Análise: Nikoderiko: The Magical World é um clone digno do legado de suas fontes

Imitação? Sim. Das boas? Com certeza!

em 15/10/2024

Já no título da análise, chamei Nikoderiko: the Magical World de clone, mas isso pode passar a impressão errada de que estou desdenhando dele. Ao contrário, minha experiência foi muito boa e gostei bastante de jogá-lo.

Os clones são uma discussão antiga em videogames. Desde a época de Pong, Pac-man e Space Invaders, eles são algo recorrente na indústria, o que pode ter o peso negativo da saturação estagnada. Por outro lado, a questão também tem uma manifestação legítima e valiosa na formação dos gêneros. Afinal, em algum momento os Doom-clones tiveram que deixar de ser chamados assim e encarnaram um conceito que os define com mais justiça: jogos de tiro em primeira pessoa.



O mesmo é válido para os games de plataforma de mascote. Seria redutivo dizer que a rolagem lateral é uma questão de clonagem pura e simples do bigodudo italiano, maculada pelo estigma de preguiça e falta de criatividade que acompanham o julgamento. O DNA do gênero se tornou muito maior com o tempo e abriu novos leques de inspirações.

E quando juntamos as duas coisas: clonagem explícita e trabalho de qualidade? Temos Nikoderiko. Feito pela desenvolvedora VEA Games, de Chipre, uma ilha do Mediterrâneo, esse jogo foi nutrido de inspirações muito diretas de clássicos de plataforma. Desde o primeiro trailer, dava para notar que a questão é levada muito ao pé da letra, com semelhanças em diversas formas e níveis. Felizmente, a semelhança também está na boa qualidade do game.



Sobre mangustos e cobras

Na vertente dos jogos de plataforma de mascotes, os heróis Niko e Luna são uma dupla de mangustos caçadores de tesouros. Mangustos são pequenos mamíferos, parentes dos suricates, e têm aquela carinha de inofensivos, mas são famosos por comerem as cobras mais venenosas no café da manhã. Até as najas correm deles, embora em Nikoderiko esse não seja bem o caso e elas estejam prontas pra briga.

Enquanto exploravam uma ilha no céu, os dois aventureiros foram roubados pelos piratas comandados por Grimbald — sim, você adivinhou, é uma tripulação de najas, mas com a peculiaridade de terem braços e pernas. É uma escolha de design estranha e facilmente confundível com outros répteis, mas combina com o estilo de desenho animado.



Crash Kong Country

Esse tipo de inspiração direta até demais é uma derivação que costuma ser vista com as reservas de um produto necessariamente inferior. Minha percepção do caso de Nikoderiko, porém, é a do grande mérito de não apenas almejar reproduzir as qualidades dessas obras, mas de conseguir o feito com boa desenvoltura, conseguindo entrar para a turma sem ficar devendo.

A cada momento há alguma inspiração reconhecível. Do catálogo de Donkey Kong Country, vemos as quatro letras colecionáveis que formam uma palavra, carrinhos de mina, alguns inimigos específicos, os barris canhões que levam a estágios bônus (que se moldam segundo os de DKC2 até nas telas de introdução) e a tela de estatísticas de finalização de estágio, que segue a linha de Tropical Freeze.



De Crash Bandicoot, foram tomados emprestados a alternância entre duas e três dimensões em meio às fases e os caixotes de madeira empilhados. O design de personagens e as paletas de cores lembram bastante o estilo de Crash Bandicoot 4: It’s About Time.

De ambos, Niko levou as montarias e melhorou o sistema: além dos trechos dedicados a elas, é possível comprar itens consumíveis que as invocam para dar uma forcinha em qualquer estágio. Do DNA de Rayman vieram os vagalumes, colecionáveis que servem de dinheiro e são idênticos aos Lums. E que tal uma fase chamada Ira de Ripto (Ripto’s Rage), igual ao subtítulo de Spyro 2?

A VEA Games focou tanto em pegar o que havia de melhor naqueles jogos, que foi atrás de um dos compositores mais marcantes da década de 1990, David Wise, o grande nome por trás das músicas dos dois primeiros jogos de Donkey Kong Country. O trabalho dele compensa em Nikoderiko, passeando entre a vivacidade de ares tropicais e as melodias suaves e atmosféricas. Até diminuí um pouco o volume dos efeitos e ambientes para aproveitar melhor a música, que é sempre agradável.



Clone também é gente

É claro que há muito mais aparições que despertam memórias de quem conhece tais jogos, o que serve de faca de dois gumes. Se, por um lado, a familiaridade é aconchegante e segura, por outro, ela faz Nikoderiko ter cara de spin-off, diminuindo a consistência da identidade própria, uma sensação reforçada pelos personagens com cara de animações genéricas de hoje em dia.

