Stranglehold — o Max Payne da Shopee

Em uma Hong Kong dominada pelo crime, um policial veterano luta para fazer justiça com as próprias mãos.

em 05/10/2024

Após o lançamento de Matrix em 1999, muitos jogos tentaram posteriormente implementar a mecânica de “bullet time” em sua jogabilidade, muitos foram bem sucedidos como Max Payne, que ficou conhecido por mesclar o tiroteio frenético com as seções em câmera lenta, já outros não tiveram o mesmo sucesso nessa execução e conseguiram apenas criar uma cacofonia em forma de videogame, e em 2008, Stranglehold foi uma dessas tentativas frustradas.

Uma continuação de um filme? Como assim?

Lançado para Xbox 360, PS3 e PC no final da década de 2000, Stranglehold tinha uma proposta um tanto quanto diferente, ser a continuação espiritual de Hard Boiled, (ou Fervura Máxima como ficou conhecido no Brasil) um dos filmes do renomado diretor de cinema John Woo.

Na trama do filme acompanhamos o inspetor Tequila Yuen (interpretado por Chow Yun-fat), um policial durão que está em uma missão para derrubar uma poderosa organização de tráfico de armas. Após a morte de seu parceiro em uma violenta troca de tiros, Tequila se torna obcecado em capturar o chefão do crime.


Hard Boiled ficou amplamente conhecido por suas cenas de ação coreografadas de forma estilizada e as marcas registradas de John Woo, como o uso de pombas nas cenas.

Dezesseis anos depois do lançamento do filme, surgiu-se a ideia de criar uma sequência para a história de Tequila, mas diferente do que os fãs esperavam, essa sequência não viria como um novo longa metragem, mas sim como um videogame.

A ideia tinha tudo para dar certo, já que a Midway e a Tiger Hill — estúdios que ficaram responsáveis pelo desenvolvimento do jogo — utilizariam a base de Max Payne para criar uma obra que fosse ao mesmo tempo divertida e fizesse jus ao filme de 1992. Mas como diz o ditado: na prática a teoria é outra.

Mais uma dose de tequila, por favor

Dez anos depois dos acontecimentos de Hard Boiled, Tequila está de volta a ação, e dessa vez com mais sangue nos olhos do que nunca. Nessa nova trama, o inspetor continua sua luta contra o crime em Hong Kong, enfrentando desde mafiosos a carteis de drogas.


O enredo começa monótono, digno de um filme da Sessão da Tarde, mas com o tempo ele começa a desabrochar e se mostrar até um tanto emocionante com suas reviravoltas. É fato que nem de longe essa é uma das melhores histórias dos videogames, e provavelmente você terá esquecido boa parte dela antes dos créditos terminarem de rolar, mas às vezes tudo o que precisamos é de uma história mais ou menos para finalizar o dia.

Como uma sequência de Hard Boiled, ele deixa muito a desejar, mas tem o seu charme se analisado como uma obra isolada. Toda aquela breguice de ação do final dos anos 90 é perfeitamente capturada aqui, fazendo Stranglehold ser quase uma máquina  de nostalgia para os que viveram a época do longa.

Seja estiloso ou passe raiva tentando

Mesmo sendo um projeto promissor, Stranglehold falhou em muitos pontos que o deixou caindo eternamente no abismo dos jogos esquecidos, e um deles sem dúvidas é a sua jogabilidade.

Diferente da maioria dos jogos do meio da década de 2000, Stranglehold não buscou inspiração em Gears of War, ou seja, ele não é um jogo de se esconder atrás do murinho e esperar o momento certo para atacar. Na verdade, ficar atrás do murinho é a única coisa que o jogo não quer que você faça.


Graças a câmera lenta, você constantemente precisará correr pelo cenário, se jogando de um lado para o outro enquanto enfrenta hordas de inimigos. Quanto mais estiloso você for em suas acrobacias, mais pontos serão obtidos, fazendo sua barra de bullet time ficar sempre cheia até que você perca o combo.

