Análise: Until Dawn traz de volta um ótimo jogo narrativo numa roupagem audiovisual debatível

Originalmente desenvolvido pela Supermassive, o clássico do PS4 recebeu um remake na Unreal Engine 5.

em 16/10/2024
Nos últimos anos, a Sony vem sofrendo com os longos períodos de desenvolvimento dos seus jogos AA, um problema que afeta toda a indústria. A geração do PlayStation 5 ainda carrega o estigma de não ter provado a que veio, e para evitar grandes lacunas entre lançamentos da casa, a empresa tem investido em relançamentos. Muitos desses são vistos pelo público como desnecessários — enquanto um certo soulslike muito pedido continua relegado ao PS4.


Until Dawn está no meio do caminho desse julgamento de necessidade. Desenvolvido pela Supermassive, ele foi lançado em 2014 para PlayStation 4 como um dos primeiros grandes sucessos da plataforma e alcançou um prestígio considerável. Agora, em 2024, o título ganhou um remake pelas mãos da Ballistic Moon, utilizando a Unreal Engine 5 e com leves alterações que sugerem mais ambição do que apenas trazê-lo para plataformas atuais. Mas será que esse trabalho era necessário?

Eu sei o que vocês fizeram no ano passado

Durante as férias de inverno de 2014, dez jovens decidiram passar um tempo em um chalé na Montanha de Blackwood, no Canadá. Tudo parecia tranquilo até que, como brincadeira, fizeram um trote com Hannah, uma das adolescentes, que estava apaixonada por um rapaz. Abalada, ela fugiu floresta adentro em pânico, fazendo sua irmã gêmea, Beth, ir em sua busca, mas ambas foram perseguidas por um ser. Encurraladas no topo de um penhasco, elas acabaram caindo e são dadas como desaparecidas.

Um ano depois, os oito adolescentes restantes retornam ao chalé com o mesmo propósito. No entanto, o que parecia ser outro encontro pacífico rapidamente se transforma em um pesadelo. O grupo se separa e enfrenta uma série de ameaças, incluindo criaturas, maníacos e eventos sobrenaturais. Agora, eles precisam sobreviver até o amanhecer enquanto desvendam o mistério por trás dos acontecimentos na montanha, numa verdadeira homenagem a clássicos de terror slasher.

Controlamos os oito personagens em diferentes momentos. A história segue de forma linear, e nosso papel é explorar os cenários em busca de itens colecionáveis, como pistas que nos ajudam a entender a narrativa maior; totens que nos dão premonições sobre futuros eventos; e objetos que podem nos auxiliar em situações críticas.

A principal mudança mecânica em relação ao original está na câmera. Antes, ela era fixa em pontos específicos, criando uma atmosfera cinematográfica; agora, embora ainda haja momentos assim, a câmera fica posicionada atrás do personagem na maior parte do tempo. Isso facilita a busca por objetos escondidos, mas torna os problemas de controles travados mais evidentes, especialmente durante a troca de ângulos de câmera e em colisões.

Durante as cenas, tomamos decisões (geralmente entre duas opções), realizamos Quick Time Events (QTE) em momentos intensos e miramos armas em situações específicas. Em situações que exigem calma, somos apresentados a um minigame em que precisamos manter um marcador em uma área segura, exigindo atenção constante. No controle do PS5 (e no original do PS4), essas mecânicas utilizam o sensor de movimento, enquanto no controle do Xbox, que foi onde joguei, apenas o direcional analógico é utilizado.

Para reforçar a sensação de que nossas escolhas têm consequências, é importante prestar muita atenção nas decisões tomadas. O jogo apresenta o conceito do efeito borboleta, em que certas escolhas podem causar mudanças drásticas no rumo da história, oferecendo um incentivo para rejogar a campanha e alterar os eventos.

Vale ressaltar que essa foi minha primeira experiência com Until Dawn, e foi interessante perceber que muitos dos elementos que aprecio nas produções mais recentes da Supermassive já estavam presentes aqui. A atmosfera de terror é muito bem construída, as interações com um “narrador” envolvido na história e os colecionáveis, que enriquecem a trama, já faziam parte desta primeira empreitada da desenvolvedora no gênero e continuam eficazes até hoje.

Bate as asas da borboleta

As mudanças feitas pela Ballistic Moon se concentram mais na parte técnica geral. Os modelos de todos os personagens foram trocados, os ambientes receberam uma nova iluminação focada em cores quentes e mais realistas, e os cenários que visitamos estão mais detalhados. A Unreal Engine 5 faz o trabalho de sombras e luz de forma impressionante, atualizando um game de 10 anos atrás como se fosse algo lançado na geração corrente.

