Análise: Starfield: Shattered Space acerta ao lançar luz sobre a misteriosa Casa Va’ruun

A primeira expansão do mais recente RPG da Bethesda é uma fácil recomendação para quem aprecia o jogo base.

em 15/10/2024
Preciso confessar uma coisa: Starfield, o aclamado e por vezes controverso RPG espacial da Bethesda Game Studios, é um dos meus jogos favoritos de todos os tempos. Embora eu não seja alheio aos seus problemas, fato é que poucas vezes me envolvi e me diverti tanto com um título como com o primeiro capítulo dessa nova franquia, que já nasceu grande e cercada de expectativas, dado o enorme pedigree de sua desenvolvedora.


Logo, quando Shattered Space foi anunciado, não contive meu entusiasmo, especialmente quando soube que esta primeira expansão lançaria luz sobre uma das facções mais interessantes do jogo: a misteriosa Casa Va’ruun (e seu planeta natal, conhecido como Va'ruun'kai). Após duas semanas, posso afirmar que este aguardado DLC entrega horas de diversão, mas não será capaz de converter descrentes em fanáticos pela obra da Bethesda, caso eles não apreciem o jogo base.

Adentrando a Casa Va’ruun

Uma vez que a expansão tenha sido adquirida, para iniciar Shattered Space é preciso fazer uma dobra gravitacional para um sistema no qual não existam missões ativas. Lá, o jogador receberá uma tentativa de contato — que também pode ser interpretada como um pedido de socorro — vindo de uma estranha estação estelar, chamada de Oráculo. 

O misterioso e incompreensível sinal é um convite à exploração, e ao entrar na estrutura não é preciso muito tempo para perceber que há algo muito errado com ela: entre cientistas mortos, sussurros audíveis e baixa gravidade, a única certeza é que algo não saiu como esperado, com os pouquíssimos sobreviventes sendo despidos de sua forma física e transformados em algo parecido com fantasmas.

Pouco a pouco, descobre-se que a Oráculo foi palco de experimentos mal sucedidos, que lançaram a estação em uma série de dobras espaciais aleatórias e terminaram por custar a vida da sua tripulação. Ao reinicializar o mainframe e normalizar a gravidade, é possível seguir a rota original da estação, que se desloca automaticamente a uma localidade desconhecida aos Sistemas Colonizados: Va'ruun'kai, o lar da Casa Va’ruun.

Em Dazra, capital e base da facção, o protagonista então se verá como a grande esperança de um povo que sofre com as consequências da ambição desmedida de seu líder Anasko Va’ruun, cujo experimento para estabelecer contato com o Grande Ofídio acabou implodindo metade da cidade no processo.

Para consertar os erros e salvar o futuro, é, no entanto, necessário que você se converta e integre definitivamente a Casa Va’ruun, tornando-se parte dela e de seus costumes — afinal, todos devem servir. Pronto para a missão, escolhido(a) pelo Ofídio?

O lar da grande serpente

Na prática, a estrutura e o desenrolar de Shattered Space se assemelham muito aos das campanhas de outras facções presentes no jogo base, como a UC Vanguard e a própria Constelação, no sentido de que o jogador é livre para escolher trilhar o caminho que desejar dentro das missões que lhe são oferecidas, sejam elas principais, sejam secundárias. 

Algo que vale ser mencionado é que não é necessário ter finalizado o jogo para embarcar na Oráculo (na prática, é possível inclusive começar o DLC logo após concluir a primeira missão do título), mas o recomendado é usar um personagem acima do nível 35, por conta do nível dos oponentes e da dificuldade de alguns combates.

Aliás, além dos fantasmas, é possível esperar novos inimigos que rivalizam com os Terrormorphs em questão de letalidade — uma clara resposta da Bethesda para quem buscava desafios novos em relação aos do jogo base. O constante flerte com o horror cósmico também proporciona alguns encontros e sequências bem interessantes, os quais certamente agradarão aos fãs de clássicos cult como Alien Isolation e Prey.

Avançar na missão principal de Shattered Space significa tornar-se Áspide (termo usado para denominar os iniciantes na doutrina religiosa) e, com isso, conhecer mais sobre a verdadeira Casa Va’ruun, que surpreendentemente não possui ligação direta com os temidos fanáticos, os quais rondam o universo atacando qualquer um que não venere o Grande Ofídio.

Pouco a pouco, descobrimos que a Casa Va’ruun é uma organização social um tanto quanto complexa, sendo conduzida por um conselho de três Casas independentes desde o falecimento de seu fundador Jinan Va’ruun, que, acredita-se, teria sido o único a ficar cara a cara com o Grande Ofídio no passado. 

Logo, na ausência de Anasko, seu descendente e líder do conselho que sumiu na implosão, tem-se instaurado o caos, amplificado por todas as consequências do acidente. Conciliar os interesses de todas as Casas, descobrir o verdadeiro paradeiro de Anasko e destruir a anomalia que orbita a cidade são as suas prioridades e um convite a mergulhar nessa cultura muito interessante, que acaba sendo uma crítica bem construída ao fanatismo religioso e aos impactos do poder desmedido.

