Like a Dragon -Yakuza- é uma fanfic bizarra e confusa do primeiro jogo da franquia

Uma série feita para os fãs… ficarem pausando a cada 5 minutos para reclamar.

em 10/11/2024


Desde seu anúncio, Like a Dragon -Yakuza- (não confundir com Yakuza: Like a Dragon), adaptação para a TV do primeiro jogo da série homônima, foi fonte constante de trepidação dos fãs da franquia. Quando o par de atores principais revelou que foi orientado a não jogar nenhum de seus títulos, um sentimento de medo e estresse se formou no coração de vários kyodai por aí: o que, afinal, seria feito da narrativa que lançou Kazuma Kiryu ao mundo?

Pessoalmente, eu sou da opinião de que a trama original já não era muito boa. É algo ousado vindo de uma fã da franquia, mas o primeiro Yakuza é dos jogos mais fracos que temos em questão de história, constantemente implorando para que a audiência se importe com a tragédia de Kiryu, Nishiki e Yumi e nunca fazendo nada para merecer essa atenção. É tão complicado se envolver emocionalmente com os personagens que o remake de 2016, Yakuza Kiwami, chega a adicionar diversas cutscenes para desenvolver Nishiki — e só ele.

Logo, a princípio, a ideia da série foi até animadora. Uma nova perspectiva para essa história tão falha poderia finalmente consertar meus maiores problemas com o que temos em mãos. Contudo, o que foi entregue aos fãs foi algo que mudou tantos aspectos que acabou jogando fora várias das partes que, na verdade, faziam o jogo minimamente funcionar. 

O resultado é uma bagunça completa, que pode até ter bons momentos, mas se perde na busca por fazer valer a própria existência. Hoje, como fã e crítica, eu avalio, para o GameBlast, o que deu certo e o que não deu — sem grandes spoilers. Vamos lá?

O Kiryu do jogo jantaria o da série na porrada

Em Like a Dragon -Yakuza-, seguimos Kazuma Kiryu, Akira “Nishiki” Nishikiyama, Yumi Sawamura e Miho Nishikiyama (conhecida como Yuko nos jogos), um quarteto de amigos de infância criados no Orfanato Girassol, sob tutela do gentil ex-yakuza Shintaro Kazama. Até aí, nada de muito diferente do que conhecemos — mas as coisas começam a se distanciar do original bem rápido. 

Nos jogos, Kiryu e Nishiki imploram, às lágrimas, para que Kazama deixe que se juntem à Família Dojima, organização yakuza da qual ele ainda fazia parte. Isso faz com que ambos tenham uma visão distorcida do mundo criminoso, que navegam por algum tempo sob a ilusão de que todos dentro daquele ambiente são (ou deveriam ser) tão honrados e bem comportados quanto o pai de consideração. 

Na série, contudo, a rota de entrada é bem diferente — e, ouso dizer, derrota todo o propósito dos personagens, principalmente Kiryu. Os dois, junto de Yumi e Miho (mais sobre elas abaixo), executam um plano para assaltar um fliperama local que dá terrivelmente errado e os traz às garras dos Dojima. Existe a possibilidade disso ter sido proposital: afinal, dentro do escritório da família, em face do chefe que debate se deve matá-los ou não, Kiryu pede para se tornar membro. Seu objetivo? Se tornar o Dragão de Dojima.

Quando essa frase foi revelada ao público, poucos dias antes da estreia da primeira parte da série, o caos entre os fãs de Yakuza foi geral. Como assim, ele quer ser o Dragão? Qualquer um dos jogos mostra claramente que, por ali, esse papel foi praticamente imposto à força a Kiryu, e é uma das várias identidades da qual ele passa a vida inteira fugindo. Ah, meus amigos, a isso eu digo: o buraco é bem mais embaixo. 

Este Kiryu não está só buscando algo do qual sua contraparte original quer desesperadamente se livrar. No novo contexto, esse algo é muito mais concreto. O Dragão de Dojima, agora, é um título, outrora carregado por um boxeador lendário com uma imponente tatuagem de um dragão nas costas. Kiryu, que parece estar pouco se lixando para os destinos dos amigos que arrastou nessa presepada, faz um acordo com o chefe: ele se tornará um pugilista no subterrâneo de Kamurocho e, a cada vitória, ganhará o direito a fazer um pouco mais da mesma tatuagem. 