Contudo, essas alterações não afetam as animações. Os momentos de ação são acompanhados de movimentos pouco realistas, ciclos de animação com transição pouco naturais acontecem com frequência durante as partes de exploração, e os movimentos faciais criam um contraste esquisito com os modelos mais realistas. Fui me acostumando com esses detalhes devido ao ótimo trabalho de imersão e clima, mas são fatores que datam a produção.

Outra alteração polêmica está na trilha sonora, que foi completamente modificada. Embora o tom geral tenha sido preservado com as novas faixas, as músicas licenciadas, que seguem uma linha mais pop, não se encaixam tão bem nas cenas, especialmente no caso do tema principal, O’ Death, que foi substituído por Out of the Shadows, que definitivamente não possui o mesmo peso.

O trabalho de mixagem, que deveria já receber atenção antes, continua bastante problemático. Efeitos sonoros e músicas acabam se sobressaindo às vozes, me fazendo passar um tempo alterando volumes no menu, e mesmo assim não consegui deixar da maneira ideal. 

Outra observação é que Until Dawn foi dublado em português lá em 2014, e o mesmo trabalho foi trazido de volta, e temos uma situação bem específica aqui. A dublagem em videogames era relativamente nova na época, mas o desempenho de atuação e direção já era muito abaixo de outros exemplos do mesmo período, e fica ainda pior em 2024. Por outro lado, as atuações fora do tom acabam ajudando na ambientação de filme B de terror, o que pode pegar muitos jogadores positivamente — a mim, realmente incomodou.

O remake também apresenta falta de polimento técnico, especialmente na versão para PC. Funções como ray tracing, DLSS e escala de renderização simplesmente não funcionam corretamente, e as configurações muitas vezes não são salvas após reiniciar o jogo. Além disso, há quedas de fps e carregamento lento dos modelos durante transições de cena. Para piorar, ainda podem ocorrer situações que interrompem o progresso em determinadas partes, prejudicando a experiência.

Passei por uma situação de quase softlock no último capítulo. Comecei a sessão de uma das personagens caindo além dos limites do chão, parando em um subsolo com paredes sem colisão. Felizmente, consegui sair desse "limbo" ao ativar um prompt de interação que, por sorte, iniciou uma cena e me colocou de volta no lugar correto.
Um momento que fiquei realmente apavorado (de perder meu progresso).
Por fim, não entrarei muito a fundo nesse tema para evitar spoilers, mas a Ballistic Moon mexeu levemente em certos pontos da história, especificamente eventos finais. Atingindo alguns objetivos específicos, temos acesso a um novo epílogo que adiciona um pouco mais ao remake e, especialmente, ao futuro da série.

Um relançamento válido, um remake talvez desnecessário

Until Dawn estava restrito ao PS4 e, apesar de ter recebido atualizações para o PS5, é positivo que o título tenha saído das plataformas da Sony para também chegar ao PC e alcançar outros públicos. Seu relançamento é mais justificável do que trabalhos como The Last of Us Parte 2 Remastered e Horizon Zero Dawn Remastered.

Adorei conhecer o primeiro trabalho narrativo da Supermassive. Fiquei imerso e tenso em vários momentos, fazendo o possível para manter todos os personagens do grupo a salvo. No entanto, é uma pena que minha experiência tenha sido por uma visão de outra desenvolvedora, em um remake que não precisava existir e que apresenta problemas técnicos demais para serem ignorados.

Prós:

  • Gráficos belíssimos e repaginados para utilizar a tecnologia atual;
  • Narrativa imersiva que presta homenagem a clássicos de terror;
  • As escolhas fazem bastante diferença na narrativa, nos fazendo se importar com cada um dos personagens;
  • A troca de câmera para os ombros dos personagens ajuda nas partes de exploração;
  • Leves mudanças na história sugerem objetivos maiores para o futuro da franquia.

Contras:

  • As alterações de iluminação mudam consideravelmente a direção de arte do original;
  • Os controles atuais mantêm os mesmos problemas de antes;
  • Trilha sonora completamente alterada, sem opção para as faixas antigas;
  • Equalização pobre entre diálogos, músicas e efeitos sonoros;
  • Problemas técnicos e bugs que impedem a progressão.
Until Dawn — PC/PS5 — Nota: 6.5
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela PlayStation

Estudante de enfermagem de 25 anos, está nesse mundo dos joguinhos desde criança. Fã de games com vibe mais arcade e arqueólogo de velharias, mas não abandona experiências mais atuais. Acompanha a mídia de podcasts, dublagem e ouvinte assíduo de VGM. Pode ser encontrado como @AlecFull e semelhantes por aí.
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