Análise: Neva é uma emocionante jornada por diversos estilos artísticos

Da amizade entre uma humana e uma loba surge uma fagulha de esperança que pode livrar o mundo da escuridão.

em 15/10/2024

Neva
é o mais recente jogo do Nomada Studio, a desenvolvedora espanhola com sede em Barcelona que ficou conhecida pelo ótimo trabalho realizado em Gris. Em se tratando deste novo título, embora sua premissa continue sendo a de explorar cenários inspirados por pinturas para criar uma experiência única com apelo emocional, a empresa também renovou sua fórmula com a introdução de um sistema de combate e melhorias nas mecânicas de plataforma.

Contudo, o que realmente faz Neva ser tão especial é a maneira como sua história explora e aprofunda a relação entre seus dois protagonistas: a garota Alba e o filhote de lobo que dá nome ao jogo.

O mundo está morrendo

O cenário para esta emocionante história é uma floresta encantada que está ameaçada por uma maldição que se espalha rapidamente, consumindo as plantas e contaminando os animais. Após um encontro fortuito com uma entidade dominada pelas trevas, a jovem Alba acaba criando um vínculo afetivo com uma pequena loba, Neva. Agora, as duas deverão aprender a trabalhar juntas para fugir do abraço da escuridão e, quem sabe, encontrar uma maneira para pôr um fim à doença.

A narrativa acompanha as protagonistas conforme avançam por cenários variados ao longo do período de um ano. O jogo é dividido em quatro capítulos, cada qual representando uma das estações. A cada etapa superada, a relação afetiva das personagens evolui conforme Neva deixa de ser um filhote para adentrar a fase adulta. Isso também muda o comportamento da loba perante as situações de perigo, abandonando sua inocência para ajudar Alba nos diversos conflitos que ambas encontram pelo caminho. 




A experiência de vivenciar o crescimento de Neva muitas vezes remete aos sentimentos comuns das relações entre humanos e seus animais de estimação. Porém, conforme a jornada evolui, as trocas mútuas entre as personagens configuram momentos mais alusivos aos sentimentos de proteção e de amor tão marcantes em uma relação entre pais e filhos.  

Para enfatizar ainda mais esse clima que trafega entre momentos de tensão, tristeza, alegria, dentre tantas outras emoções, a trilha sonora fica novamente a cargo do grupo Bernilist. Por meio de composições por instrumentos clássicos, os artistas trazem canções que se encaixam de maneira magistral tanto para os momentos calmos quanto para a urgência apresentada durante as sequências de fuga.

Neva é uma jornada sobre aprendizagem e amadurecimento, mas que também usa todo seus conceitos para funcionar como um alerta para temas importantes, como as dificuldades que enfrentamos para superar uma tragédia, o medo da perda e até sobre os descasos com que temos tratado o planeta.



As quatro estações

Falar sobre a direção de arte de Neva é como fazer uma viagem não só por um mundo cheio de contrastes, mas também por parte da história da pintura. O trabalho liderado por Conrad Roset é mais uma vez excelente, resultando em ambientes que transmitem perfeitamente todas as emoções envolvidas no game.

A representação de cada uma das estações é composta por diversas cores e formas em um deleite visual que transita por ambientes inspirados por pinceladas que remetem ao pós-impressionismo, mas que também flerta com elementos monocromáticos e até com formas poligonais. É como explorar uma vasta galeria de arte, mas ao mesmo tempo se sentir parte integrante dela.

A campanha começa durante o verão, um momento em que parte da fauna e flora ainda não foi afetada pela escuridão. Ali, as cores são predominantemente quentes e os ambientes alegres. Ao avançar para o outono, as paisagens vão mudando gradativamente até assumirem tons mais frios. No inverno, o clima e a presença de um branco típicos das regiões nevadas por muitas vezes dão lugar ao preto, revelando uma imagem de desolação quase total. 




O jogo também faz o uso frequente de uma técnica de construção por camadas no estilo parallax, colocando objetos em diferentes planos para criar uma sensação de profundidade e movimento. Alguns destes elementos são inclusive posicionados no primeiro plano, fazendo com que os personagens fiquem obstruídos enquanto transitam pelos cenários. 

Essas situações também estão presentes de outra forma nos capítulos do outono e do inverno, ocasionadas pela presença de neblina e pela ausência de luz. Apesar desses efeitos não serem suficientes para atrapalhar a progressão, em alguns casos podem causar a impressão da tela estar um pouco poluída.



