Análise: Metaphor: ReFantazio é uma fantástica e imersiva jornada para tentar ser rei

Mais do que um Persona de fantasia, o RPG oferece uma aventura envolvente por um mundo rico e repleto de mecânicas notáveis.

em 07/10/2024
Em Metaphor: ReFantazio qualquer um pode participar da disputa pelo trono de um grande reino. O novo título dos produtores de Persona oferece uma aventura RPG extensa que intercala combates táticos, criação de laços sociais e viagens variadas por um mundo elaborado e cativante. O jogo tem muitas das características de seus antecessores a ponto de parecer uma continuação com outro tema, mas um ritmo mais dinâmico e um universo intrincado de alta fantasia tornam essa jornada imersiva e imperdível.

Em uma disputa pelo trono de uma grande nação

A ordem do reino de Euchronia está em risco após o misterioso assassinato do rei, cujo filho faleceu muito jovem. O que ninguém esperava é que a morte do monarca ativou um feitiço determinando que será coroado como o próximo governante aquele que tiver o maior apoio do povo. Com isso, começa um torneio pelo país para decidir quem será o próximo rei em uma disputa acirrada e imprevisível.

No entanto, ao contrário do que todo mundo pensa, o príncipe está vivo, mas em sono profundo por causa de uma maldição lançada há dez anos. Nessa situação, um garoto da tribo Elda recebe a missão de encontrar uma maneira de quebrar o feitiço para que o rei por direito seja coroado. Para isso, ele decide entrar no torneio real para se aproximar de Louis, um general que pode ser o  responsável por amaldiçoar o príncipe.


A terra de Euchronia é composta por diferentes tribos, com forte preconceito e segregação racial. Os Elda são extremamente mal vistos, o que dificulta a missão do protagonista, mas ele conta com aliados valiosos: a fada Gallica; Stroll, um nobre cuja vila foi devastada; Hulkenberg, uma exímia cavaleira da guarda real; Heismay, um membro da tribo Eugief, que é alvo de escárnio por sua aparência de morcego; e outros. O grupo tem acesso aos Arquétipos, um misterioso poder que os permite enfrentar inúmeros perigos.

Pelo caminho, o garoto Elda conquista muitos com seu carisma e logo surge a vontade de criar uma nação livre do preconceito. As diferenças entre raças e classes é um dos temas centrais de Metaphor, sendo abordado em situações tensas e verossímeis com frequência. Há também pitadas de política, como o confronto velado entre a Igreja e os militares, que usam de seus recursos para tentar manipular o povo e o torneio. O jogo não se aprofunda em nenhum desses temas, mas a abordagem não deixa de ser interessante em uma trama com muitas reviravoltas.



Fora isso, há uma infinidade de indivíduos notáveis para conhecer, como a caçadora de recompensas Catherina, o vigarista de bom coração Alonzo e a melancólica orfã Maria. Os personagens são desenvolvidos por meio de inúmeras cenas que conseguem alternar bem entre seriedade, humor e tensão, apesar de alguns dos desenvolvimentos se concentrarem em estereótipos. De qualquer maneira, o elenco esbanja carisma e quando dei por mim, queria conhecer melhor cada um dos aliados.



Desbravando um universo recheado de possibilidades

Para ter uma chance de chegar ao trono, o garoto Elda e seus amigos desbravam o reino de Euchronia resolvendo missões, se fortalecendo e criando laços com diferentes pessoas. A aventura é estruturada em dias, com atividades que ocupam os períodos da tarde e da noite. Há uma infinidade de ocupações, como caçar monstros poderosos, viajar para vilas remotas em busca de itens, passar um tempo com amigos, cozinhar, ler, desbravar calabouços e muito mais.

Apesar de estarmos livres para escolher o que fazer, na maior parte das vezes há uma tarefa que precisa ser completada até determinado prazo — a aventura acaba prematuramente em caso de falha. Normalmente as missões principais envolvem atravessar calabouços perigosos, então é importante ter um grupo bem preparado para dar conta do desafio. Apesar do senso de urgência, os prazos costumam ser generosos, nos permitindo aproveitar com calma as possibilidades.


