Yakuza: Dead Souls — quando a máfia japonesa agora encara um apocalipse zumbi

Embora tenha algum valor, o spin-off da série Like a Dragon é constantemente esquecido, seja de forma deliberada ou não.

em 27/10/2024


Quem viveu a época vai se lembrar muito bem da euforia do apocalipse zumbi que acometeu o final dos anos 2000 e os primeiros anos da década seguinte. Era uma verdadeira infestação na indústria cultural, de filmes e seriados aos jogos, que tinham tanto representantes dedicados, como Dead Rising ou State of Decay, quanto aqueles que nada tinham a ver com a temática, mas queriam surfar nessa onda também, como o Zombie Mode de Call of Duty ou a expansão Undead Nightmare de Red Dead Redemption. E aí temos Yakuza: Dead Souls.

“Yakuza Vs. Zumbis” é um baita nome para um filme trash

Lançado exclusivamente para o PlayStation 3, Yakuza: Dead Souls é um spin-off que foge do estilo tradicional da série e se apresenta como um cenário hipotético, um what if. Nele, Kamurocho, o clássico distrito que é palco de vários dos títulos da franquia, é subitamente acometido por uma praga misteriosa que transforma seus habitantes em zumbis.

Diferentemente dos roteiros conspiratórios típicos da marca, Dead Souls explora algumas histórias mais simples e fragmentadas, uma vez que os capítulos do jogo decidem trazer um enfoque particular em quatro personagens históricos da série, que aqui agem como protagonistas: Shun Akiyama, Goro Majima, Ryuji Goda e Kazuma Kiryu.




Cada indivíduo do quarteto terá seu próprio motivo para se envolver no meio da confusão e, de forma prática, há uma abordagem muito interessante por colocá-los em um contexto bem distinto do qual estavam acostumados.

Akiyama, por exemplo, é o primeiro personagem cujo controle nós assumimos. Sua história, que se resume a salvar sua assistente, Hana, que acabou adoecendo no meio da crise, se apresenta como mais simples, uma vez que acaba servindo mais para que o jogador se habitue a este novo cenário e as novas dinâmicas do título do que realmente se emaranhar em uma trama mais elaborada que aproveite as possibilidades que o novo contexto poderia oferecer.




As coisas já esquentam quando Goro Majima entra em cena. Como era de se esperar, todo o caos seria um verdadeiro banquete para o Cão Louco de Shimano, que viu uma oportunidade de colocar para fora todo o seu instinto de violência enquanto ajuda Daigo Dojima a salvar os integrantes do clã Tojo ao mesmo tempo em que ambos tentam descobrir a origem da infecção.

Para complementar o elenco, Ryuji Goda, o rival de Kiryu cujo status de vida foi deixado ambíguo após os acontecimentos do segundo jogo, ressurge do anonimato com uma metralhadora acoplada no lugar de seu braço; o próprio Kazuma Kiryu, obviamente, não poderia ficar de fora. Vivendo afastado de sua vida na Yakuza e gerenciando o orfanato Morning Glory, o Dragão de Dojima precisa retornar a uma Kamurocho infestada após receber um telefonema de alguém alegando ter sequestrado Haruka, sua filha de criação.



Você sabia que o Japão exerce uma política rígida para porte de arma, né?

Ao contrário das iterações tradicionais da série, Yakuza: Dead Souls é essencialmente um shooter em terceira pessoa, remetendo bastante aos Resident Evil mais antigos. Isso se traduz em um sistema de mira e movimento bastante troncho, já que ele improvisa todo o trabalho feito na engine base dos títulos principais para o novo gênero em questão.

Na prática, há duas formas de conduzir o embate contra os mortos-vivos. O primeiro deles é disparar a arma de qualquer jeito, com o apertar de um dos botões traseiros do controle. Tal estilo é pouco preciso, sendo mais útil se a própria arma utilizada não exigir muita acurácia no seu manejo, como uma espingarda. A outra maneira é utilizar o “modo atirador”, que oferece mais precisão, mas o personagem simplesmente não pode se mexer no processo, ficando plantado no chão enquanto o direcional faz o trabalho de mira.




