Análise: Potionomics: Masterwork Edition tem cara de bobo, mas só a cara

Adorado simulador de negócios e deckbuilder chega a consoles quebrando tudo.

em 28/10/2024

Em 2010, um joguinho chamado Recettear: An Item Shop’s Tale foi o primeiro título independente japonês a ser publicado no Steam — e instantaneamente cativou o público ocidental. Para o pequeno sub-gênero de simuladores de lojas autossuficientes (isto é, onde o jogador deve cuidar de uma loja e produzir pessoalmente o que vende), Recettear é praticamente um Minecraft, no sentido de ter revolucionado o conceito e inspirado legiões de admiradores a tentarem criar algo parecido.

Potionomics: Masterwork Edition é a aguardada versão para consoles (e atualização, no caso do PC) de uma história justamente nesses moldes. O jogador controla Sylvia, uma bruxinha recém-formada que herda uma loja de poções de seu falecido tio Oswald… e a dívida dele, também. Para evitar se tornar escrava dos devedores e perder a herança, ela deve trabalhar para pagá-los, vendendo as poções que faz e participando de concursos contra comerciantes rivais. 

Tudo isso é apresentado no melhor estilo Disney: animações 3D expressivas, personagens caricatos e designs exagerados. A aparência infantil, contudo, esconde um denso simulador que, apesar dos defeitos, é muito mais do que a soma de suas partes. Vá buscar o caldeirão e os ingredientes, porque está na hora de fazer poções!

Mulher primata, capitalismo selvagem

Potionomics tem três fases de gameplay: fazer poções, vendê-las e interagir com outros personagens. Um sistema de gerenciamento de tempo estilo Persona rege o que o jogador fará em cada dia, e, a cada dez dias, há uma competição contra um oponente introduzido e desenvolvido durante a semana, que testa todas as habilidades praticadas.

Cada poção tem uma receita específica, governada pelo balanço de elementos mágicos, e cada ingrediente tem suas próprias características. Às vezes, é necessário que uma entrega tenha determinados traços positivos (por exemplo, um cliente pede por uma poção de mana com bom cheiro e gosto); quando os ingredientes com determinados traços não têm os elementos mágicos necessários, é preciso improvisar e balancear, o que torna o processo interessante. 


Prontas as poções, devemos arranjá-las nas estantes da loja e vendê-las, assim entrando em uma fase deckbuilder de gameplay: jogue cartas para negociar preços, e cuidado com os turnos restantes. Os clientes têm diversas personalidades que afetam quão fácil será convencê-los a pagar mais. Apesar de eu pessoalmente não ser muito fã de deckbuilders, me diverti bastante — é um conceito extremamente natural.

A profundidade das partidas é completamente regida pelas cartas na posse de Sylvia, e o limite de 20 por mão obriga o jogador a pensar cuidadosamente na própria estratégia. Cada carta é lindamente ilustrada — em geral, o estilo gráfico do jogo é simplesmente bom demais e cada elemento de UI respira fantasia. 

Um problema particular da versão de consoles, contudo, é o fato de que os menus são um tanto difíceis de navegar. Por exemplo, na tela de seleção de cartas para minha mão, é muito fácil acabar saindo sem querer sem salvar, pois o jogo simplesmente te chuta dali ao apertar o botão de saída, sem nenhuma caixa de confirmação como rede de segurança. 

Isso foi especialmente problemático durante as competições iniciais, quando esqueci qual botão fazia o que e fui jogada de volta à partida sem ter ajustado minha estratégia. No PC, onde eu só precisaria apertar o botão “sair” direto com o mouse, imagino que não seja tão grave.

Amigos, amigos, negócios… inclusos?

A história de Potionomics se passa na ilha de Rafta, uma terra meio medieval e meio moderna onde o mundo segue a lógica de um RPG. Vários anos atrás, o lugar era controlado pela bruxa-rainha Maven, que o usou como um enorme laboratório a céu aberto; sua derrota possibilitou a criação de uma nova sociedade, mas as marcas da antiga tirana seguem presentes por toda parte.

Os personagens que populam a região são coloridos e, apesar de levemente clichês à primeira vista, escondem muito mais debaixo da superfície para quem se prezar a interagir com eles — o que é plenamente encorajado, tanto para obter novas cartas para o deckbuilder quanto para poder receber descontos em suas mercadorias, inteligentemente incentivando o jogador a engajar com a história além da gameplay. 