Atendendo o chamado

Apesar das já citadas semelhanças, Shattered Space possui algumas diferenças consideráveis em relação às campanhas de outras facções, algo esperado dado o seu porte de expansão. A primeira — e talvez mais impactante — é que quase a totalidade da aventura ocorre em Va'ruun'kai, não sendo necessário em praticamente nenhum momento sair da lua para avançar na narrativa.

Essa escolha criativa rompe com a geração aleatória de pontos de interesse do jogo base (que foi alvo de muitas críticas) e acaba tornando o DLC uma experiência bem mais próxima dos outros trabalhos da Bethesda, como The Elder Scrolls e Fallout. É bem perceptível a autoralidade e o esmero no design das estruturas, dungeons e até dos diálogos presentes em Shattered Space, recompensando a exploração e o tempo investido do jogador.

Algo que ajuda bastante na imersão é a direção de arte: Dazra é absolutamente espetacular, visualmente falando, e o mesmo pode-se dizer das outras localidades de Va'ruun'kai, que aproveitam do já citado flerte com o terror para entregar uma experiência honestamente ímpar nesse sentido.

Starfield, pra mim, é um dos jogos mais bonitos da atual geração e este DLC eleva ainda mais essa característica, pois não foram poucas as vezes que parei em frente ao monitor para apreciar o que era exibido na tela. Parabéns aos envolvidos, que conseguiram dar ainda mais motivos para usar o modo foto do título.

Para o bem e para o mal

Agora, como nem tudo são flores, alguns problemas persistem desde o lançamento e precisam ser mencionados. A rotina dos NPCs, por exemplo, é algo que muitas vezes prejudica a experiência, com diálogos que se sobrepõem uns aos outros. O mesmo pode ser dito das eventuais movimentações atípicas, que resultam em travamentos e colisões inesperadas mesmo sem a interferência do jogador, evidenciando falta de polidez.

A duração do DLC e seu custo-benefício também podem gerar certo debate (ou polêmica, para quem esperava uma revolução), pois a história pode ser finalizada em torno de dez horas. Mas, entre novos e exclusivos equipamentos, vestimentas e finais alternativos que dependem das suas decisões, eu diria que há bem mais de um motivo para jogá-lo uma segunda (ou terceira, quarta, quinta…) vez em cada incursão pelo Novo Jogo+.

Isto porque, assim como o jogo base, Shattered Space tende a revelar as suas maiores surpresas de acordo com o envolvimento do jogador. Sem entrar no campo de spoilers, destaco aqui uma sidequest muito interessante sobre o Alzheimer e a Síndrome de Diógenes que só surgiu quando decidi conversar com um dos curandeiros (como são chamados os médicos da Casa Va'ruun) alocados na estação de saúde de Dazra.

A construção e o desfecho dessa missão foram impecáveis, mas seria muito fácil ter passado batido por ela caso eu não tivesse reservado tempo para investir na conversa com NPCs que, até então, eram meros figurantes. A verdade é que perceber esses pequenos e sutis detalhes prova que há mais de um motivo para a Bethesda ainda ser considerada uma das melhores contadoras de história e também desenvolvedoras de RPG do mundo.

Starfield tem seus problemas, especialmente por ter sido desenvolvido em uma versão aprimorada de uma engine antiga. Para o bem e para o mal, Shattered Space não muda isso — ao contrário da revolução, aqui temos iteração, que dificilmente converterá em fã aquele que ainda não se apaixonou pelo RPG espacial e suas diversas atualizações até hoje. Mas, para quem já conhece os caminhos dos Sistemas Colonizados e deseja novos lugares para explorar, completos com conteúdo relevante, é fácil desconsiderar os deslizes quando se depara com uma aventura divertida como esta.

Todos devem servir

Shattered Space acerta ao entregar uma expansão digna de um dos maiores e melhores mistérios de Starfield. Esta incursão pelo legado da Casa Va'ruun é uma acertada crítica ao fanatismo religioso que entrega ótimos momentos sob alguns dos mais belos visuais desta geração, os quais certamente agradarão aos fãs do RPG mais ambicioso da Bethesda até hoje. Então levante-se, Áspide, pois todos devem servir — esta jornada pelas estrelas continua e vale a pena vivenciá-la, agora como escolhido pelo Grande Ofídio.

Prós

  • Permite ao jogador explorar um dos melhores mistérios do jogo base, tornando-se parte integrante da Casa e cultura Va'ruun no processo;
  • O esmero no level design e no storytelling é certamente perceptível e bem-vindo;
  • Direção de arte primorosa, que confirma e reforça o status de Starfield como um dos jogos mais bonitos de sua geração;
  • Os novos inimigos e sequências de combate trazem novos desafios para quem deseja mais variedade na hora de trocar tiros (ou golpes) no espaço;
  • Múltiplos finais para mais de uma missão, bem como as novas armas e vestimentas a serem obtidas, aumentam o fator replay.

Contras

  • Os bugs na rotina e movimentação dos NPCs quebram a imersão e denotam falta de polidez;
  • A missão principal pode ser concluída em torno de dez horas, ou até menos dependendo do envolvimento do jogador, pondo à prova e gerando inevitáveis debates sobre o custo-benefício;
  • Mesmo com vários acertos, seu caráter iterativo não vai converter ou mudar a opinião de quem até hoje não se impressionou com o jogo base.
Starfield: Shattered Space — PC/XSX — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Vitor Tibério
Análise produzida com cópia digital cedida pela Bethesda Softworks

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