Análise: Blasphemous 2: Mea Culpa expande e aprimora a mórbida peregrinação do Penitente

O Milagre providencia penitências gratuitas e pagas.

em 11/11/2024

Começo confessando uma blasfêmia: eu comecei a jogar o primeiro Blasphemous, mas não me empolguei em continuar. Por isso, quando Blasphemous 2 foi lançado, em agosto de 2023, não dei muita atenção. Foi apenas quando vi em fóruns de metroidvanias muitas menções de que era um dos melhores jogos do ano que passei a pensar que deveria tentar novamente. A expansão Mea Culpa pareceu uma ótima penitência para meu pecado.

Minha visão de agora é outra: percebendo um jogo mais dinâmico e mais estruturado como metroidvania do que o seu antecessor, ele merece os louros que recebe e também dicas para desbravá-lo. Como já fez antes, a desenvolvedora espanhola The Game Kitchen não ficou parada e continuou trabalhando no jogo para aperfeiçoá-lo e expandir sua criação ao longo do tempo.

Assim, temos agora uma atualização que traz dois pacotes de conteúdos: as novas áreas, chefes e arma da expansão paga Mea Culpa, que leva o nome da icônica espada do Penitente no primeiro jogo, e a revitalização gratuita de True Torment.



Uma mudança de rumo 

Os conteúdos adicionais do primeiro Blasphemous tiveram o grande incentivo de serem gratuitos, mas a implementação foi um tanto confusa. Parte do conteúdo extra estava associado a determinados pontos da história, o que significava que as pessoas que haviam jogado até o final teriam que recomeçar para poder aproveitar a novidade. Outra parte foi relegada ao Novo Jogo+, algo que é mais voltado a um nicho do público do jogo.

A recepção mista das expansões por parte da comunidade parece ter surtido efeito na The Game Kitchen e a desenvolvedora resolveu inverter a situação em Blasphemous 2: das duas adições, a maior é paga e pode ser acessada como um anexo ao jogo a partir de certo ponto, sem barrar quem já estava no final. Vamos conferir como é o retorno à penitência.



Como acessar Mea Culpa e o que há de novo

As áreas novas são fáceis de achar e podem ser acessadas relativamente cedo, nas Sendas dos Velórios, lugar onde ficam certos NPCs de melhorias e missões, além de uma muito conveniente sala de viagem rápida. Porém, não demora até encontrar a primeira barreira que exige o pulo duplo, habilidade obtida em torno da metade da campanha.

No fim das contas, Mea Culpa é melhor aproveitada quando já estamos perto do fim do jogo, evitando ficar avançando de pouco em pouco enquanto o Penitente ainda depende de novos aprendizados da história base.



Quem retornar ao local que descrevi nas Sendas, vai notar que o chão “sumiu”, levando a mais salas no andar de baixo. A da direita parece uma espécie de prisão, com grade no piso, por onde uma voz chama o Penitente. É Hilaria, uma pessoa incógnita que pede para ser encontrada. Ao lado está uma porta trancada, mas a chave está bem pertinho, na estátua de barro, permitindo a entrada à nova área, uma desolação gelada.

O Mausoléu Glacial monta a progressão em um vai e vem entre a superfície nevada e edifícios subterrâneos, apresentando novos inimigos que batem forte e representam desafio mais significativo do que as novas mecânicas de plataformas que devem ser ativadas alternadamente. Vale dizer que a chefa dessa área tem um dos visuais mais impressionantes do jogo e achei uma das mais divertidas de aprender e enfrentar.



Estranhamente, a música daqui sai do eixo, consistindo de vibrações ecoantes e atmosféricas que até podem encaixar na ambientação de isolamento tumular, mas destoam do caráter melodioso do restante do jogo e não me cativaram.

Já a segunda área, Santa Vigília, tem tema de alturas urbanas, contendo muita verticalidade com torres de edifícios no cenário de fundo. É bonito, mas acaba sendo um tanto prosaico, pois já vimos panoramas semelhantes no jogo base. O acesso se dá no lado oeste do mapa, a partir de dois pontos: Sepulcros Sagrados e A Torre Decepada. Basta pegar carona com o belo corvo gigante, mas o progresso mais a fundo fica condicionado a uma nova habilidade adquirida após concluir o Mausoléu Glacial.



Fora dessas duas áreas, a missão de Hilaria leva a muitos locais pré-existentes que foram expandidos, costurando o material novo de forma integrada e coerente, reforçando os motivos para revisitar os locais. Como um ponto positivo, tanto Santa Vigília quanto esses acréscimos trazem os trechos de plataforma mais desafiadores e fluidos do jogo.

