Análise: Ynglet: o platformer abstrato e vibrante ganha contornos mais robustos com uma nova campanha

Um admirável jogo de plataforma experimental feito de linhas, cores, sons e movimentos fluidos e precisos.

em 22/10/2024

Ynglet foi criado por um veterano do meio dos jogos independentes, o sueco Nicklas Nygren, conhecido como Nifflas. Desde os idos de 2006, ele produziu e lançou freewares de plataforma 2D, como Knytt. Mais tarde, o jogo teve uma sequência mais completa sob o título de Knytt Underground, um parente dos metroidvanias que cheguei a jogar no PS3, mas não finalizei e gostaria de ver um possível relançamento nas plataformas modernas.

Digressões à parte, Ynglet é o mais novo jogo do desenvolvedor, que começou a ser concebido durante uma game jam em 2018 e alcançou o lançamento em 2021, quando ainda era um jogo curto, mas completo, inventivo e fascinante.



No ano seguinte, recebeu uma nova campanha chamada Mundo Bônus e, em 2024, o lançamento do jogo para mais consoles trouxe consigo ainda mais conteúdo gratuito: o Mundo Especial, já disponível em todas as plataformas. Assim, o game breve de três anos atrás tem hoje mais que o triplo do conteúdo original, aperfeiçoando o bom em excelente.

Os elogios se devem aos dois campos experimentais que arquitetam a obra: estética estonteante e gameplay inventiva de plataforma.



Há algo de abstrato no reino da Dinamarca

A palavra “ynglet” é compartilhada entre os idiomas escandinavos e significa as crias de pequenas criaturas aquáticas, como alevinos (peixinhos recém-saídos dos ovos) ou girinos. Embora seja sueco, Nifflas morou em Copenhague, na Dinamarca, e fez da cidade o cenário deste jogo.

Digo “cenário” de uma forma apenas alusiva, pois o visual de Ynglet é abstrato, isto é, não figurativo. Não temos as ruas da cidade ou prédios reconhecíveis. As referências estão no grande mapa da seleção de fases, as quais levam nomes de locais reais, como o forte Kastellet, o Botanisk Have e a comunidade independente de Christiania.



A criatura que controlamos até tem cara de peixe e tentáculos flácidos de água-viva. De resto, é tudo um monte de linhas e cores sugestivas, pulsantes e vivas, com traços que brotam e florescem, como se fossem um Kandinsky mais limpo, ou como algo inspirado em um sumi-ê digital em movimento com uma pitada de flOw, da thatgamecompany.

Também parece algo visto em lâminas no microscópio, com o fundo pálido, a miríade de coisas desconhecidas se mexendo com vida ou apenas fluindo no espaço. Essa viagem toda tem os pés firmes na gameplay, expressando com clareza o level design e o papel de cada elemento, sem confundir o que é interativo com o que não é.



Se eu fosse mudar algo, daria mais variedade à paleta de cores de fundo para tornar os locais mais distintos entre si. Além disso, a navegação pelos cenários de seleção de fases parece feita a esmo, então seria bom que tivéssemos a opção de fazer isso por meio de um menu.

É o tipo de jogo que é melhor ver em movimento do que tentar entender uma descrição, então veja alguns GIFs e o trailer ao final no texto, sabendo que sim, toda essa estrutura de formas abstratas funciona bem como jogo de plataforma.






Como pode o peixe vivo viver fora da água fria?

“Fluir” é uma palavra-chave em Ynglet, pois nossa protagonista parece nadar em líquidos, entrando e saindo de grandes bolhas de líquidos. Mesmo que a movimentação livre nos eixos vertical e horizontal faça parecer que a visão é de cima, na verdade a ação ocorre lateralmente e é submissa à gravidade: sair de uma massa líquida leva à queda, a não ser que se tenha velocidade suficiente para o impulso levar até a próxima “ilha” de água.

Dessa forma, a plataforma não tem pulo, fazendo uso apenas do nado e da inércia para atravessar o ar em direção ao próximo lugar seguro, até o fim da fase. É claro que há outras mecânicas que tornam as coisas interessantes, como trilhos de trem que nos carregam, barreiras elásticas para nos rebater em ângulos vantajosos e paredes perigosas. Elementos diferentes também têm efeitos diferentes quando usamos a habilidade de investida neles.