Um monarca precisa ser socialmente apto, e isso é explorado por meio de dois sistemas. As Virtudes são atributos sociais do protagonista, como empatia, coragem e criatividade. Muitas interações exigem níveis mínimos dessas qualidades, então é importante melhorá-las. Fora isso, existem os Seguidores, pessoas que criam laços com o herói. Conforme o relacionamento se aprofunda, vantagens diversas são desbloqueadas. Desta vez a mecânica é mais direta, bastando passar tempo com o indivíduo para subir de nível.

Para mim, o grande diferencial de Metaphor é a grande diversidade de atividades, pois há tanta coisa para ver e fazer que é raro um dia igual ao outro. Além disso, a liberdade nos permite aproveitar as opções no próprio ritmo, apesar da progressão linear da trama e dos prazos no calendário. Apreciei, em especial, os momentos de viagem dentro exótico veículo trotador encouraçado: a sensação de aventura e deslumbre é constante, e esses trechos encantam com interações divertidas entre os personagens, além de muitas surpresas pelo caminho.




Porém, a fórmula não é isenta de problemas. Apesar da aparente liberdade, a aventura aposta demais em um ciclo bem definido: o grupo chega a uma nova cidade, recebe uma tarefa com prazo e, nesse meio tempo, explora as regiões próximas completando missões paralelas. Após um tempo fica fácil perceber que as atividades são parecidas, às vezes só com pequenas variações, deixando as coisas um pouco repetitivas. Por sorte, os momentos de combate, exploração e elementos sociais são bem intercalados, o que diminui a sensação de estar fazendo as mesmas coisas.



Entre feitiços e Arquétipos em envolventes combates estratégicos

A terra de Euchronia é assolada por criaturas agressivas e por monstros imensos intitulados Humanos que os heróis enfrentam em combates por turnos focados em explorar fraquezas para adquirir ações extras. Ficar atento é essencial, pois rodadas são perdidas quando inimigos anulam ou escapam de ataques. Apesar de serem por turnos, os embates são ágeis com comandos distribuídos por diferentes botões e animações rápidas.


O grande diferencial de Metaphor são os Arquétipos, manifestações heroicas que funcionam como sistema de classes. Cada um deles tem técnicas e características próprias, sendo possível herdar habilidades, desferir técnicas combinadas e liberar versões mais avançadas das profissões. Há todo tipo de classe, como o espadachim-mágico Polímata, o Ladrão, o Clérigo e Cavaleiro, assim como opções exóticas, como o Comerciante, que usa dinheiro para atacar, e a Dançarina, cujos poderes mudam de acordo com a máscara equipada. É um sistema flexível, pois todos os personagens podem equipar qualquer classe já desbloqueada.

Os Arquétipos trazem uma flexibilidade estratégica sem igual aos embates, afinal a gama de opções e combinações é vasta. Experimentar e dominar as possibilidades é essencial, pois aparecem constantemente situações que nos forçam a pensar de maneira inteligente ou diferente. Em uma missão, por exemplo, os goblins entram em estado de fúria quando avistam um cajado, mas o fogo é sua fraqueza, então a solução foi herdar um feitiço flamejante do Mago.


Há vasta diversidade de tipos de inimigos que nos força a repensar a estrutura do grupo para dar conta do desafio — algo importante, pois normalmente qualquer deslize é fatal. O desafio varia entre banal e complicado, com algumas batalhas bem desafiadoras. Um ponto positivo é que podemos escolher enfrentar ou não a maioria dos monstros poderosos, e um recurso permite recomeçar qualquer batalha sem penalidade alguma.

Um detalhe interessante é que há um elemento de ação nos combates. Nos calabouços, podemos atacar inimigos em tempo real para atordoá-los e começar o embate na vantagem. O contrário também acontece, nos forçando a avançar com cuidado para não sermos surpreendidos. Por fim, caso o oponente seja mais fraco, ele é derrotado imediatamente sem necessidade de batalha. Embora simples, essas mecânicas trazem dinamismo à exploração e agilidade ao grind.


Inúmeros calabouços estão espalhados pelo reino, muitos deles opcionais. Explorá-los é divertido, afinal eles escondem tesouros e boas batalhas, mas logo eles se revelam um dos defeitos mais marcantes da aventura. Para começar, seus mapas são bem desinteressantes, consistindo basicamente de salas e corredores interligados.

