Desde o anúncio, uma névoa de ceticismo cercava a Bloober Team e o remake de Silent Hill 2. O primeiro trailer foi alvo de muitas críticas da comunidade, e até a Bloober se pronunciou sobre o assunto. Nesse contexto, o lançamento do jogo é, provavelmente, uma das maiores surpresas do ano. Contra todas as expectativas, os desenvolvedores conseguiram capturar a essência de Silent Hill com um jogo sombrio, assustador e focado no que torna essa franquia tão especial: o horror.
Entretanto, a excelência da equipe em reconstruir fielmente a cidade, os personagens e suas psiques instiga o jogador a querer mais. Os momentos que são idênticos aos da obra original são ótimos, mas é justamente nas cenas em que o projeto se diferencia que ele ganha mais brilho — embora, infelizmente, sejam poucas.
Em meus sonhos inquietos eu vejo…
Silent Hill 2 segue a mesma premissa básica do jogo de 2001. James Sunderland vai até a cidade após receber uma carta de sua falecida esposa, convidando-o para se encontrar com ela em seu lugar especial. Essa trama simples coloca em movimento as engrenagens que contariam uma das maiores e mais complexas histórias de terror da indústria.
No remake da Bloober, a estrutura da história, as cutscenes e os diálogos se mantêm em uma proporção quase 1:1, o que, para muitos, será um ponto bastante positivo, mas, para mim, não foi bem assim. Tendo terminado o original recentemente, eu esperava que o projeto de 2024 trouxesse um pouco mais de atualização na história, sem desvirtuar seu âmago, mas com algumas expansões que seriam bem-vindas no texto e em sua estrutura.
Uma das mudanças inerentes a esse tipo de remake é a nova dublagem, que, sinceramente, é bem superior à original. Aqui, o elenco escolhido pela desenvolvedora consegue expressar os sentimentos dos personagens sem serem caricatos ou exageradamente explosivos em cena. É uma pena que o texto não acompanhe, mantendo as reações quase inumanas dos personagens diante de situações de outro mundo.
Destaco, especialmente, a performance de Gianna Kiehl como Angela Orosco. A histeria em várias cenas do original foi transformada em uma Angela mais depressiva, introspectiva e quebrada — algo que, na minha visão, condiz muito mais com a escrita da personagem. James também ganha novos tons com a voz de Luke Roberts, que retrata de forma precisa um homem cansado, abalado e confuso.
Combate e Puzzle
Um ponto que gerava grande dúvida era o gameplay do jogo. Os trailers não pareciam apresentar uma ideia muito interessante de combate, e o original também tinha suas limitações, sendo elevado muito mais à condição de cult por seu roteiro e ambientação. No entanto, a grande surpresa é que o combate funciona — e muito.
Jogando na dificuldade mais alta, cada encontro com os monstros icônicos de Silent Hill se torna uma batalha de vida ou morte. Com um sistema de dash para desviar dos ataques, o combate aqui se assemelha a uma dança, lembrando até um pouco o clássico rolamento da série Souls. Os inimigos possuem padrões de ataque que não permitem que James saia simplesmente distribuindo golpes.
É necessário prestar atenção ao momento certo de desviar, atacar e recuar. Como a munição é escassa, na maior parte do tempo seus ataques serão focados no combate corpo a corpo. Até mesmo disparar as armas foi feito para ser uma tarefa desafiadora. James não é Leon; ele não é um agente treinado. Apenas mirar com a pistola já faz a câmera oscilar, dificultando a precisão, especialmente nos corredores escuros das casas e prédios.
Os puzzles trazem uma das melhores surpresas do jogo. Os desenvolvedores usaram os enigmas do original como base e criaram suas próprias versões inspiradas neles. Cada local que você reconhece está levemente alterado, com geografia diferente e ordem de acontecimentos embaralhada. Isso traz um frescor mesmo em ambientes familiares — exatamente o tipo de mudança que eu gostaria de ter visto em maior escala no remake.
Aquela cidade, Silent Hill
A ambientação opressora, misteriosa e melancólica de Silent Hill é uma das marcas registradas da franquia, e fico feliz em dizer que a Bloober conseguiu capturar, em sua essência, o que essa depressiva cidade fictícia no Maine representa. Com o uso de novas tecnologias, Silent Hill ganha o que talvez seja sua melhor versão.
