogo de seu estúdio impedem que a experiência realize todo seu potencial. Com um pouco mais de polimento e um equilíbrio melhor entre tragédia e comédia, o Robust Games poderia ter feito algo de realmente especial, mas acabou tendo nas mãos algo frustrantemente distante da linha de chegada. 

Prós

  • Estilo visual coeso, que homenageia sem ser derivativo;
  • Personagens carismáticos e muito bem dublados;
  • Diálogo bem-humorado e de qualidade.

Contras

  • O mistério geral é fraco;
  • Progressão pouco intuitiva;
  • Certas sequências desafiam demais a suspensão de descrença do jogador;
  • A falta de diversas convenções do gênero dificulta seguir a história.

Loco Motive — PC/Switch — Nota final: 5.5
Versão utilizada para análise: PC

Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Chucklefish Games

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Jornalista formada pela PUC-SP e eterna apaixonada por videogames, especialmente aqueles japoneses de mistério. Sempre tem alguma redação gigante para escrever depois que zera um Yakuza.
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