Além disso, a variedade temática é limitada: prepare-se para atravessar cavernas e florestas visualmente e conceitualmente parecidas. As masmorras principais são mais elaboradas, e eu gostaria que o mesmo cuidado tivesse sido investido nos locais opcionais.

Mergulhando em uma realidade fantástica e instigante

Parte da imersão de Metaphor vem de seu universo de alta fantasia: o reino de Euchronia é ricamente construído, principalmente sua cultura, suas raças e suas localidades. Os personagens, em especial, esbanjam carisma, principalmente por apresentarem nuances curiosas — a jovem Hulkenberg tem um gosto peculiar por comida; Heismay não suporta insetos, apesar de ser um assassino letal; o vilão Louis é imponente e direto. Apreciei também o fato de o protagonista não ser silencioso, apesar de falar pouco.


A direção de arte é notável e impactante, como é de praxe dos trabalhos do estúdio. Os menus são exóticos, as transições são estilosas, os elementos da interface transbordam originalidade e os Humanos têm formas bizarras inspiradas no trabalho do artista holandês Hieronymus Bosch — o resultado é um pitoresco e incomum mundo de fantasia. A trilha sonora de Shoji Meguro, que mistura elementos orquestrados com toques religiosos e vocais que parecem cânticos, traz ainda mais identidade ao universo de Metaphor.


Apesar dessas qualidades, é difícil não se aborrecer com a qualidade gráfica do título. Texturas em baixa resolução, modelos simples e cenários visualmente pobres estão presentes por todos os cantos, trazendo uma atmosfera datada. Joguei no PC, em uma configuração muito acima da recomendada, e foi possível notar queda de fluidez em muitos locais. Não chega a ser um problema que compromete a experiência, mas esses pontos incomodaram em vários momentos.

De qualquer maneira, há muito conteúdo para explorar, em uma campanha extensa com duração aproximada de 80 horas, ou muito mais se você explorar o conteúdo opcional. Assim como os últimos lançamentos da SEGA, o jogo está completamente em português em uma ótima localização, com direito a adaptação pertinente de certos termos.



Uma experiência fenomenal

Metaphor: ReFantazio combina combates táticos, interações sociais e exploração em uma rica experiência por um peculiar mundo de fantasia. A flexibilidade proporcionada pelo sistema de Arquétipos incentiva a criação de estratégias variadas, enquanto a progressão estruturada em dias adiciona uma camada de planejamento que enriquece a jornada. Com tantas opções de atividades, desde missões paralelas até momentos de socialização, é difícil ter dois dias iguais.

No entanto, há algumas limitações. Embora a aventura ofereça uma ampla variedade de ocupações, a repetição de tarefas e a falta de criatividade em alguns calabouços opcionais tornam a experiência cansativa em certos momentos. Além disso, a qualidade gráfica inconsistente e a queda de desempenho são pontos que enfraquecem a imersão.

Ainda assim, os combates são dinâmicos e estratégicos, oferecendo um equilíbrio entre ação e planejamento, e os personagens são desenvolvidos de forma cativante, com personalidades variadas que trazem humor e drama às interações. Mesmo com algumas situações que caem no uso de estereótipos, o elenco brilha com momentos memoráveis, tornando as relações entre os heróis um ponto forte da experiência.

No mais, com uma campanha extensa e uma localização competente, Metaphor: ReFantazio oferece um RPG robusto e memorável. O título não chega a revolucionar a fórmula do estúdio, mas não deixa de ser uma experiência imersiva e envolvente.


Prós

  • Ciclo de jogo imersivo que mistura exploração, combate e atividades sociais;
  • Sistema de batalha rico e altamente estratégico;
  • Muitas opções de customização de personagens e times via Arquétipos;
  • Vasta gama de atividades para fazer e locais para visitar;
  • Trama interessante e com muitos personagens carismáticos
  • Mundo bem-construído;
  • Atmosfera notável com direção de arte impactante e ótima trilha sonora.

Contras

  • Apesar de ter muitas atividades, há uma leve repetição entre elas;
  • Design de calabouços limitado e desinteressante;
  • Visual com gráficos e elementos datados.
Metaphor: ReFantazio — PC/PS4/PS5/XBO/XSX — Nota: 9.0
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela SEGA

é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
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