Eu gostaria de usar este trecho para ressaltar o quão absolutamente insano esse ponto do enredo é, mesmo fora do contexto dos jogos. No universo yakuza, as tatuagens, conhecidas como irezumi, são recheadas de simbologia e representam as ambições individuais de quem as carregam. Quando o Kiryu original tatuou o dragão, por exemplo, ele tinha o desejo de subir ao topo da cadeia alimentar (o que, no fim das contas, foi a pior coisa que poderia ter acontecido a ele). 

A decisão de fazer com que ele meramente copie a tatuagem de outra pessoa, sob essa ótica, é praticamente roubo de identidade. Imagino que a intenção tenha sido mostrar que esse Kiryu também idealiza a yakuza, tanto que ele mal consegue projetar uma ideia própria de si que não seja espelhar outras pessoas melhores, mas eu achei que acabou destacando outra coisa: o quão absolutamente babaca esse menino é nessa série.

O fato é que o Kiryu 2.0 é uma pessoa horrível. Não do jeito nuançado que o Kiryu que conhecemos é todo cheio de falhas, mas sempre tenta fazer a coisa certa; não, aqui estamos lidando com um completo canalha. 

Fica implícito que ele sabia o que estava fazendo com o roubo do fliperama e ferrou todo mundo pela própria meta, que ele nem sabia direito o que significava. Na cena da imagem acima, ele manda Kazama, a quem ele odeia sem muito motivo, socá-lo se for “pai de verdade” dele. Até o terno icônico dele foi roubado de uma loja depois de agredir um cliente!

Esse desvio absurdo da estrada na caracterização do nosso protagonista é o que erode a série inteira. CyricZ, um fã famoso na comunidade por escrever guias para cada jogo, resume o problema no X, antigo Twitter: “Se você pega uma série de jogos feita para imitar filmes de yakuza e tira a parte dos jogos, tudo o que resta é um filme de yakuza.” 

Eu ainda adiciono: se você tira a caracterização complexa de Kiryu e a troca por um moleque arrogante qualquer cego pelos próprios sonhos, tudo o que resta é uma fanfic mal escrita (e de fanfic eu entendo, porque escrevo por fora).

Tá mais pra fan “des”service

As mudanças não param por aí — porque claro que não. Por todos os seis episódios, somos apresentados a divergências de todos os tipos. Algumas são menores, apesar de incompreensíveis: por exemplo, Futoshi Shimano, o glorioso careca sempre caçando encrenca com os outros Dojima, agora tem cabelo, algo extremamente mal recebido pelos fãs (e por mim), inclusive porque o faz tão parecido com outros personagens que fica impossível identificá-lo em certas cenas. 

Outras já têm implicações muito maiores. A mais marcante é a completa aniquilação do enredo inteiro de Yakuza 0: a construção da Millennium Tower e a aquisição da terra necessária passam a ser um problema do ano de 1995, em vez da era da bolha econômica no Japão dos anos 80, que fazia muito mais sentido.

Como resultado, a história do querido Goro Majima também acontece mais tarde — e, diga-se de passagem, é muito malfeita e apressada. Apesar de apresentado como personagem principal pelo material pré-lançamento, o Cachorro Louco de Shimano tem um total de três cenas para si, e todo seu grande arco que os jogos detalham com tanto carinho parece ter acontecido quando a câmera estava desligada. Fica parecendo que ele só foi incluído por obrigação contratual, o que é uma pena.

A mesma sensação é passada pelas participações de vários outros personagens do jogo original. Por exemplo, Haruka Sawamura, a “menina de dez bilhões de ienes” (que não vale tudo isso na série, não), outrora motivação principal da narrativa, poderia ter sido cortada sem qualquer problema além da raiva dos fãs. De fato, pareceu que era isso mesmo o que iria acontecer — Haruka não apareceu uma única vez no marketing. Algo parecido ocorre com o detetive Makoto Date, que só mostra a cara de vez em quando para não fazer nada de muito útil. 

Várias outras novas ideias parecem que só querem bagunçar os eventos, como a decisão de fazer com que os dez bilhões roubados do Clã Tojo no original tenham sido tomados da Aliança Omi, mas acabam se conectando bem o suficiente aos novos arcos de personagem criados para a série. Contudo, algo que eu pessoalmente nunca vou aceitar é a introdução de um novo sub-enredo (em uma narrativa já cheia até a boca desses) envolvendo um serial killer misterioso que parece trabalhar com a yakuza. Virou Judgment, foi?!

