Metal Gear Solid 3: Snake Eater, a primeira missão de Big Boss, completa 20 anos

O início da história da franquia de Hideo Kojima se tornou um marco para a indústria, apresentando uma jornada mais pessoal e emotiva.

em 02/11/2024
Metal Gear Solid se tornou um ícone dos videogames ao trazer uma experiência cinematográfica ainda nas limitações poligonais de 32 bits do primeiro PlayStation. Apresentando Solid Snake e companhia ao Ocidente pela primeira vez, o jogo rapidamente se estabeleceu como um clássico e referência para produções futuras.


O segundo título, lançado em 2001 para o PlayStation 2, decepcionou inicialmente o público ao substituir Solid Snake por Raiden em uma aventura cheia de reviravoltas, mas que acabou conquistando o coração dos jogadores com o tempo devido à sua premissa narrativa um tanto ambiciosa. O desejo de Hideo Kojima era encerrar a história nesse ponto, mas a Konami o incentivou a continuar.

Isso nos leva a Metal Gear Solid 3: Snake Eater, lançado em 2004 também no PlayStation 2. Desta vez, o controle passou de Solid Snake para Naked Snake, seu “pai”, explorando o primeiro evento cronológico que desencadeou acontecimentos futuros da série. Com uma narrativa mais contida na densa selva soviética, o título foi aclamado pela crítica e, até hoje, permanece como uma referência no gênero stealth.

Assim iniciou-se a Guerra Fria

Em vez de abordar missões em um futuro próximo, Snake Eater explora as origens dos conflitos que surgiriam mais tarde. Situado em 1964, no auge da Guerra Fria, a unidade militar FOX envia o agente da CIA Naked Snake à selva soviética de Groznyj Grad para resgatar o cientista soviético Sokolov, que desenvolve um tanque nuclear conhecido como Shagohod. Snake localiza e escolta o cientista por um tempo, mas é surpreendido por um evento inesperado.

The Boss, sua mentora e uma das auxiliares da missão, se volta contra ele, levando duas ogivas nucleares americanas para entregar ao Coronel Volgin e desertar para a União Soviética. Snake tenta impedi-la, mas é arremessado de uma ponte em uma correnteza, aparentemente sem escapatória.

Para piorar, Volgin lança uma das ogivas contra uma instalação russa, provocando uma crise internacional, já que o governo soviético interpreta o ataque como uma ameaça de guerra dos EUA após avistarem uma aeronave americana na área. Para evitar um conflito, Snake, que sobreviveu ao confronto na ponte, é enviado em uma nova missão três semanas depois com três objetivos: destruir o Shagohod, eliminar a equipe de Volgin e matar The Boss, seu objetivo principal, para impedir um conflito real entre os EUA e a URSS.

Em sua jornada, Naked Snake encontra figuras importantes para o futuro da série. Os destaques são Eva, uma agente dupla que o ajuda durante a missão, e um jovem Ocelot, líder da unidade Ocelot a serviço de Volgin, em início de carreira para se tornar uma das principais figuras antagônicas da franquia no futuro, pavimentando o caminho para Metal Gear Solid 4.

Explorando a natureza

O desenvolvimento de Metal Gear Solid 3 focou em criar um ambiente inédito para a franquia — saem as instalações inimigas industriais e entram a selva e a natureza. Essa mudança representou um desafio para a equipe de Hideo Kojima, que precisou desenvolver recursos de software do zero, criando uma ambientação detalhada e novos sistemas de colisão para lidar com o terreno mais acidentado em contraste com os cenários mais planos anteriores.

A ambientação não é apenas uma questão estética, mas redefine completamente a maneira de jogar Metal Gear. Snake Eater foi um dos primeiros jogos a incorporar elementos de sobrevivência no gênero: além de sobreviver aos confrontos inimigos, é preciso lidar com o ambiente em si. Além da barra de vida tradicional, temos agora uma barra de estamina, que deve ser recuperada com a caça de alimentos, como frutas e animais encontrados ao longo do caminho.

Outro elemento de sobrevivência é o sistema de cura, fundamental para tratar ferimentos específicos. Para-Medic, uma das auxiliares de Snake, o instrui sobre como lidar com lesões, mordidas de animais, ossos quebrados e envenenamentos, que podem ser tratados com pomadas, suturas, compressas e outros itens de primeiros socorros. Esse sistema de cura se adapta ao tipo de dano e reforça a necessidade de atenção constante à condição de Snake.

No campo de batalha, a experiência de Snake Eater também se destaca. Embora ainda seja uma campanha linear, o jogo oferece áreas amplas que exigem planejamento para evitar inimigos ou encontrar o caminho certo — sem o auxílio de um radar dessa vez. Para auxiliar na camuflagem, Snake pode ajustar sua roupa de acordo com o ambiente; por exemplo, uma pintura esverdeada ajuda a esconder-se no solo da floresta, enquanto uma camuflagem avermelhada pode ser mais adequada para construções abandonadas.

Além disso, a abordagem aos inimigos evoluiu. Em vez de apenas nocauteá-los ou quebrar seus pescoços, agora Snake pode iniciar interrogatórios para obter informações úteis. Esse recurso, ainda que menos complexo do que em títulos futuros, incentiva abordagens de combate corpo a corpo, especialmente no início da campanha.

A atmosfera intimista e solitária de um agente secreto em missão é reforçada não só pela jogabilidade e ambientação, mas também pela trilha sonora. Metal Gear Solid 3 não só mantém o legado musical da série, mas também introduz um tema de abertura cantado pela primeira vez: Snake Eater, interpretado pela poderosa voz de Cynthia Harrell (que também cantou I Am The Wind, tema de encerramento de Castlevania: Symphony of the Night). A canção se tornou um clássico instantâneo e é até hoje uma referência icônica no universo dos jogos.