Nota-se que faltou um trabalho de pesquisa durante a concepção desses controles, já que esse sistema de cursor dessa postura de atirador é controlado pelo analógico esquerdo, seguindo na contramão de toda a abordagem da indústria para o gênero. Se ele seguisse um modelo mais tradicional nesse aspecto e a câmera fosse minimamente funcional, coisa que ela não é, a experiência de jogabilidade de Dead Souls seria lembrada pelos fãs de uma forma um pouco mais positiva.

Embora o combate corpo a corpo não seja a primeira opção, há alguns recursos clássicos, como a utilização de elementos espalhados pelo cenário que podem ser improvisados, como armas. As tradicionais Heat Actions, ataques especiais acionados como QTEs durante os combates, foram adaptados, como o Heat Sniping, que utiliza certas estruturas do ambiente como forma de aniquilar automaticamente um número considerável de inimigos na área, a exemplo dos tanques de gasolina nos carros ou andaimes carregados de vigas acima dos prédios.




Uma informação importante é que a estrutura do game está dividida em dois momentos distintos. Um deles envolve a área de Kamurocho fechada, em quarentena. O outro diz respeito ao resto do bairro, seguindo a vida quase como se nada estivesse acontecendo por trás dos muros enormes que foram erguidos pelo governo. Daí, o fluxo da campanha se alterna no vai e vem entre esses dois ambientes.

Embora ele acabe funcionando na ideia, outro problema apresentado pelo game é que é necessário atravessar um baita de um túnel subterrâneo quase todas as vezes que essa transição ocorre. Não há um desafio efetivo nessa pequena jornada, já que os zumbis são meio burros e não aglomeram tanto quanto acontece em Dead Rising, por exemplo, e é possível simplesmente passar andando entre eles numa boa; o problema reside mesmo no longo caminho a ser percorrido inúmeras vezes ao longo da campanha.




Efetivamente, é possível evoluir os personagens no intuito de deixar todo o progresso cada vez mais fácil, adquirindo, por exemplo, técnicas extras de combate corporal e de mira, ou ainda melhorando atributos específicos, como é o caso do número de slots do inventário ou equipamentos.

No que diz respeito ao resto de Kamurocho, ainda é possível aproveitar todas as atividades lúdicas presentes, como é o caso do Karaokê, sinuca, massagem ou clubes de hostess. As históricas secundárias, pequenas sidequests carregadas de história, também se fazem presente no game e se aproveitam sempre da criatividade da escrita do Ryu Ga Gotoku, que aqui se esbalda para brincar com as novas possibilidades trazidas pelo cenário de infestação zumbi.




Percebe-se que a própria Yakuza aparentemente deu uma trégua durante a crise, já que nunca foi tão tranquilo percorrer as ruas do bairro sem que haja algum grupo de inimigos fazendo alguma ronda e que impede pontualmente seu progresso. Os inimigos são todos zumbis ou variantes mutantes cuja horda vai ressurgindo indefinidamente; ou seja, não é possível limpar toda uma área antes de prosseguir. O jogo estimula que o jogador simplesmente vá avançando sem se preocupar com os bichos.

Yakuza “of the End” era para dizer que acabou mesmo (ao menos deste lado do globo)

Originalmente chamado no Japão de Ryu Ga Gotoku of the End, o desenvolvimento de Yakuza: Dead Souls também traz consigo algumas informações curiosas. A mais notória delas tem a ver com seu próprio lançamento, que foi vítima tanto da política da Sega para com a marca na época quanto de fatores externos.




Apesar de ter chegado às lojas japonesas em junho de 2011, a data em questão já é resultante de um adiamento devido ao terremoto que atingiu o país no começo daquele ano, algo que afetou toda a indústria midiática não só na questão de cronograma, mas também temática, já que o país passou por um período de maior sensibilidade no que diz respeito a produções que abordam desastres de grande escala como tema.

