Impressões: Worshippers of Cthulhu é promissor, mas ainda se encontra em torpor nas profundezas

Apresentando uma espinha dorsal bem executada, o título ainda precisa de mais conteúdo para conseguir expandir seus tentáculos com propriedade.

em 28/10/2024


O trabalho de H.P. Lovecraft chegou não só a inspirar alguns jogos, como Dredge ou World of Horror, como também serviu de base direta para certos títulos, como Call of Cthulhu ou Dagon: Complete Edition. A abordagem recorrente para ambas as formas, entretanto, é colocar o público no papel daqueles cuja vida acaba virando de ponta-cabeça diante dos famigerados horrores inimagináveis que eles encontram. Worshippers of Cthulhu, entretanto, subverte essa ideia e coloca o jogador do mesmo lado que tais entidades ancestrais.

Com uma proposta diferenciada em mãos, a maneira que o time da Crazy Goat Games aproveitou para colocá-la em prática foi como um jogo de estratégia, um gênero que já pode ser considerado uma especialidade da casa, uma vez que o estúdio conta com outros dois representantes no próprio portfólio, Republic of Pirates e The Dragoness: Command of the Flame.




Em Worshippers of Cthulhu, o personagem do jogador encontra uma ilha perdida no meio do nada, que conta com um portal de acesso às profundezas abissais onde vivem as aberrações do horror cósmico. Assim, ele estabelece uma espécie de colônia no local e começa uma seita de culto a tais criaturas.

A jogabilidade básica consiste em uma estrutura muito segura e tradicional ao gênero. Logo de cara, é necessário colocar de pé um escritório de construção e uma cabana de lenhador, que será responsável por coletar lenha, o recurso básico necessário para levantar outros edifícios, como as casas. Tais residências servem para alojar os desabrigados que chegam de tempos em tempos aos nossos domínios.




Com um teto, um ofício pode ser atribuído a esses novos seguidores do culto, o que faz com que todo o sistema social da ilha se inicie, já que matérias-primas, como a produção de cabras ou o cultivo de milho, fazem parte das necessidades dos cidadãos que precisam ser atendidas. Uma vez que os seguidores do culto se sentem felizes, eles renderão pontos de fé, que efetivamente serve como moeda do jogo, substituindo um sistema econômico mais tradicional.

É aí que as características de horror lovecraftiano veem espaço para estender seus tentáculos na jogabilidade. De tempos em tempos, é possível oferecer totens de sacrifício às entidades; tais totens rendem outro tipo de pontuação, os Eldritch Favors, pontos de Benevolência dos Antigos que podem ser utilizados também para levantar e desbloquear outras construções, sejam elas importantes para o ato do culto em si ou não.




Com o tempo, inclusive, os cultistas poderão passar por um processo de evolução, o que permite que eles desbloqueiem novas habilidades e possam trabalhar em funções mais elaboradas no culto, como extração de minério ou gado. A graça é que o tutorial vai apresentando essas características de uma maneira bastante suave ao jogador, um passo a passo muito bem construído e com uma curva de aprendizado bem agradável e adaptável.

Pontualmente, é necessário também resolver alguns dilemas que dependem da nossa suposta autoridade como líder do culto. Decisões banais, como decidir se os novos náufragos resgatados serão sacrificados ou convertidos em cultistas, por exemplo, em escolhas cujo resultado é indicado juntamente das opções — sem essa de tentar aprender qual é cada uma das consequências na base da sorte, tentativa e erro.

Para além dessa parte de gerenciamento, Worshippers of Cthulhu coloca um pezinho no RTS ao trazer algumas mecânicas distintas que o ajudam a se destacar no gênero de simulação, praticamente todas elas voltadas a elementos da sua temática de horror cósmico. A mais notável delas, de imediato, tem a ver com a possibilidade de invocar certos horrores e utilizá-los como artilharia em combates navais.




