A série Life is Strange sempre se destacou por abordar temas delicados do aspecto emocional e questões sociais. O primeiro jogo ocupa um lugar especial na minha estante virtual de favoritos não apenas por essas características, mas também por ter sido meu passo inicial no gênero de jogos narrativos.
Ao longo dos anos, a franquia continuou sendo alimentada por uma sequência não canônica e spin-offs, jogos que foram recebidos por boas críticas, mas que sempre me deixaram com um sentimento de carência. O motivo principal disso: a ausência da protagonista do primeiro jogo, Max Caulfield.
Após passar um bom tempo vislumbrando como seria ver novamente um título centrado em Max, finalmente a Square Enix, em parceria com a desenvolvedora Deck Nine, anunciou Life is Strange: Double Exposure. E, de cara, posso confirmar que o retorno da personagem foi a melhor decisão para a sequência da série.
Bem-vinda à Caledon, Srta. Caulfield
Desde os trágicos acontecimentos de Arcadia Bay, Max viajou ao redor do mundo para explorar seu talento como fotógrafa. Seu trabalho inspirado em registrar momentos de solidão não apenas reflete seu lado emocional ainda frágil, mas também a consagrou como uma artista premiada.
Ainda que o tempo decorrido cause a impressão de que a proposta do jogo é se distanciar do passado de Max, na prática não é bem o que ocorre. Não quero entrar muito nos detalhes que envolvem as escolhas iniciais para não prejudicar a experiência de ninguém com spoilers, porém algumas decisões sobre o final do título de estreia da série podem afetar parte do desenvolvimento da trama.
Durante um evento em uma galeria para exposição de suas obras, a artista conhece Yasmin Fayyad. Ela é reitora da universidade de Caledon, situada no condado de Lakeport. A Dra. Fayyad faz um convite para que Max atue na universidade como uma artista residente. Lá, ela é encarregada de auxiliar os alunos apresentando seminários e exibindo suas imagens. Essa função coloca a fotógrafa próxima tanto dos estudantes quanto do corpo docente.
Por mais que o jogo revele uma versão mais madura da protagonista, a insegurança emocional continua sendo uma das principais características de sua personalidade. Isso é novamente mencionado por meio de evidências da relação turbulenta que ela mantém com seus pais e na persistente dificuldade para estabelecer relacionamentos. Curiosamente, durante sua estadia em Caledon, ela é acolhida por Safi, uma jovem escritora e que também é filha da reitora.
As duas praticamente fazem tudo juntas, mas evitam falar sobre seus traumas do passado. Em uma noite em que se reuniam com outro amigo, um pós-graduando da universidade chamado Moses, Safi recebe uma ligação e se afasta temporariamente do grupo. Inconformada com a ausência prolongada de sua amiga, Max sai para procurá-la. Minutos depois, ela encontra Safi sem vida, atingida por um tiro no peito.
A morte da escritora coloca a protagonista diante de um turbilhão de emoções que ela achava que não voltaria a viver. Além do choque e da tristeza pela perda de seu único vínculo confiável, ela é incapaz de se conformar com a demora da polícia nas investigações. Além disso, a jovem artista também passa a desconfiar de atitudes suspeitas de outros personagens que, de alguma forma, faziam parte do ciclo social de Safi.
O peso das emoções
Por sinal, vale comentar que os temas abordados em Life is Strange: Double Exposure são delicados, por isso, se você por algum motivo enfrenta dificuldades para lidar com questões como depressão, suicídio, estresse pós-traumático e preconceito, talvez seja melhor refletir antes de jogá-lo. Ainda que haja boas funções de acessibilidade para tentar minimizar o impacto emocional, o saldo final da experiência é bastante comovente.
A história é novamente dividida em capítulos e tem a duração média de 12 horas. Esse tempo pode ser maior dependendo de seu envolvimento em atividades secundárias. E como as decisões tomadas ao longo do jogo podem ocasionar mudanças consideráveis na evolução narrativa, há um bom fator replay envolvido.
Algo que fica evidente logo no episódio inicial é como Max parece ter retraído seus poderes de manipulação do tempo com o intuito de evitar as consequências que a aterrorizaram ao longo de sua passagem por Arcadia Bay.
Apesar disso, a agonia por encontrar uma solução para o mistério do assassinato da amiga desperta novamente seu dom, dessa vez com uma habilidade diferente. Ela descobre possuir uma capacidade de enxergar ecos de personagens e abrir portais para uma realidade paralela. Diante dessa possibilidade, Max decide explorar o novo poder para encontrar uma maneira de salvar Safi.
Ambientação e trilha sonora
Os gráficos são excelentes e a parte técnica é consistente no que diz respeito à performance. No entanto, pequenos engasgos durante os salvamentos automáticos e o frequente delay no carregamento de texturas e de objetos na mudança de cenas incomodam com o passar do tempo. Outro problema notado é que, às vezes, a porta de algumas salas dos professores apareciam abertas, embora estivessem inacessíveis.
As animações por captura de movimentos e a dublagem original em inglês permitem ao jogador interpretar cada sinal na expressão e no comportamento dos personagens. Isso, inclusive, tem um papel importante na hora de desconfiar de alguém antes de tomar uma decisão.