Indo um pouco mais para trás em sua produção, há registros de que Dead Souls teria iniciado seu desenvolvimento como um spin-off focado exclusivamente em Goro Majima, uma informação interessante se vista em retrospecto, considerando que Like a Dragon: Pirate Yakuza in Hawaii vem aí. Ou seja, trata-se de uma ideia que sempre ventilaram, mas que só conseguiram colocar em prática agora. Adicionalmente, a ideia por trás do game eram os yakuzas protegendo uma invasão alienígena em Kamurocho, mas foi trocada posteriormente para acompanhar a tendência da cultura pop naquela época com os apocalipses zumbis.




No Ocidente, o produto que até então era conhecido no Japão como Yakuza of the End também veio de maneira tímida num momento em que a série com certeza não era prioridade para a Sega, considerando que Yakuza 4 sequer tinha sido lançado em edição física por estas bandas.

Dead Souls, por sua vez, foi tratado como o último jogo localizado da franquia por aqui. Houve uma espécie de efeito cascata: o título vendeu tão mal que acabou pesando para a decisão da empresa de abandonar os lançamentos internacionais da marca. Yakuza 5 só chegou a cruzar o mundo porque a Sony decidiu assumir as rédeas do título até então exclusivo do PlayStation 3 — algo que só veio a acontecer três anos após o lançamento original, ressalta-se.  




Em estado latente, a marca só foi voltar a se expandir com Yakuza 0, que se tornou um sucesso inesperado para a Sega e acabou pavimentando o caminho de suas sequências notavelmente superiores. 

É um pouco irônico, porque Dead Souls era a principal aposta da empresa para uma penetração definitiva da marca fora do Japão, uma vez que que eles provavelmente imaginavam que a presença intensiva de armas de fogo na estrutura do game fosse suficiente para fazer com que o público finalmente se rendesse — isto é, é a percepção que realmente prevalecia no ponto de vista marketing da época. É só ver todo o imbróglio envolvendo a EA e a Grasshopper Manufacture no que diz respeito à produção de Shadows of the Damned, por exemplo. 




Tendo em vista tal contexto, em que o processo de localização era muito mais complicado e menos globalizado como o de hoje, quando era necessário torcer para que algum game chegasse em um idioma amplamente compreensível para a massa ocidental, é válido lembrar que outros quatro spin-offs da marca acabaram caindo do caminhão: Ryu Ga Gotoku Kenzan!, de 2008; Kurohyou: Ryu ga Gotoku Shinshou, de 2010; Kurohyou 2: Ryu ga Gotoku Ashura Hen, de 2012; e Ryu Ga Gotoku Ishin!, de 2014. Enquanto o último até se livrou de suas correntes e ganhou uma versão revisada para as novas plataformas, os dois primeiros permanecem esquecidos até hoje em algum porão da Sega.

Sobre Dead Souls, é difícil acreditar que ele vá receber qualquer tratamento posterior a fim de trazê-lo a um novo público, uma vez que Masayoshi Yokoyama, um dos principais responsáveis pela IP, já deu uma declaração de que uma remasterização ou remake do game dificilmente trará algum potencial de lucro, então a ideia acaba sendo descartada. 



Dead Souls faz jus ao próprio nome

Yakuza: Dead Souls é certamente uma abordagem que, embora pareça clichê dentro de sua época, já atolada de produções que tinham a ideia de um apocalipse zumbi como tema, ainda tem algum valor por conta de toda a competência narrativa que o Ryu Ga Gotoku consegue inferir à sua existência. A trama é interessante e é muito bacana ver toda a excentricidade da marca em uma situação completamente fora do seu escopo. O problema, infelizmente, reside no seu ciclo de jogabilidade e na precariedade notória de seus controles.

A despeito de suas qualidades e defeitos, o título segue um patinho feito na IP sob o ponto de vista corporativo. Enquanto vê seus colegas recebendo novas versões para outras plataformas e expandindo sua presença entre outros públicos, este spin-off permanece atado ao PlayStation 3 como um produto decorrente de sua era e nada mais do que isso.

Revisão: Davi Sousa

É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
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