Mas é claro que nem tudo são flores, ou esse texto não estaria na coluna Blast from the Trash. Apesar da mecânica ser interessante à primeira vista, olhar mais de perto rapidamente mostrará seus problemas.

Mesmo tendo sido lançado sete anos após Max Payne, ele consegue ter uma jogabilidade pior, mais imprecisa, frustrante e exageradamente repetitiva. É nítido que os desenvolvedores não tiveram tempo ou orçamento suficiente para criar outras mecânicas, fazendo ele tocar o tempo inteiro na mesma nota e se tornando enjoativo depressa, mesmo sendo curto.

Em uma primeira jogada você facilmente levará quatro horas para chegar aos créditos, mas é bem provável que ficará cansado antes disso.

Outro ponto que torna nítida a pressa do estúdio em finalizar o jogo é o contraste entre alguns cenários. Em certos momentos somos colocados em templos extremamente detalhados e ricos em suas arquiteturas, já em outros somos jogados de qualquer jeito em docas que parecem ter sido tiradas de um jogo de PS2.

Na maioria das fases teremos sempre o mesmo objetivo: eliminar uma horda de inimigos e prosseguir para a próxima área, repetindo isso até o final da fase. Já em outras teremos que plantar bombas em alguns pontos específicos para demolir uma construção ou afundar algum barco.

O problema é que nas docas de PS2 o cenário é desnecessariamente confuso, fazendo você ficar muito tempo perdido andando em círculos até milagrosamente esbarrar no caminho correto. Para um jogo tão curto, ficar a metade dele perdido não é uma boa experiência.

Uma cacofonia de comandos


Como se já não fosse o bastante ter que lidar com os labirintos das docas de PS2 e ficar se jogando para lá e para cá tentando ser estiloso, os bugs também estarão lá para ser a cereja do bolo.

Stranglehold adotou em sua “filosofia de gameplay” o conceito de comandos contextuais. Dependendo de onde o personagem esteja posicionado no cenário, uma ação específica será realizada, seja ela deslizar no corrimão de uma escada, se pendurar em um lustre ou derrubar uma mesa para usar como cobertura.

Enquanto estamos nos acostumando com os controles é tudo muito confuso e é difícil não embananar com a quantidade de possibilidades que o cenário te dá, e é justamente por conta dessa vastidão de possibilidades que o jogo se confunde e acaba metendo os pés pelas mãos. Não vai ser raro você se pegar xingando a TV porque o Tequila simplesmente resolveu brincar de subir e descer o corrimão da escada.

Eventualmente você irá se acostumar com os problemas na jogabilidade e aprenderá a contorná-los, mas isso não quer dizer que eles não estejam mais lá.

É legal, mas vacila


Eu sou da filosofia de que o mel é mais doce quando você conhece o sabor do limão. Experimentar obras ruins é um ótimo exercício para apreciar mais os jogos bons de verdade. Jogar Stranglehold logo em seguida de Max Payne 3 me fez entender melhor o que faz um deles muito bom e o outro uma tragédia. Esse é um exercício que recomendo a qualquer amante de videogames.

Mas independente da procedência duvidosa das aventuras de Tequila, existe um charme oculto ali que se perdeu nos jogos de hoje em dia. Mergulhar nos confins do PS3 e descobrir esse jogo foi algo interessante, e se você, assim como eu, adora descobrir essas joias brutas, não precisará tirar a poeira do seu PS3 para isso, já que está disponível para PC na GOG e funciona muito bem em computadores modernos.

Então pegue sua última dose de tequila, recarregue suas pistolas e mergulhe em câmera lenta.

Revisão: Heloísa Ballaminut


Um “arqueólogo de games” que adora falar das gemas ocultas do mundo dos jogos, tem o PS3 como console favorito e ama um bom hack and slash. Mesmo apreciando os jogos modernos, não dispensa uma boa velharia obscura do tempo que videogame era movido à lenha. Segue o pai.
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