Crônicas de fogo e sangue
Final Fantasy XVI se passa no território conhecido como Valisthea, onde montanhas imponentes e cristalinas, chamadas de Cristais-Máter, são o lar de diferentes reinos, cujas nações foram fundadas a partir de suas propriedades mágicas, como a abundância de éter em seu entorno.
Como é de se esperar, a magia é fundamental para diversas atividades do cotidiano de Valisthea, sendo que os humanos capazes de manipulá-la são conhecidos como portadores. Infelizmente, ao contrário de ser algo bom, em diversos reinos, ser um portador significa ter a sua face marcada e ser condenado à escravidão desde o nascimento até a morte.
Além dos portadores, há ainda os dominantes, humanos capazes de assumir e controlar o poder de criaturas fantásticas conhecidas como Eikons. Em um contexto político delicado, em que a paz entre os reinos de Valisthea está sob constante ameaça, os dominantes acabam exercendo um papel fundamental na sociedade, seja do ponto de vista bélico ou diplomático.
Este é o caso de Joshua Rosfield, irmão mais novo e melhor amigo do protagonista Clive Rosfield. Joshua é o dominante da Fênix, o poderoso Eikon do fogo, e legítimo herdeiro (assim como Clive) do Ducado de Rosaria. Infelizmente, tais fatos o tornam um alvo valioso, e uma armadilha do Império de Sanbreque acaba custando a vida de Elwin, Duque de Rosaria e patriarca da família, e, aparentemente, a do jovem dominante.
Tendo falhado na missão de proteger o seu irmão mais novo e também o seu pai, Clive passa então a ser atormentado pelo seu fracasso na noite da tragédia. Para piorar a situação, quando encontrado com vida, o jovem guerreiro é cedido ao império como escravo pela sua própria mãe. Treze anos depois, o que lhe mantém vivo é o desejo de vingança contra os que encerraram a vida de Joshua e seu pai, mas o destino aos poucos lhe revelará uma missão muito maior e mais nobre, a qual impactará Valisthea como um todo.
Um jogo de tronos
O primeiro ponto que merece elogios em Final Fantasy XVI é a sua história: graças à bem-vinda inspiração em produções maduras como Game of Thrones (2011-2019), há tragédias, traições e reviravoltas suficientes para manter o jogador preso à tela e ansioso para descobrir o que está adiante na jornada de Clive.
O roteiro também é abrilhantado por alguns dos melhores personagens secundários que a franquia já viu: do mentor Cidolfus (cuja dublagem de Ralph Ineson é um show à parte) à parceira e interesse romântico Jill, passando por vilões como Benedikta Harman (a dominante da Garuda), é difícil não se afeiçoar aos personagens que conduzem a trama ao lado do jovem Rosfield.
Inclusive, aqui a riqueza narrativa é acompanhada por um recurso inovador que, de tão bom, deveria se tornar padrão em todo RPG: o sumário dinâmico. Durante uma cutscene, por exemplo, é possível ativar o recurso e ler uma pequena biografia sobre os personagens que estão na tela ou uma descrição sobre o local onde a cena ocorre, de modo bem similar ao Raio-X de algumas plataformas de streaming.
Como mencionado, Final Fantasy XVI possui uma trama envolvente, mas complexa, e ter esse recurso à disposição faz toda a diferença para que o jogador não se sinta perdido e, pelo contrário, se aproxime ainda mais da criação da Square. Claro, como estamos falando de um jogo de videogame, de nada adiantaria acertar em cheio na história e pecar na jogabilidade, mas, felizmente, esse é um outro ponto em que este décimo sexto capítulo acerta, apesar das polêmicas que cercaram seu lançamento original.
Ação a todo instante, com sequências espetaculares
A essa altura, já é sabido que Final Fantasy XVI ousou romper com o estilo tradicional de combate por turnos que consagrou a franquia, substituindo-o por embates espetaculares, repletos de ação em tempo real. Embora uma mudança radical como essa nunca fosse passar despercebida pelos fãs mais puristas, a boa notícia é que a aposta da Square funciona e não somente entrete, como oferece uma nova direção para o futuro da série.
