Lendo assim, parece que estamos falando de um jogo com um enredo denso, de ambiente “pesado”, à la Resident Evil ou algo do gênero, não? Pois bem, apesar de esta realmente ser a premissa de The Unexpected Quest, nada poderia destoar mais disto do que sua ambientação colorida e cartunesca, tal qual um jogo dos tempos áureos do Nintendo 64.
Vamos descobrir o que há por trás desse inesperado e curioso (embora, em alguns aspectos, vacilante) RTS desenvolvido pela Rionix e distribuído pelo estúdio OverGamez.
Uma quest interessante
A campanha principal de The Unexpected Quest é composta por oito capítulos, cada qual com uma quantidade variável de tarefas a serem cumpridas, totalizando algo em torno de 6 a 7 horas de gameplay para concluí-las, com a possibilidade de se salvar e carregar o progresso a qualquer momento.
Os personagens que nos auxiliam nesta jornada pertencem às seguintes classes:
- Workers: Representados pelos simpáticos baixinhos de barba comprida e óculos que ilustram a capa do game, são os “faz-tudos” da aventura: coletam comida, materiais e ouro pelos cenários, erguem diversos tipos de construções, interagem com elementos do cenário, dentre outras atividades
- Soldiers: São os personagens que efetivamente combatem os perigos dessa jornada, atacando os inimigos quando acionados. Podem ser do tipo Swordsmen, Archers ou Mages, apresentando diferentes pontos fortes e fraquezas contra os adversários.
- Clerics: Aparecendo mais adiante na jornada, são personagens pacíficos, mas que detém grande poder já que conseguem manejar magias que serão importantes para avançar nas derradeiras etapas dessa aventura.
Em cada capítulo do jogo controlamos indiretamente os personagens, por meio da seleção de determinadas atividades a serem realizadas na tela. Por exemplo, ao se clicar em uma barreira de pedras que bloqueia determinado caminho, o Worker ocioso mais próximo do local é designado para retirá-las de lá.
A mesma dinâmica vale para as batalhas: clicamos sobre o inimigo na tela e um dos Soldiers será destinado ao local, o que faz com que a batalha em si seja realizada de forma automática.
Construções e insumos
Diversas ações realizáveis pelos Workers, como a construção de pontes, retirada de obstáculos e criação de construções podem demandar determinada quantidade de comida (Food), materiais de construção (Materials) ou ouro (Gold).
O nível dos insumos coletáveis é apresentado na parte superior central da tela, sendo importante para o jogador sempre acompanhá-los e cuidar para que haja uma reposição adequada, seja coletando-os livremente pelo cenário, comprando-os nos mercados (Markets) ou por meio de estruturas que spawnam estes bens, como os moinhos (Mills).
Para recrutar mais personagens, sejam eles Workers, Soldiers ou Clerics, é necessária a criação de construções específicas para cada um deles, além de casas (Homes) o suficiente para comportar todos.
Um ponto controverso de The Unexpected Quest é o fato de que estas construções só podem ser levantadas em determinados pontos do cenário, o que, em associação ao controle indireto dos personagens, acaba contribuindo para diminuir, de certa forma, a liberdade do jogador em relação às ações que se pode tomar para concluir os desafios de cada capítulo.
Dentro de cada capítulo, em adição às tarefas principais que devem ser concluídas para se avançar na trama, são oferecidos pequenas sidequests por personagens secundários presentes nos cenários. Normalmente, ao concluí-las, podemos receber uma gorda recompensa em Gold ou outros itens interessantes.
Um olhar para o passado
A direção de arte é um dos pontos de destaque do título. Os elementos tridimensionais utilizados para a composição do game, tais como os personagens e cenários medievais, foram retratados utilizando modelos low poly muito bonitos, de uma forma cartunesca tal que nos faz lembrar jogos clássicos de consoles como o Nintendo 64.
A decisão da equipe criativa de reproduzir as cutscenes presentes entre os capítulos do game utilizando majoritariamente a própria engine do jogo, ao invés de simplesmente reproduzir um vídeo ou algo pré-renderizado, reforça essa associação.
Por falar em cenários, diversos tipos de ambientes compõem a aventura: bosques, pântanos, montanhas geladas e até vulcões fazem parte dos capítulos de The Unexpected Quest, todos acompanhados por trilhas sonoras de temática medieval.
Percebe-se claramente que os desenvolvedores do game tomaram inspiração em RTS clássicos dos anos 1990 e 2000 para sua construção, como o atemporal Warcraft III e os games da série The Settlers. Porém, diferentemente dos títulos citados, o game da Rionix apresenta um grau maior de simplificação em relação às mecânicas adotadas.
Outra diferença entre o título e suas inspirações está no ritmo adotado que foi adotado para o gameplay, mais cadenciado do que o dos jogos clássicos.