Para além dos aspectos técnicos, é evidente o empenho da equipe de arte em tornar cada canto da cidade ao mesmo tempo assustador e melancólico. Logo no início, você se depara com lojas de flores abandonadas, bares, parques — tudo indicando que, um dia, houve vida ali. Agora, nessa versão distorcida, restam apenas névoa e solidão. O uso da névoa, que esconde perigos e segredos, está ainda mais opressivo, com certas partes onde é quase impossível enxergar um palmo à frente.
Esse cuidado também é evidente nos cenários internos, onde a escuridão é tão predominante que é difícil se orientar sem a ajuda da lanterna. Isso adiciona mais uma camada ao horror e à ansiedade, não só pela sensação de abandono, mas pelos perigos ocultos nas sombras. Aliado ao excelente design de som, cada rangido, passo e respiração aumentam ainda mais a tensão para James e para o jogador.
Uma das mudanças mais interessantes foi no comportamento dos monstros. Os Mannequins agora estão ainda mais perigosos e astutos. Diversas vezes, você os vê passando pelos corredores escuros, se esgueirando e se escondendo atrás de portas, em cantos escuros dos quartos, e até mesmo embaixo de camas — tudo para pegar o jogador de surpresa.
São exatamente essas expansões nas mecânicas que fazem meus olhos brilharem com Silent Hill 2. O projeto acerta em trazer um clássico para a nova geração, algo que parecia impossível, e é nesse sucesso que minha vontade de ver novidades é alimentada. O trabalho da equipe é sólido, e eu confiava que poderiam trazer seu toque ao projeto. Contudo, em 90%, o jogo é exatamente o que se espera: uma reconstrução passo a passo do original.
Agora, se reclamo que esperava mais do que foi apresentado, não posso deixar de mencionar o que perdemos. Apenas dez canções originais de SH2 sobreviveram ao remake, e boa parte delas é usada quase com receio. Principalmente na cena da escada com Angela, na qual o melancólico piano do reprise de "Theme of Laura" embalava uma das cenas mais depressivas da obra. No remake, a canção surge quase como um sussurro. Além dos cortes de várias faixas, o uso das músicas me pareceu excessivamente contido, mesmo contando com a produção do mestre Yamaoka.
Um clássico revitalizado
Silent Hill 2 coloca a Bloober Team em destaque por tratar com respeito e reverência um dos maiores clássicos de terror da indústria de videogames. Com um combate que mantém o jogador engajado e em constante tensão, uma ambientação que faz inveja a muitas versões da cidade, e um trabalho de som sublime, o projeto pode facilmente figurar entre os maiores remakes já feitos.
No entanto, como nem tudo são flores, faltou pouco para o projeto alcançar a grandeza absoluta. O uso limitado da trilha sonora e a falta de ousadia para adicionar algo novo, que conversasse com a obra e destacasse ainda mais a marca criativa da equipe, são alguns dos fatores que me impedem de chamar este remake de uma obra-prima. Mas quem diria que, neste projeto, minha maior crítica seria querer mais dele? De fato, inesperado.
Prós
- A ambientação é de excelência, trazendo uma das versões mais aterrorizantes e melancólicas de Silent Hill à vida;
- O novo elenco de dublagem dá um brilho a mais no texto do roteiro com interpretações que vão desde o sublime até o catártico;
- O combate é competente em criar uma tensão de vida ou morte, aqui o foco é sobreviver ao inimigo e não necessariamente eliminar todos;
- O trabalho de som é sublime, não seria impensável ver a produção ganhando prêmios por isso.
Contras
- Pouca inovação no projeto, os design de puzzles e locais diferenciados são um dos destaques, mas são tão pontuais que me deixam querendo sempre mais da Bloober;
- Não acho que a direção tomada com a trilha sonora faz jus ao trabalho de Akira Yamaoka no remake.
Silent Hill 2 — PS5/PC — Nota: 9.0Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Beatriz Castro
Análise produzida com cópia digital adquirida pelo próprio redator.