Com o monstrengo sob controle, é possível atacar navios transeuntes e pilhá-los, além de cooptar o que sobrar da tripulação, bem como invadir territórios alheios e proclamá-los para si, o que se desenrola em uma outra característica do jogo, que é a de formar colônias da sua própria colônia, por assim dizer, em um sistema de gerenciamento de múltiplas ilhas em simultâneo, sendo que alguns territórios serão mais propícios para a extração de certas matérias-primas do que outros — e todos esses recursos são compartilhados.

Nesse aspecto, há algum potencial de melhora no gerenciamento dos seguidores, visto que, depois do feedback da audiência, a Crazy Goat Games já começou a estudar esse espaço de aprimoramento. Inclusive, já houve uma atualização que permite a realocação dos fiéis entre as ilhas, então é um avanço.

Falando nos fiéis, há alguns pseudo-minigames, como a possibilidade de alterar a afinidade profissional dos seguidores através de uma sequência de marcação de símbolos ritualísticos na pele deles, bem como incendiá-los vivos ao toque de um botão, oferecendo-os como sacrifício a Cthulhu.




Cthulhu, inclusive, é uma divindade pouco paciente: há um medidor no topo da tela que representa a paciência do bichão. Realizar tarefas, sacrifícios e tomar certas decisões em seu nome fazem com que essa barra, que vai se esvaziando naturalmente com o tempo, se preencha novamente. Embora seja um elemento de desafio adicional, o time de desenvolvimento teve um tato muito bom em liberar que ele seja ligado ou desligado de acordo com a vontade de quem joga, permitindo a progressão no próprio ritmo.

Ainda assim, se você deixar de lado toda a atmosfera e temática, o que vai restar é basicamente um simulador de construção de cidade voltado a uma abordagem de controle religioso, nada realmente novo. Entretanto, não é como se esse estilo todo não tivesse seu charme e, mesmo não sendo uma ideia estritamente singular nessa proposta, a aplicação acaba sendo muito competente.

A questão é que, até o momento, a campanha principal está incompleta. Ela vai apenas até o capítulo 2, sendo que o primeiro tem mais a função de tutorial e introdução do cenário do que realmente fazer o jogador colocar a mão na massa na hora de comandar seu culto. Um modo sandbox, algo essencial para um simulador de gerenciamento, também está de fora desta versão em acesso antecipado.




Dá para ver que toda a espinha dorsal de jogabilidade básica já está formada, mas ainda falta espaço palpável para expandir e colocar à prova todas as possibilidades mecânicas do game. Segundo o roadmap, há previsão de atualizações maiores até o segundo trimestre do ano que vem, sendo que o supracitado modo sandbox chega até o fim de 2024, segundo o planejamento divulgado.

O que chama atenção em Worshippers of Cthulhu é que, mesmo em Early Access, os desenvolvedores não brincam em serviço. Uma das sugestões que originalmente seriam feitas ao longo deste artigo de impressões tem a ver com o balanceamento da utilização dos recursos por parte dos seguidores e como era um pouco complicado manter 100% das necessidades atendidas no intuito de evoluí-los a fim de permitir que eles consigam cumprir funções mais complexas na sociedade lovecraftiana sendo cultivada em nossos domínios.

Acontece é que esses problemas já foram prontamente identificados e, antes mesmo da publicação da matéria, já foram corrigidos em uma atualização rápida lançada no dia 25 de outubro. As correções em si parecem até simples, mas a agilidade com que os desenvolvedores consideraram e sanaram essas questões é um indicativo positivo de que as metas previstas no roadmap poderão ser tranquilamente cumpridas.




O título claramente ainda precisa de algum refino, mas é bom ver que os desenvolvedores estão empenhados em organizar esses pequenos elementos que fazem a diferença, em vez de simplesmente se voltar ao cumprimento das grandes atualizações e ignorar esses aspectos que têm uma função muito importante na manutenção da qualidade de vida de um jogo do gênero.

De um modo geral, Worshippers of Cthulhu é um simulador muito sólido no que diz respeito às suas mecânicas, carecendo apenas de opções de jogabilidade, como o próprio modo sandbox, imprescindível para o gênero, e o resto da campanha para além do capítulo 2. 

Revisão: Davi Sousa

É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
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