O campo de batalha cobra a criatividade

Todo Metal Gear que se preze precisa de batalhas contra chefes cheias de diversão e das peculiaridades que nascem da mente de Hideo Kojima, e Snake Eater não é exceção. As batalhas são, em sua maioria, contra a unidade Cobra, grupo criado por The Boss, com um elenco peculiar e atormentado em seus ideais de guerra — todas bastante memoráveis, por bem ou por mal.

A primeira luta nos exige precisão nos controles para enfrentar The Pain, que controla abelhas de diversos tipos e formas. A batalha ocorre em uma caverna, exigindo que aproveitemos oportunidades para atacar quando ele abaixa sua armadura de insetos, cuidando para não sermos ferroados, com água e plataformas de pedra como possíveis abrigos.

Outro confronto marcante é contra The Fear, em uma área aberta repleta de armadilhas como buracos e troncos em movimento. O chefe utiliza uma camuflagem especial que o esconde no ambiente, mas drena sua estamina. Podemos não só usar um sensor de calor para encontrá-lo, como também enganá-lo a comer um cogumelo venenoso que encontramos, por exemplo.

Contudo, a luta mais memorável é contra The End, um exímio sniper e o mais velho dos Cobra — tão velho que está à beira da morte. O confronto se desenrola em quatro áreas abertas, onde devemos localizá-lo pelas pegadas e outros sinais, podendo levar minutos ou até horas. No entanto, há formas criativas de vencê-lo: podemos disparar contra ele em sua cadeira de rodas logo na primeira aparição, ou, caso salvemos o progresso e retornemos uma semana depois (ou ajustemos o relógio do sistema), ele morre de tanto esperar.

A técnica impressionante do PS2 e suas versões

O primeiro Metal Gear Solid empurrou os limites gráficos do PlayStation em construção poligonal, animação e efeitos visuais, enquanto o segundo refinou essa experiência com um acabamento mais fluido e polido, utilizando o poder do PlayStation 2 para entregar uma aventura em 60 fps. Porém, nada se comparou à ambição e ao detalhamento de cenário do terceiro jogo. A vegetação vibrante, a variedade de terrenos — lagos, rios, pântanos — e até as bases e casas soviéticas elevaram o nível em relação ao que Sons of Liberty apresentou. 

O trabalho de texturas também foi aprimorado, adicionando mais detalhes aos personagens, que antes tinham um visual mais “liso” e receberam acabamentos mais ricos na pele e nas roupas. Claro, tudo isso teve um custo: o jogo roda a 30 fps no PS2 (com quedas em cenas intensas) e depende de motion blur para suavizar a fluidez, mas, ainda assim, a imersão era altíssima para 2004 e continua impactante até hoje.

O único problema técnico que prejudica a jogabilidade é a câmera. Para manter a tradição da série, Kojima optou por ângulos fixos, que funcionavam bem em ambientes mais controlados, mas se mostram problemáticos nos cenários amplos de Snake Eater, especialmente contra chefes.

Isso foi corrigido nas versões subsequentes. A edição Subsistence para PS2 trouxe não só os primeiros Metal Gear de MSX ao Ocidente e extras como o modo online, mas também uma câmera em terceira pessoa totalmente controlável, aprimorando a jogabilidade. Essa inovação influenciou o sistema de câmera de Metal Gear Solid 4.

Mais tarde, em 2011, a Bluepoint lançou uma versão em HD para PlayStation 3 e Xbox 360, com resolução mais alta e 60 fps para Snake Eater, além de adaptações modernas para os controles. Essa versão foi portada para PC, PS4, PS5 e Xbox Series na Master Collection Vol. 1, lançada em 2023, mas sem grandes atualizações.

O jogo também foi lançado para o Nintendo 3DS em 2011, sendo a primeira vez que ouvi falar de Metal Gear, o que me motivou a buscar a versão original de PS2. No portátil tridimensional, a jogabilidade foi adaptada para os recursos do console, com mudanças para se aproximar de Metal Gear Solid 4, como a possibilidade de andar agachado.

Embora as adições fossem interessantes, como a criação de camuflagens a partir de fotos, o console não entregava uma taxa de quadros estável, raramente ultrapassando 20 fps. No New 3DS, o desempenho melhorou, mas ainda não existe uma versão definitiva baseada nessa edição.

"I give my life, not for honor, but for you"

Mesmo sem dar continuidade imediata à jornada de Solid Snake, Metal Gear Solid 3: Snake Eater tornou-se um sucesso gigantesco, tanto pela narrativa da série quanto como um jogo isolado. O título representou uma evolução significativa na jogabilidade em relação aos games anteriores e ofereceu uma experiência única, jamais replicada em continuações diretas.

Para mim, é um dos jogos favoritos de toda a vida, talvez o favorito. Foi o título que me introduziu a uma experiência mais narrativa, além dos títulos de ação e títulos licenciados que eu jogava aos 13 anos. Fiquei impressionado com a qualidade de tudo naquela época e, até hoje, descubro novos detalhes ao revisitar a primeira missão de Naked Snake. Sem dúvida, este é um clássico que merece toda a devoção que recebe, e que Metal Gear Solid Delta: Snake Eater, o remake programado para 2025, faça jus a essa obra-prima de Hideo Kojima e sua equipe.

Revisão: Davi Sousa


Estudante de enfermagem de 25 anos, está nesse mundo dos joguinhos desde criança. Fã de games com vibe mais arcade e arqueólogo de velharias, mas não abandona experiências mais atuais. Acompanha a mídia de podcasts, dublagem e ouvinte assíduo de VGM. Pode ser encontrado como @AlecFull e semelhantes por aí.
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