Análise: Broken Sword: Shadow of the Templar Reforged: uma espada tão afiada quanto antiga

A idade pesa, mas o clássico de cara nova aguenta.

em 08/10/2024

Em Paris, um norte-americano e uma francesa se envolvem em uma grande conspiração envolvendo mitos medievais dos Cavaleiros Templários. Não, não é O Código Da Vinci. Sete anos antes do livro, em 1996, a desenvolvedora inglesa Revolution Software lançou Broken Sword: Shadow of the Templars (PC/PS/GBA), que agora recebeu mais um remake sob o subtítulo Reforged.

Sim, o grande clássico dos point and clicks já havia sido reforjado antes, em 2009, uma versão chamada The Director’s Cut (PC/Wii/DS), que contou com uma personagem jogável a mais e puzzles modificados.

A nova versão, porém, é inteiramente adaptada do original, sem esses conteúdos. É tão fiel que dá a opção de mudar em tempo real entre o visual antigo e o refeito, com o apertar de um botão. Embora o primeiro Broken Sword seja geralmente considerado melhor que a edição do diretor, a ausência desse material impede que Reforged possa ser considerada uma versão definitiva.



No mesmo pensamento, também senti falta de materiais extras que valorizassem o legado do jogo, sem termos nem ao menos uma galeria de arte, o que seria muito pertinente a esse renomado título que completará 30 anos de existência em breve.

Paris no outono

Tudo começa com uma explosão em um café parisiense. Um homem morre, um palhaço é o suspeito e um turista norte americano que é derrubado pelo impacto da bomba decide meter o nariz nisso tudo junto com uma fotógrafa local. Eles são George Stobbart e Nico Collard, heróis da série Broken Sword que se conhecem pela primeira vez nessa situação intrigante que envolverá alguns países e ruínas antigas em uma aventura cheia de perigos, mistérios antigos e pistas para desvendá-los.



A história é inteiramente dublada e o áudio é o original, então, mesmo que a qualidade do som esteja melhorada, ela mostra a idade que tem. O mesmo pode ser dito das performances, tão caricatas quanto os personagens que as incorporam. Faz parte do charme bem-humorado e bobo de brincar com estereótipos, sotaques carregados e alfinetadas ridículas, o que, ao meu ver, não chega a promover uma visão ofensiva das nacionalidades representadas.

O próprio George, turista americano metido a herói, é alvo de tiradas ao mesmo tempo sutis e ácidas, assim como uma aristocrata inglesa, policiais franceses e camponeses da Irlanda.

A maior parte da aventura segue em tons leves e a passos lentos, sem a urgência dos jogos de ação. Afinal, um investigador amador sempre tem tempo para perguntar a todos que encontra o que acham do lenço sujo  que ele carrega no bolso, não é mesmo?



A alma de Shadow of the Templars está nesse tipo de interações detalhadas, incentivando a explorar tudo o que as pessoas, paradoxalmente comuns e excêntricas, têm a responder ao enxerimento descarado do protagonista, mesmo quando isso não faz parte do progresso do jogo. George (e os roteiristas) realmente gosta de um bom bate papo casual.

Essa abordagem tem certo impacto na gameplay. Há puzzles que exigem dedução, mas boa parte do progresso troca o raciocínio lógico pelo trabalho de esgotar as opções de diálogos com todos no local até avançar mais um passo na trama. Assim, por longos períodos, parece que estamos apenas completando listas de diálogos, coletando informações do enredo e conversando amenidades com estranhos, sem precisar de qualquer escolha concreta.



Um efeito colateral é que podemos ficar em um vai e vem cansativo entre locais e personagens apenas por não lembrarmos que ainda não mostramos certo item a certa pessoa, mesmo que não haja indício lógico de que esse é o próximo passo correto.

Reforjado com tinta e acessibilidade

Se você não tem mais paciência para ficar empacado em enigmas frustrantes e até obtusos, não se preocupe, esse lado também foi modernizado com recursos opcionais para quem precisar deles.

As opções de acessibilidade incluem poder pedir dicas, indicações da próxima ação que precisa ser realizada e até redução de itens que não contribuem para as soluções. Há até um modo história para quem quer focar na trama. Sim, esse é um modo válido, uma vez que a narrativa e o visual são os principais méritos do jogo e servem como motivo suficiente para encarar Shadow of the Templars como um livro/filme interativo.



De fato, é um belo livro/filme. Em cenas animadas, o design de personagens é do tipo “fruto de sua época”, com aqueles olhões e movimentos exagerados de filmes contemporâneos da Disney. Isso já era bem feito desde o começo, mas os cenários foram totalmente refeitos com mais cores, detalhes, nuances e os personagens têm até sombras dinâmicas, dando maior profundidade ao conjunto. Os menus, o inventário e algumas telas ilustrativas, como pergaminhos e revistas, seguiram o padrão e foram redesenhados para ficar melhor apresentados em alta definição.

Mesmo sendo muito fiel, é uma reimaginação visual tão bem feita que apenas os mais saudosistas vão querer aproveitar a possibilidade de alternar com os gráficos pixelizados antigos. Aumente a imagem para ver uma comparação abaixo.



Agora que não são mais apenas um punhado de pixels, os rostos foram melhorados e os olhos dos personagens miram em direções coerentes durante os diálogos. Por outro lado, ainda achei as fisionomias estáticas demais e acho que ao menos George e Nico deveriam ter animações faciais mais variadas e expressivas.

Uma nova espada velha

Por um lado, Broken Sword: Shadow of the Templar Reforged disfarça sua idade com belos visuais desenhados, mais apropriados para a estética de hoje, e incentivos de acessibilidade, mas não há como esconder que essa é uma aventura point and click dos anos 1990. História de mistério repleta de diálogos, humor irônico e caricato, mecânicas simples, investigação mais por tentativa e erro do que por dedução; tudo isso é apresentado de forma consistente, mostrando que a força do clássico permanece. O que realmente fará a diferença aqui é se essas coisas entretém você ou se passam longe do seu gosto.



Prós

  • A ficção histórica entretém em uma agradável caça ao tesouro por diversos locais;
  • Os diálogos tem bom humor que vai do divertidamente bobo à ironia refinada;
  • Os visuais desenhados são bonitos e reconstroem a arte original com grande melhoria;
  • Ainda que soe antiga, a dublagem está em melhor qualidade que antes e retém o charme caricato condizente com o tom da aventura;
  • Dicas e opções de acessibilidade garantem que as pessoas que querem focar na história evitem ficar travadas nos puzzles;

Contras

  • A investigação depende mais de tentativa e erro ao extensivamente mostrar itens aos NPCs do que de raciocínio;
  • George e Nico mereciam mais animações faciais;
  • A ausência de conteúdo da Director’s Cut impede que Reforged seja a versão definitiva;
  • Seria pertinente que a nova versão oferecesse bom extras artísticos e históricos que destacassem o legado desse jogo de quase 30 anos;
  • Sem português brasileiro.
Broken Sword: Shadow of the Templars Reforged 
— PC/PS5/XSX/Switch — Nota: 7.5
Versão utilizada para análise: PS5

Revisão: Ives Boitano
Análise produzida com cópia digital cedida pela Revolution Software

Admiro videogame como uma mídia de vasto potencial criativo, artístico e humano. Jogo com os filhos pequenos e a esposa; também adoro metroidvanias, souls e jogos que me surpreendam e cativem, uma satisfação que costumo encontrar nos indies.
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