Neste caso, não devemos julgar (somente) pela capa, pois é tudo muito bem-feito em cada mínimo detalhe, em uma produção de belos cenários, efeitos e animações. Tem até dublagem em inglês nos diálogos entre fases e nos comentários da dupla durante a ação. Estranhamente, as animações de abertura e de chefes não dão vozes ao elenco.

Na tendência moderna dos consoles, podemos escolher entre duas opções de vídeo: Gráfico ou Desempenho. Honestamente, achei as duas formas bastante satisfatórias e não notei diferença que me compelisse a uma escolha.



O design de níveis é caprichado e divertido, especialmente quando se aproveita o modo cooperativo para jogar a dois. Como a movimentação é bastante ágil, foi muito comum que um dos participantes deixasse o outro para trás, o que conta como uma morte e faz o personagem retornar de imediato dentro de uma bolha que deve ser estourada, um clichê do gênero que não soluciona a questão, mas garante a boa continuidade sem interrupções injustas por causa disso.

Ou seja: as vidas são infinitas e dá para uma dupla se manter sempre viva se for atenta. Mesmo assim, certos segmentos requerem tamanha sincronia entre os participantes que é melhor jogá-los solitariamente, o que inclui duas fases inteiras. Em outros trechos, a câmera parece não saber qual dos dois acompanhar e chega até mesmo a ficar parada, levando a mais mortes.

São sete mundos com 35 estágios no total (levei nove horas para finalizar com 84% de completude), e cada um deles tem duas fases bônus e uma joia escondida para encontrar, além de numerosos colecionáveis que serão usados para comprar extras de artes e itens para invocar montarias e auxiliar na dificuldade.



Nesse ponto, Nikoderiko derrapa nas escolhas e dificulta a obtenção dos extras, pois os baús para comprá-los são definidos na sorte: ou conseguimos o que queremos ou recebemos meras moedas irrelevantes. Além disso, apenas vagalumes, garrafas e moedas são utilizadas como dinheiro, o que é um desperdício dos demais colecionáveis, que são as quatro letras, as duas chaves e a joia de cada fase. Mesmo exigindo mais suor para obtê-los, eles não têm qualquer finalidade prática e seria uma boa que nos dessem a recompensa de liberar mais conteúdo em vez de servir apenas para a mera completude.

No geral, Nikoderiko é muito bem-feito, mas ainda há problemas técnicos que precisam ser ajustados. Tive ocorrência de personagem ficar preso ao voltar da morte, impedindo o progresso na fase, além de dois congelamentos que me forçaram a fechar o jogo e abrir novamente. O mais significativo foi uma desregulagem que deixou alguns efeitos sonoros subitamente muito altos, algo que aconteceu algumas vezes em todas as minhas sessões de jogo.



Um mundo que você já viu antes, mas que ainda é mágico

Nikoderiko: The Magical World assume o risco de parecer um mero clone de Donkey Kong Country com elementos de Crash Bandicoot, mas tem o mérito de ser competente em todos os principais pontos que tornaram essas séries dignas de fama, apesar de algumas falhas técnicas.

Com fases sempre bonitas e interessantes, a campanha é divertida para jogar sozinho ou acompanhado em co-op local. Seja para apreciadores dos consagrados platformers de mascotes ou alguém mais recente no gênero, Niko e Luna têm uma aventura que vale a pena curtir.



Prós

  • O jogo como um todo é uma colagem bem-feita de diversos elementos de ótimos jogos de renome;
  • Fases divertidas e variadas, com bastante conteúdo para coletar;
  • Modo cooperativo para dois jogadores;
  • Cenários sempre bonitos e vivazes;
  • As músicas de David Wise dão uma atmosfera agradável;
  • Legendas em português brasileiro.

Contras

  • A constante reprodução de aspectos de design visual e de gameplay de franquias famosas evita surpresas e prejudica o estabelecimento de uma identidade própria para esta nova IP;
  • Alguns trechos específicos são melhores jogados solitariamente, tornando o co-op frustrante;
  • A loja da galeria vendo os extras na base da sorte, dificultando a completude desse material e o bom aproveitamento dele;
  • Problemas técnicos menores não impedem a diversão, mas podem incomodar, como desregulação súbita do volume de alguns efeitos sonoros, câmera inconstante e comandos que vez ou outra não obedecem como deveriam.
Nikoderiko: The Magical World — PC/PS5/XSX/Switch — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: PS5

Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Knights Peak

Admiro videogame como uma mídia de vasto potencial criativo, artístico e humano. Jogo com os filhos pequenos e a esposa; também adoro metroidvanias, souls e jogos que me surpreendam e cativem, uma satisfação que costumo encontrar nos indies.
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