Análise: Sorry We're Closed é um survival horror queer que fala sobre anjos, demônios e amor

Com inspirações em Killer 7, Shin Megami Tensei e Silent Hill, a estreia da à la mode Games entregou uma experiência divertida.

em 21/11/2024
Desenvolvido pela à la mode games, Sorry We're Closed é um survival horror fortemente inspirado em clássicos da quinta geração de consoles. Entretanto, sua estética visual, temática de história e a forte presença de seus personagens queer garantem ao jogo uma identidade única. Será que sua jogabilidade o diferencia suficientemente de suas inspirações?

Um bairro demoníaco de Londres

No subúrbio de Londres, o enredo narra a história de Michelle, uma jovem que passou por um término abrupto de relacionamento. Tentando seguir em frente nesta nova fase de sua vida enquanto trabalha em um subemprego e tem poucas perspectivas para o futuro, ela acaba sendo misteriosamente amaldiçoada em uma noite de sono.

A entidade que lançou a maldição é conhecida como “A Duquesa”, um demônio com uma vestimenta digna de personagem de Jojo's Bizarre Adventure, que tem apenas um objetivo: ser amada. Michelle se opõe imediatamente à opressão da criatura e acaba recebendo uma característica da maldição, o Terceiro Olho — um olho mágico que surge em sua testa.

A partir daí, Michelle se envolve em uma trama de anjos e demônios, indo além de sua própria busca por liberdade. Em Sorry We're Closed, o jogador deve interagir com a população local, que é composta majoritariamente por demônios disfarçados de humanos. Essas interações podem ajudar a protagonista a solucionar dilemas ou atender a interesses próprios dos personagens. Essa característica de socialização é um diferencial para um survival horror.

Os personagens são quase todos interessantes de alguma forma, e é fácil se apegar a alguns deles, ou até desenvolver antipatia por certas figuras (o babaca do Darrel, principalmente). Estabelecer algumas dessas relações é crucial para determinar o final que obteremos. É uma pena que o texto não tenha sido traduzido para o português, especialmente porque o jogo exige um bom conhecimento de inglês (ou espanhol, que foi como joguei por um tempo) para uma compreensão mais aprofundada.

Quando não estamos conversando, estamos em busca de nossa liberdade. Precisamos obter outros três Terceiros Olhos de vítimas que acabaram se perdendo na maldição da Duquesa, visando enfraquecer a vilã. Para isso, passamos por dungeons no melhor estilo Silent Hill, com áreas cheias de backtracking, inimigos, alguns quebra-cabeças simples ao longo do caminho e ângulos fixos de câmera.

Estilhaçando corações

Para lidar com os inimigos, Michelle conta com três tipos de armas: um machado, uma pistola e uma espingarda. O sistema de combate é peculiar, pois não basta apenas mirar e descarregar balas nos demônios; a estratégia mais efetiva é utilizar o Terceiro Olho para localizar os pontos críticos dos inimigos.

Esses pontos fracos mudam de lugar conforme são atingidos, transformando a ação em uma espécie de jogo de ritmo, sendo que acertar todos os pontos críticos faz com que a maioria dos demônios seja derrotada instantaneamente. A dinâmica é divertida, mas perde eficiência quando há múltiplos inimigos na tela — o que, infelizmente, ocorre com frequência. A mira não é precisa o suficiente para lidar com várias ameaças ao mesmo tempo, e desviar de tudo acaba sendo a opção mais prática para evitar problemas. Além disso, a transição para a visão em primeira pessoa tem um leve atraso que atrapalha nessas ocasiões. 

As batalhas contra chefes seguem o mesmo princípio, com padrões específicos e o uso de uma arma especial que depende de uma barra de energia preenchida conforme acertamos os pontos críticos. Inimigos comuns morrem com apenas um tiro, enquanto os chefes exigem múltiplos acertos.

Apesar de cada dungeon ser única em termos de temática, estruturalmente elas são bastante simples. Os quebra-cabeças são fáceis de resolver, e o backtracking constante na coleta de itens-chave pode ser um pouco cansativo. O lado positivo é o jogo ser curto, e fato de os momentos de conversa ajudarem a quebrar a repetitividade.

Os aplausos que Sorry We're Closed merece ficam para sua ambientação, que é excelente. Embora não seja pesado no terror, o suspense e a sensação de opressão em locais perigosos são reforçados pelos cenários detalhados, que se tornam ainda mais interessantes com a mecânica do Terceiro Olho. Ao ativá-lo, podemos ver uma pequena área ao redor em duas dimensões diferentes, mudando consideravelmente a estética do local.

Um bom survival horror precisa de uma direção sonora de qualidade, e o título entrega efeitos e trilhas ambientais dignas de um Shin Megami Tensei. Para o meu gosto pessoal, a trilha sonora brilha nas batalhas contra os chefes, tendo músicas cantadas no estilo rap e hip-hop — uma escolha ousada para o gênero, mas catártica nos momentos decisivos.

A identidade visual de Sorry We're Closed também segue uma linha distinta para o gênero. A paleta de cores usa contrastes altos e toques de neon, destacando o design queer dos personagens. O jogo remete aos antigos títulos 3D, com baixa contagem de polígonos e texturas pixeladas, que se encaixam perfeitamente no clima de terror e bizarrice que a experiência oferece.

Desculpe, estamos fechados

Sorry We're Closed é uma grata surpresa deste ano, assim como TEVI foi para mim no ano passado. Fui esperando apenas uma mistura visual inusitada em um jogo de terror, e acabei gostando de acompanhar o drama de anjos apaixonados por demônios, tentando me livrar de uma maldição e compreender a visão de “amor” de cada um. Mesmo com alguns problemas mecânicos, fiquei satisfeito com a experiência e estarei de olho no que a à la mode games trará no futuro.


Prós:

  • Visual lowpoly que contribui não só na nostalgia, como também na estética bizarra das criaturas;
  • Ambientação bem planejada, tanto pelos ambientes quanto pelo som;
  • Trilha sonora com músicas que casam com momentos tensos e outros catárticos;
  • Ideia da mecânica de tiro com toques de ritmo é divertida;
  • História interessante, com bons personagens e uma vilã que tem presença;
  • Vários finais que dependem da nossa relação com os personagens e a atenção aos diálogos;
  • Representatividade queer extremamente chamativa e com muita personalidade.

Contras:

  • Apesar a mecânica de alvos críticos ser legal, as ondas de inimigos vindo ao mesmo tempo causa uma quebra;
  • A troca de visão para primeira pessoa poderia ser mais ágil;
  • Puzzles simples e backtracking constante acabam deixando a estrutura das dungeons repetitiva;
  • Ausência de tradução dos textos para português prejudicam a acessibilidade, especialmente num jogo carregado de diálogos. 
Sorry We're Closed — PC — Nota: 8.0
Revisão: Juliana Piombo dos Santos
Análise produzida com cópia digital cedida pela Akupara Games

Estudante de enfermagem de 25 anos, está nesse mundo dos joguinhos desde criança. Fã de games com vibe mais arcade e arqueólogo de velharias, mas não abandona experiências mais atuais. Acompanha a mídia de podcasts, dublagem e ouvinte assíduo de VGM. Pode ser encontrado como @AlecFull e semelhantes por aí.
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