Namorar seus colegas mercadores também é permitido (exceto a dupla de gatinhos piratas Salt e Pepper, que se tornam “irmãos de sangue” de Sylvia); todos possuem uma rota de amizade e uma rota de romance, cada uma explorando aspectos diferentes dos personagens. 

Na Masterwork Edition (mais abaixo), também há uma opção de “amor livre”, que permite que o jogador namore quantas pessoas quiser. Não é necessário ficar com ninguém para um final feliz, mas há cenas extras dependendo de quem escolher (eu namorei a Roxanne, a bruxa má que faz meu tipo).
 


Minha única reclamação a respeito da parte escrita tem a ver com o humor das cenas — pessoalmente, até que eu me acostumasse, o jeitão engraçadinho do jogo foi um pouco sofrido. Também não gostei do quanto demorou para estabelecer os elementos modernos do mundo ao redor; pelas primeiras horas, é tudo muito fantasioso, e a introdução de elementos como fast food e a Internet poderia ter sido melhor anunciada.

O que constitui a “edição obra-prima”?

Tá tudo muito bom, tá tudo muito bem — mas por que “Masterwork”, afinal? O que a tal “nova e melhorada” edição adiciona, de fato, ao jogo (além do suporte a consoles e do modo poliamor mencionado acima)? Vamos por partes. 

A mudança mais importante é a solução de um problema já há muito mencionado: no lançamento original, não havia qualquer tipo de dublagem, o que, combinado com as expressivas animações, dava a impressão do jogo estar perpetuamente no mudo. 

As novas vozes dão para o gasto, mas, infelizmente, vêm cheias dos próprios problemas: as falas parecem ter sido gravadas em microfones de baixa qualidade, pois estão constantemente batendo no limite de áudio e produzindo sons desagradáveis de fundo. Alguns dubladores também são animados demais, como a própria Sylvia, cujo entusiasmo gritante fica velho bem rápido. 


Outro destaque é a presença de um modo fácil, “Cozy”, e um difícil, “Capitalism”, que podem ser alterados a quase todo momento (exceto em dias de competição). O modo fácil relaxa bastante o aspecto de gerenciamento de tempo ao fazer com que viagens e aumentos de ranque de amizade não façam o dia avançar, além de facilitar o fazer de poções e diminuir os requerimentos de competição; já o modo difícil traz clientes mais exigentes e chefões mais desafiadores.

Finalmente, além de uma série de outras atualizações de qualidade de vida (como um modo infinito e um botão de limpar o caldeirão), a Masterwork Edition adiciona mais uma loja e rota de personagem: Boss Finn, um tubarão mafioso que Sylvia enfrenta em sua jornada para se livrar das dívidas, agora tem o próprio cantinho na praia, a pedidos dos fãs, e pode até ser namorado (apesar de esse ser o nome de outro peixe). Na versão de PC, esse conteúdo foi lançado como um DLC pago, a um preço modesto.

Uma receita para o sucesso


Potionomics: Masterwork Edition é uma merecida atualização a um jogo muito mais profundo do que parece, de incrível coesão interna apesar do tanto que tenta fazer. Não subestime sua dificuldade por causa da carinha fofinha — eu sei porque eu acabei fazendo isso e me ferrando depois.

Prós

  • Gameplay balança diversos aspectos sem sacrificar a profundidade;
  • Estilização divertida e dentro do tom, com belos gráficos;
  • Personagens tridimensionais e bem integrados à narrativa;
  • Atualizações de qualidade de vida excelentes.

Contras

  • Alguns menus são difíceis de navegar, e, às vezes, até punitivos;
  • Humor “millennial americano” do jogo pode se tornar um pouco cansativo;
  • Dublagem é esganiçada e apresenta problemas técnicos;
  • Não está disponível em português.
Potionomics: Masterwork Edition — PS5/XSX/Switch — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: PS5

Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela XSEED Games

Jornalista formada pela PUC-SP e eterna apaixonada por videogames, especialmente aqueles japoneses de mistério. Sempre tem alguma redação gigante para escrever depois que zera um Yakuza.
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