O que muda em True Torment

Em portugês, True Torment foi estranhamente traduzido como Lídimo Calvário. Mesmo que deva ter sido baseado no original espanhol, Verdadero Calvario, a escolha por uma palavra que vai fazer todo mundo procurar em dicionário online me parece bem desnecessária. Sigamos em frente.

Logo de cara dá para notar pequenos detalhes, como uma ilustração atrás do mapa para reproduzir a paisagem da região, opção de textos em HD e a possibilidade de duplicar o arquivo de salvamento. Na parte da dificuldade, é possível apenas anular o dano recebido por armadilhas.

Como eu comecei a jogar a campanha alguns dias antes do DLC, pude perceber a mudança, como novos tipos de inimigos e locais que antes apareciam no mapa como becos sem saída e, agora, mostram passagens. Em geral, é difícil discernir o que vem com essa atualização do que é exclusivo de Mea Culpa, mas ambas trazem novas melhorias e mais locais e segredos para explorar.



E, claro, agora há um Novo Jogo+, com dois pontos principais. Primeiro, o formato desse modo causa estranhamento: em vez de recomeçar a campanha com todas as recompensas obtidas anteriormente, como de praxe, a nova modalidade True Torment deixa o Penitente de bolsos vazios mais uma vez, sem levar qualquer item ou habilidade consigo.

O segundo é que, além da dificuldade geral mais elevada, podemos ativar desafios opcionais que deixam a coisa toda ainda mais brutal, ao gosto do masoquista cliente. Enquanto essa ideia é boa, a primeira não foi tão bem recebida pelo público e até diminui um pouco da graça da expansão Mea Culpa ao barrar a ideia óbvia de querer jogar o NG+ inteiro em posse da nova arma adquirida, o que compensaria o fato dela ser obtida e melhorada a duras penas apenas no final do jogo.

Fica a sensação de que a espada Mea Culpa deveria ser mais aproveitada, algo que provavelmente será ainda mais sentido pelos apreciadores do primeiro jogo. A The Game Kitchen já respondeu às críticas afirmando que fará ajustes para tornar o NG+ mais parecido com o que houve no primeiro Blasphemous, mas ainda sem revelar o que pretende alterar.



O Milagre e a culpa

Com tanto conteúdo a mais, Blasphemous 2 se tornou uma obra ainda mais sólida e coesa do que já era em seu lançamento. Meus 97% de completude me renderam boas 27 horas e a vontade de tentar o primeiro jogo novamente.

O único aspecto do DLC que não me agradou foi a parca adição de chefes: três em Mea Culpa (sendo um deles apenas uma versão variante) e nenhum em True Torment. Se as lutas contra os grandes oponentes já eram algo esporádico na campanha base, o grande aumento das proporções contribuiu também com a sensação de demora entre esses momentos climáticos.



A história também não se beneficiou muito da ideia de expansão. Isto é, talvez as referências encaixem com o primeiro jogo, mas não se fazem interessantes por si sós. No entanto, a mesma crítica já valia para o jogo base, que tem muito mais sucesso em esculpir uma aura mórbida, profunda e inquietante do que em contar uma história marcante, então Mea Culpa não é exatamente um declínio narrativo.

A penitência continua

A expansão Mea Culpa não supera o que Blasphemous 2 já oferecia, mas o torna um jogo melhor e mais substancial, especialmente quando considerada em conjunto à atualização gratuita True Torment. Ambas foram costuradas organicamente à campanha, enriquecendo um todo belo, macabro e desafiador cuja maior aresta a aparar é a limitação do modo Novo Jogo+.



Prós

  • A expansão paga Mea Culpa adiciona novidades, especialmente as duas áreas inteiramente inéditas, contando com algumas novas mecânicas e dois chefes;
  • A expansão gratuita True Torment traz muito conteúdo gratuito;
  • Todos os acréscimos são bem colocados e organicamente integrados à campanha, dando motivos para revisitar locais passados;
  • Uma nova arma para somar ao arsenal versátil.

Contras

  • Os chefes novos são poucos, desproporcionalmente ao grande alongamento da área jogável;
  • A música ambiente cai no minimalismo apagado dos soulslikes, desviando das melodias marcantes do jogo base;
  • Na versão de lançamento, o Novo Jogo+ retira todos os itens e melhorias do Penitente, tirando parte do seu sentido;;
  • A história pouco tem a acrescentar.
Blasphemous 2: Mea Culpa — PC/PS4/PS5/XSX/XBO/Switch — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: PS5

Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Team17
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Admiro videogame como uma mídia de vasto potencial criativo, artístico e humano. Jogo com os filhos pequenos e a esposa; também adoro metroidvanias, souls e jogos que me surpreendam e cativem, uma satisfação que costumo encontrar nos indies. Veja minhas análises no OpenCritic.
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