Saltando entre gêneros artísticos

A evolução pelos cenários é quase sempre linear e consiste em vencer sessões de plataformas e alguns conflitos contra inimigos. Os puzzles também são parte da jogabilidade, mas aparecem com uma frequência bem menor do que em Gris. 

Para solucionar a maioria dos quebra-cabeças, é necessário movimentar objetos e interagir com os ambientes, dessa forma, desvendando os caminhos para avançar até a próxima área. Outra mecânica bastante presente é a escalada. Por meio de plantas que lembram trepadeiras, Alba pode subir pelas paredes para alcançar mecanismos, plataformas e até encontrar alguns colecionáveis.

Algumas sessões exigem a interação com animais e plantas que foram contaminados pela escuridão. Um exemplo disso é uma parte na qual é necessário chamar a atenção dos monstros para que empurrem objetos em sua direção para que sirvam de apoio. Uma outra passagem envolve utilizar seu reflexo nas superfícies cristalizadas para localizar plataformas e inimigos invisíveis e executar os comandos de forma invertida. 




Por mais que não haja muita variedade na gameplay, a forma com que o mundo está sempre em transformação devido ao avanço do tempo e também da escuridão faz com que o jogo permaneça em constante renovação. 

Esse é um ponto importante, já que a campanha não leva mais que cinco horas para ser concluída. Ainda que haja alguns colecionáveis e conquistas para serem perseguidos por meio da seleção de capítulos, o fator replay não é dos mais relevantes.

Lutando pelas espécies

Uma boa novidade de Neva é o sistema de combate. Não que ele seja dos mais complexos, porque está longe disso, mas, por refletir muito bem a sensação de urgência que ameaça a floresta e seus habitantes. Essa com certeza é uma adição que deve ser valorizada.




Basicamente, o combate se resume a um ataque leve, um golpe executado do alto para baixo, uma esquiva e um pulo duplo. Não há variações de armas além da espada inicial, tampouco habilidades para serem adquiridas. O único especial desbloqueado ao longo do jogo é a possibilidade de enviar Neva para acertar alvos distantes e imobilizar os inimigos por um breve período.

No geral, os confrontos são simples e não envolvem muito desafio, mas oferecem boa variedade. Alba possui três pontos de vida, que podem ser recuperados ao acertar os inimigos consecutivamente, interagir com Neva ao final dos confrontos ou encontrando pontos de controle nos mapas. Alguns adversários atacam com arremessáveis, outros carregam objetos e há até lutas interessantes contra chefes que, na maior parte, são animais que foram corrompidos pela maldição.

Alguns dos bosses derrotados podem ser purificados ao realizar um comando com Neva, dando sinais óbvios dos poderes que ela possui para impedir a propagação da escuridão. Embora essa função pareça simples, é como se ela estivesse prestando uma homenagem às criaturas que sucumbiram à maldição, um detalhe que demonstra ainda mais a mensagem de conscientização que o jogo quer transmitir.



Games também são uma manifestação de arte

Neva combina visuais deslumbrantes e uma história marcada pela relação entre personagens únicos para resultar em uma das experiências mais emocionantes dos últimos anos. A adição de mecânicas de combate e de plataforma realçam bem o contexto de urgência, ainda que sua proposta não esteja focada em ser um jogo de ação. Tudo isso faz de Neva um título imperdível e uma verdadeira obra de arte em formato digital.

Prós

  • Gráficos que combinam diversos estilos artísticos e cenários em tons variados preenchem uma excelente direção de arte;
  • A relação entre as personagens e o mundo é utilizada muito bem para cativar o jogador e abordar temas importantes;
  • A trilha sonora se adéqua perfeitamente tanto durante os momentos de urgência quanto nas passagens mais emocionantes.

Contras

  • Alguns elementos de composição de cenário podem deixar os visuais um pouco poluídos;
  • Apesar de se encaixar na proposta do jogo, a jogabilidade pode ser considerada simples;
  • A campanha leva apenas cinco horas para ser concluída e o fator replay não é um ponto relevante.
Neva — PC/PS5/PS4/XSX/Switch — Nota: 9.0
Versão utilizada para análise: PS5

Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com código digital enviado pela Devolver Digital

Formado em Engenharia Civil, começou a estudar Jornalismo pelo simples prazer de escrever sobre o que gosta. Seu maior desafio é lutar constantemente contra um backlog de jogos que parece não ter fim.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.