Em geral, apesar de querer ousar, Like a Dragon -Yakuza- é um projeto 100% preso às expectativas do fandom, de maneiras que parecem profundamente desonestas — isso quando não está inventando moda demais. Seu material original muitas vezes invalida as melhores partes da fonte, tornando a experiência algo menor do que a soma de suas partes. Porém, nem tudo está perdido: eu ainda não falei da melhor coisa que a série faz…

E não é que passou no teste de Bechdel?

Da minha posição de fã, quando recebi a notícia da série, eu tinha apenas um pedido: que Yumi Sawamura se tornasse uma personagem de verdade. Apesar da moça mover muito do enredo do primeiro Yakuza, ela é praticamente uma casca vazia, um conceito e não uma pessoa; quando os escritores me aparecem em todo jogo insistindo que ela foi o primeiro e único amor de Kazuma Kiryu e implorando para que eu chore pela tragédia do casal, eu nunca compro essa ladainha.

É meu maior prazer anunciar que minhas preces foram atendidas. Para que a personagem pudesse ter uma presença maior, ela foi dividida em duas partes: a primeira tem o nome da original e segue o mesmo papel de amiga de infância e par romântico (apesar de eu ainda não ter sentido a química, mas fazer o quê).

Em vez de ficar sumida por toda a história enquanto faz algo de supostamente importante, só para ser fonte de um drama baratíssimo (e ouso dizer misógino) no final, a nossa nova Yumi tem agência, garra e participação ativa (a cena do primeiro episódio na qual ela se envolve em um tiroteio é cinema). Ela tem forte envolvimento físico e emocional com o novo conflito, que gira em torno da segunda metade da personagem: sua irmã mais velha, Aiko Sawamura, uma mulher atrevida e detestável que vive fugindo da família — isso quando não está tirando vantagem dela.

Separar o lado família e o lado esquivo da Yumi dos jogos foi uma decisão controversa entre os fãs, mas uma que, no final das contas, gerou duas personagens muito melhores e mais marcantes do que a única que tínhamos antes. Aiko em particular é uma joia rara na franquia: uma personagem feminina que é simplesmente uma pessoa horrível, de uma maneira que não é redimida facilmente, mas que ainda tem complexidade e uma bússola moral acinzentada. É tudo que eu queria que Yakuza 5 tivesse tido. 


Nessa mesma veia de desenvolvimento das personagens femininas, a série traz a irmã mais nova de Nishiki a um papel principal; nos jogos, Yuko sequer tem um rosto e só faz parte da história de fundo do rapaz. Aqui, agora sob o nome de Miho, ela compartilha ótimos momentos com os outros três protagonistas, de uma maneira que acentua também a caracterização dos envolvidos e aumenta, como um todo, a qualidade do aspecto emocional.  

Por fim, uma presença e uma ausência marcantes. Reina, a proprietária do bar Serena, tem um papel mais ou menos do mesmo tamanho do que sua versão original, mas agora é dona de um hostess club e chefe de Yumi e Miho, além de ter várias chances para demonstrar sua garra em face da yakuza — um papel parecido com o de Yayoi Dojima, matriarca da Família Dojima, que infelizmente foi cortada da série, mas protagoniza uma ótima sidequest no primeiro jogo.

O maior acerto de Like a Dragon -Yakuza- é algo que a franquia deveria ter mais: respeito e bons arcos às mulheres da narrativa, que não as reduzem a meros interesses românticos. Apesar das falhas do experimento, nem tudo deve ser jogado fora.

Kamuro-chocho


Like a Dragon -Yakuza- não é exatamente uma boa adaptação — e, mesmo como série, seus seis episódios são tão afogados em sub-enredos que imagino que a experiência seja difícil de acompanhar sem contexto prévio do material (e até para quem o tem, às vezes). No meio de uma busca cega por agradar aos fãs, contudo, ainda podem ser encontrados diversos momentos de brilhantismo original. Vale a pena ver, mas talvez só com amigos que tenham jogado os jogos e uma boa garrafa do álcool de sua preferência.

Revisão: Juliana Paiva Zapparoli


Jornalista formada pela PUC-SP e eterna apaixonada por videogames, especialmente aqueles japoneses de mistério. Sempre tem alguma redação gigante para escrever depois que zera um Yakuza.
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