A composição tranquila e intuitiva dessas mecânicas faz as travessias se tornarem quebra-cabeças psicodélicos que fazem uso do raciocínio e da física para serem vencidos. Isso não quer dizer que sejam particularmente difíceis, mas vários trechos me exigiram muitas tentativas até acertar o movimento.

Não há morte, pois a falha nos leva a uma queda em loop que logo retorna ao ponto de partida anterior, sem nenhuma interrupção. Alternativamente, basta apertarmos um botão para reverter ao ponto de checagem anterior, redesenhando todo o cenário ao nosso redor como se fosse o mundo, e não nós, que voltasse à posição inicial.

Os pontos de checagem, por sinal, são muito práticos, pois a maioria das nossas “bolhas líquidas” pode servir dessa maneira. Basta ficarmos um pouco parados em uma delas para o jogo registrar aquela posição.



Para deixar as coisas mais interessantes, há alguns colecionáveis para encontrar em cada fase, o que representa mais oportunidades para puzzles, investidas e ricochetes bem direcionados.

Na campanha principal, chamada Mundo da História, há apenas oito estágios, intercalados por pequenos segmentos de uma tela só que, a princípio, pareciam servir apenas para ensinar uma mecânica, mas os últimos são um pouco mais elaborados.

Ao completar essa parte, desbloqueamos um modo de minigolfe. Não passa de um extra tridimensional e minimalista, cuja única semelhança com o jogo principal é a física do movimento de investida, sem ostentar a arte efusiva e os seres de formas abstratas.



Para além disso, desde o início é possível acessar separadamente mais duas campanhas de desafio diretamente pelo menu principal: os já mencionados Mundo Bônus e Mundo Especial, que realmente são mais cabeludos e testam as habilidades aprendidas.

Eu gostei da campanha base, mas, ao avançar pelo Mundo Bônus, a sensação é de que aqui é onde as coisas realmente começam a ficar complicadas — no bom sentido. As mecânicas de Ynglet são exploradas com mais precisão em níveis focados em superar a travessia, sem colecionáveis para procurar, com ótimo resultado de desafio-satisfação.

Só no Mundo Bônus são 23 novas fases, tornando Ynglet um jogo muito maior do que era em sua estreia. Ainda não concluí o Mundo Especial, que vai na mesma direção de expandir as possibilidades com diferentes combinações das mesmas ferramentas de antes.



Vai nadando, contornando a imensa curva norte-sul

Abstrato, belo e desafiador, Ynglet une plataforma, puzzles, física, música dinâmica e explosões de cores para pintar uma experiência vibrante. É uma obra de arte que sabe tirar proveito das linhas simples para estética e gameplay aprofundadas. No lançamento original, era um jogo curto, mas as duas campanhas extras adicionadas fazem dele uma jornada muito mais duradoura e instigante.



Prós

  • A física funciona para fazer uma experiência de plataforma diferente e efetiva;
  • Uma proposta estética vibrante e delicada, sem cair na extravagância;
  • O jogo original está muito maior com os muitos estágios gratuitos adicionados em duas campanhas, tendo a segunda delas sido lançada na época desta análise;
  • A música integra os efeitos sonoros de forma dinâmica, reagindo aos comandos e à ação em um todo orgânico e prazeroso;
  • Há várias opções de acessibilidade.

Contras

  • As fases mais amplas podem fazer com que alguns poucos momentos tenham uma navegação labiríntica;
  • A seleção de fases pelo mapa é pouco prática e seria melhor haver opção de fazer isso por um menu;
  • Faltou maior variedade de elementos para que a arte visual atingisse todo seu potencial.
Ynglet — PC/PS5/PS4/XSX/XBO/Switch — Nota: 9.0
Versão utilizada para análise: PS5

Revisão: Ives Boitano
Análise produzida com cópia digital cedida pela Akupara Games

Admiro videogame como uma mídia de vasto potencial criativo, artístico e humano. Jogo com os filhos pequenos e a esposa; também adoro metroidvanias, souls e jogos que me surpreendam e cativem, uma satisfação que costumo encontrar nos indies.
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