Extras
Como forma de estender a duração do game, é oferecido também o modo de jogo Tales, composto por quatro desafios nos quais é permitido um ajuste de dificuldade.
Os desafios propostos variam entre atividades que são realizadas em determinados momentos do gameplay principal, como defender uma cidade de hordas de inimigos ou encontrar a saída de um labirinto em um castelo.
Visando permitir ao jogador atenuar a dificuldade do game (algo que, particularmente, não senti ser estritamente necessário), os desenvolvedores oferecem ao jogador guias contendo dicas sobre cada uma de suas fases, além de tutoriais sobre os personagens, construções e outras informações relevantes.
Na seção Compendium, por sua vez, são exibidos alguns materiais sobre o desenvolvimento do game, fichas conceituais, wallpapers, vídeos e outros itens curiosos sobre os bastidores da criação do título.
Porém, esta mesma seção que serviria como uma forma da equipe de criação do game expressar seu “orgulho” pela criação do título acaba deixando às claras que faltou esmero na adaptação do jogo para as diferentes plataformas lançadas.
Falhas no port
Embora tenha sido lançado para as plataformas da Microsoft e da Sony no último dia 26 de setembro, o game já está disponível para o Nintendo Switch e o Steam desde 27 de novembro de 2020.
Foram gastos, no mínimo, três anos em correções de bugs e fornecimento de atualizações de conteúdos antes das novas versões serem lançadas. O próprio modo Tales foi desenvolvido como forma de se estender o fator replay do game, algo que foi alvo de críticas em seu lançamento original.
Porém, mesmo com todo esse tempo a favor, ao trazerem o título para as novas plataformas, erros básicos acabaram “passando”, tanto em relação aos controles do jogo quanto à disponibilização de conteúdos extras.
No Xbox One (plataforma utilizada para a realização deste review), durante o gameplay principal, ao se selecionar os pequenos botões referentes aos objetivos e ao menu de pause (em destaque a seguir) a seta virtual some da tela no momento em que se retorna ao jogo, o que prejudica o andamento do game.
Na seção Compendium, ao se selecionar qualquer um dos vídeos disponíveis no menu, nada é executado: uma tela branca é exibida em seu lugar, inutilizando, na prática, metade do conteúdo ali disponibilizado.
Também foram observados alguns problemas em relação ao uso dos direcionais analógicos do controle, tanto em relação à sensibilidade (excessiva em alguns momentos, demorada em outros) quanto ao se realizar o scroll de alguns textos do menu (utilizando o direcional analógico direito).
Nenhum desses erros impacta em definitivo a conclusão do game em si (com exceção da seta que sumiu, que na minha experiência demandou o pressionar aleatório de diversos botões até ela retornar), mas, definitivamente, eles demonstram que faltou uma atenção especial da equipe aos ports, sobretudo levando em conta que, pelo que se pode analisar sobre o final da campanha principal (sem spoilers!), pretende-se desenvolver sequências dessa trama.
Aventura descompromissada
Depois de três anos de seu lançamento original, não deixa de ser inesperado o lançamento de The Unexpected Quest para os demais consoles da mesma geração do Nintendo Switch. É uma pena que, também inesperadamente, certos bugs possam diminuir o brilho de uma divertida e simples aventura. Nada que algumas atualizações (agora sim, bem esperadas!) não possam corrigir no futuro.
Embora, à primeira vista, possa se considerar que o título tenha seu potencial desperdiçado pela baixa profundidade do pacote oferecido, suas características acessíveis a iniciantes no mundo dos RTS e a interessante direção de arte adotada no game tornam-no uma boa indicação tanto para se passar o tempo descompromissadamente quanto para divertir (e iniciar) crianças e jovens que nunca tenham jogado jogos deste gênero.
Quem sabe uma despretensiosa aventura em terras inóspitas não possa ser o ponto de partida para mergulhos mais profundos no fascinante mundo dos jogos de estratégia em tempo real?
Prós
- Jogo simples, fácil de se iniciar e progredir na campanha, que permite salvar e retomar o game a qualquer hora;
- Direção de arte low poly muito bem feita, fazendo-nos relembrar de clássicos da era do Nintendo 64;
- Introdução do modo Tales aumentou um pouco o fator replay do jogo, em comparação à sua encarnação original;
- Oferecimento de conteúdos extras, dicas e tutoriais aos jogadores dentro do game.
Contras
- Pouca liberdade e variedade das ações a se realizar dentro das fases, como, por exemplo, sobre a escolha de onde erguer as construções;
- Em comparação a outros RTS, uma experiência bem mais simplificada e cadenciada, que pode não agradar ao fã hardcore do gênero;
- Presença de bugs acabam comprometendo um pouco a experiência geral do game.