Como mencionei em meu texto de impressões da demo, a assinatura do talentosíssimo ex-Capcom Ryota Suzuki (Devil May Cry, Dragon’s Dogma) garante ao título, desde o seu início, um sistema de combate divertido e de alto padrão, e a boa notícia é que ele vai ficando ainda melhor quando mais habilidades, principalmente as Eikônicas, são desbloqueadas.
Sim, seguindo o padrão da franquia, vencer confrontos (fáceis ou difíceis) concede a Clive pontos de experiência e também gils para comprar equipamentos melhores. Ao ocasionalmente subir de nível, além do natural aumento em stats como vida e defesa, também é possível acumular pontos de habilidade, que podem ser então usados em uma árvore de talentos própria para aprender e aprimorar movimentos, como uma investida em chamas ou a transcendência, que funciona de forma bem similar à fúria espartana de Kratos em God of War.
Algo bem legal é que a qualquer momento é possível redefinir todas as habilidades, recuperando os pontos investidos e os alocando novamente da forma que o jogador desejar, sem sofrer penalidades por isso. É um gesto simples dos desenvolvedores, mas que facilita a experimentação no sistema de combate e, assim como o sumário dinâmico, aproxima o público da obra.
Todas essas mecânicas são continuamente postas à prova em sequências de tirar o fôlego. Valendo-se do enorme bestiário da franquia, Final Fantasy XVI promove encontros e combates sinceramente sensacionais, especialmente entre os Eikons. Junte a isso uma das melhores trilhas sonoras da saga quando o assunto são as batalhas contra chefes, e o resultado é um espetáculo cinematográfico difícil de ignorar.
Talvez o único ponto realmente divisivo no que tange o sistema de combate seja a inclusão de QTEs — os polêmicos quick time events — em alguns confrontos, obrigando o jogador a apertar rapidamente um determinado botão ou tecla de tempos em tempos. Particularmente, não achei essa implementação algo negativo, mas entendo quem rejeita a ideia. Nesse caso, a boa notícia é que os QTEs não são frequentes e tampouco quebram o ritmo da aventura.
Por fim, vale mencionar que é possível jogar novamente todas as fases do jogo usando a Pedra de Areté, inclusive recebendo uma pontuação de acordo com o desempenho em combate. Sem dúvidas uma influência de Devil May Cry e outros jogos de ação similares, como Bayonetta, esse modo “arcade”, assim como o Novo Jogo +, aumenta o fator replay consideravelmente e é um bônus muito bem-vindo para os jogadores que, assim como eu, curtem ver tudo que um título pode oferecer em termos de combate.
Finalmente nos computadores, assim como todo o conteúdo adicional lançado até agora
Falando especificamente das características da adaptação de FFXVI para os computadores, há boas e más notícias. Começando pelas boas, há 21 parâmetros ajustáveis nesta versão, como a qualidade das sombras e da água; e a quantidade de NPCs nos esconderijos e vilas do jogo. Também há suporte a todas as tecnologias atuais de aumento de resolução, como XeSS, DLSS e FSR, sendo que essas duas últimas contam com suporte à geração de quadros em placas de vídeo compatíveis.
Além disso, há suporte completo a mouse e teclado (inclusive com mapeamento de teclas) e controles. Os donos de um DualSense também podem comemorar, pois as funcionalidades do dispositivo — cuja utilização em Final Fantasy XVI foi elogiada em nossa análise original — foram preservadas neste port. Junte a isso o suporte a taxas de quadros por segundo que superam em muito os 60 máximos alcançados pelo PlayStation 5 e temos aqui facilmente a versão definitiva do título da Square, ainda que existam alguns problemas.
Primeiramente, Final Fantasy XVI é muito exigente em termos de hardware, de modo que se o seu PC não está no mínimo próximo dos requisitos recomendados pela desenvolvedora, você certamente não terá uma boa experiência. Quando testei a demo, citei que o título carecia de otimização antes de seu lançamento completo, e essa afirmação continua verdadeira agora, após a sua estreia na nova plataforma.
Como exemplo, em meu PC com um Ryzen 7 5700x e uma RTX 3060 12GB, só consegui ter uma experiência realmente satisfatória em termos de qualidade de imagem e fluidez quando ativei o recurso de geração de quadros da AMD, mesmo em 1080p. Porém, para minha surpresa, ativar o frame generation desabilita automaticamente o motion blur — um grande problema na minha opinião, pois o borrão de movimento, embora sempre polêmico no PC, mascara bem o ghosting causado pela interpolação dos quadros.
A única solução para esse problema no momento de publicação desta análise é baixar e usar o mod gratuito FFXVIFix, que, além de possibilitar ativar o motion blur em conjunto com a geração de quadros, remove o limite de 30 quadros por segundo nas cutscenes e adiciona suporte a resoluções ultrawide, entre outras correções.
Honestamente, por mais que seja bom que tal mod exista, não deveria ser necessário baixar algo criado por um fã em seu tempo livre para corrigir uma proibição que, para começo de conversa, não precisava nem estar no jogo. A ausência de suporte a resoluções ultrawide (ainda que monitores assim sejam hardwares de nicho) também é notável e merece ser corrigida pelos desenvolvedores de maneira oficial.
No mais, mesmo com esses problemas pontuais, Final Fantasy XVI traz com sucesso a sua excelente experiência para o PC, onde continuamente se beneficiará das evoluções em hardware ao longo dos anos. Fazendo jus à sua exclusividade na “next-gen” ou “nova geração” (se é que ainda podemos falar isso quase cinco anos após a estreia do PlayStation 5 e do Xbox Series X), este é um título extremamente belo e que deve merecidamente figurar em inúmeros benchmarks futuros de GPUs e CPUs, assim como foi com a edição Windows de Final Fantasy XV.
Outra boa notícia é que os DLCs Echoes of the Fallen e The Rising Tide também chegaram ao PC com esta adaptação e podem ser adquiridos separadamente ou em conjunto, com desconto, por meio do Passe de Expansão, via Steam ou Epic Games Store.
Echoes of the Fallen pode ser jogado tanto antes quanto depois da missão final do jogo base e traz, além dos confrontos com alguns dos chefes mais imponentes da obra, bônus muito interessantes como a Buster Sword, espada de ninguém menos que Cloud Strife, e uma nostálgica faixa para o título. Já The Rising Tide leva Clive e sua equipe a uma nova região, onde descobrirão a história de um povo esquecido e seu Eikon, o Leviatã. Um de seus bônus é a arma Cortana, que jogadores de Final Fantasy XIV certamente reconhecerão.
Um título imperdível tanto para os novos quanto os antigos fãs de Final Fantasy
Final Fantasy XVI ousa ao oferecer uma nova direção para a lendária franquia da Square Enix e o resultado é um título imperdível que acerta em quase todos os aspectos cruciais. Agora em sua versão definitiva no PC, a jornada de Clive Rosfield ganha um novo capítulo que mesmo os deslizes pontuais no trabalho de adaptação não conseguem comprometer. No fim, tal como um certo Eikon do fogo, aqui está uma chama brilhante o suficiente para não ser apagada da memória (ou do SSD) facilmente.
Prós
- Oferece uma nova e divertida abordagem para a longeva franquia, preservando no processo aspectos cruciais para a identidade da saga, como a epicidade dos confrontos e a trilha sonora extraordinária;
- Apresenta aos jogadores uma história envolvente e cativante, abrilhantada pelo uso sábio de temas maduros como vingança e segregação;
- Possui um dos melhores elencos de personagens de toda a saga, com destaque para o mentor Cid;
- O sistema de combate ágil e as sequências espetaculares de ação, especialmente nos combates entre Eikons, promovem um show à parte em que é difícil largar o controle (ou o mouse e teclado);
- No PC, oferece a experiência definitiva graças aos recursos da plataforma, como altas taxas de quadros e maior fidelidade visual, bastando, para isso, que o hardware do jogador esteja à altura da missão;
- Os DLCs The Rising Tide e Echoes of the Fallen estão disponíveis para compra separadamente desde o Dia 1 no PC, adicionando horas de conteúdo para quem deseja mais da aventura de Clive.
Contras
- A inclusão de quick time events, ainda que esporádicos, tende a provar-se divisiva e polêmica;
- A ausência de suporte a resoluções ultrawide é uma omissão sentida e que precisa ser corrigida pelos desenvolvedores;
- Ainda carece de otimizações e correções adicionais, como a remoção do limite de 30 quadros por segundo em cutscenes, que não deveria precisar de um mod desenvolvido por fãs para ser implementada.
Final Fantasy XVI — PC/PS5 — Nota: 9.0
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Square Enix