O elenco de personagens não é dos maiores, mas se destaca pelas características únicas que cada um deles possui. Além de serem fundamentais para o avanço da investigação de Max, muitos diálogos também revelam as dificuldades que eles enfrentam em suas vidas particulares. Durante a história, você frequentemente mudará de opinião sobre em quem de fato confia e compreenderá algumas atitudes com base no histórico deles.
Algo que pode incomodar um pouco conforme avança nos episódios é que há uma sensação inevitável de repetição de cenários. Por mais que os ambientes possuam diferentes características de acordo com a realidade a qual pertencem, todo o desenrolar da história se passa em áreas internas e externas da universidade, no chalé em que Max reside e no bar chamado Snapping Turtle.
A trilha sonora definitivamente merece destaque. Com canções vocalizadas de artistas renomados, como Chloe Moriondo e Matilda Mann, e outros emergentes, como NewDad e Tessa Rose Jackson, as músicas passeiam por ritmos de folk, indie rock e pop para impulsionar mais ainda as emoções presentes no jogo. Há, inclusive, um componente musical na história por meio das referências à cena de bandas de Lakeport.
Alterando as realidades
Do ponto de vista da jogabilidade, Life is Strange: Double Exposure segue uma evolução pelos cenários quase sempre de forma linear. Algumas áreas adjacentes podem ser exploradas para encontrar oportunidades de interação e itens colecionáveis. A cada detalhe examinado, Max faz um comentário para fornecer mais informações sobre os dois mundos.
As decisões de diálogo e de comportamento estão presentes a todo momento. Embora uma parte delas tenha impacto apenas circunstancial, outras vão influenciar no desenvolvimento dos personagens em relação a Max ao longo do jogo, inclusive afetando a conclusão da história. Algumas dessas decisões são pontos marcantes e criam uma atmosfera de angústia enquanto a tela fica pausada aguardando sua resposta, mesmo que não haja um limite de tempo para fazer a escolha.
Outro elemento que tem um papel interessante é o celular. Seja pelas mensagens de texto que podem conter informações adicionais ou por meio de postagens na rede social in-game, é possível interagir com os personagens e exibir as fotos capturadas para serem comentadas. Essa mecânica, muitas vezes, também serve como um alívio cômico. O problema é que, ao alterar entre as diferentes realidades, você será bombardeado por alertas de novas atividades. Isso acaba tornando a rotina de conferi-las cansativa e resulta em quebras de ritmo desnecessárias.
Para auxiliar na compreensão dos diálogos e dos textos, a localização em português brasileiro foi bem adaptada, inclusive substituindo expressões e gírias por termos de nosso idioma para que se tornem mais familiares, mas sem que percam seu sentido original.
A forma como Max pode transpor a barreira entre as realidades serve para que ela obtenha mais informações por meio de investigações ou ouvindo diálogos do eco dos personagens. Ela também consegue mover objetos entre as fendas, algo que será útil para solucionar os quebra-cabeças e avançar por cenários bloqueados. Encontrar as pistas não é difícil, porém essa também não é a proposta do jogo. A grande sacada é entender o mundo ao seu redor e como tirar proveito das realidades paralelas para avançar pela história.
Fagulhas na tela servem para localizar os portais entre os mundos. Toda vez que abrir uma fenda, ou ao interagir com um personagem ou um objeto, um símbolo informa em que versão de realidade você está. Mas não pense que será fácil manter o controle sobre quais atitudes você tomou nos diferentes mundos. O jogo brinca com isso ao exibir opções de respostas para os diálogos em realidades trocadas para que você sinta realmente os efeitos das muitas transposições.
As consequências de seus atos
A dupla exposição (ou Double Exposure em inglês) é uma técnica de fotografia que permite registrar diferentes momentos no mesmo frame. Esse efeito que dá nome ao jogo aparece ao longo da história através das imagens que Max pode capturar, mas também é uma ótima referência ao tema de realidades paralelas.
Mesmo esse conceito já tendo sido explorado diversas vezes através de outras mídias, a história funciona muito bem nos capítulos iniciais. Confesso que não sou o maior fã de realidades paralelas e multiversos, por conta da confusão, dos furos de roteiro e das lacunas que eles podem gerar. De certa forma, essa desconfiança se tornou um problema conforme avancei para a parte final de Life is Strange: Double Exposure.
É complicado abordar essa questão sem dar maiores detalhes da narrativa, mas posso dizer que ela não falha em se manter surpreendente por todo o percurso. No entanto, ao mesmo tempo, também há quebras de ritmo durante os episódios quatro e cinco, que supostamente seriam o ápice da trama, e que deixaram a conclusão um pouco amarga na minha opinião.
Embora as principais reviravoltas possam ser polêmicas, a maneira como a história deixa de lado questões óbvias para ir para um rumo inesperado definitivamente é um ponto positivo. A impressão é que a conclusão é daquelas que vai dividir opiniões entre os fãs, porém corre riscos visando a sequência da franquia.
Olhando para o futuro, mas sem abrir mão do passado
Life is Strange: Double Exposure é o retorno de uma excelente protagonista para uma franquia ainda capaz de despertar grandes emoções. Embora a história trate de temas importantes por meio de um desenvolvimento que pode parecer confuso e polêmico em alguns momentos, o resultado final aponta para algo maior para o futuro da série.
Prós
- A volta de Max Caulfield é um passo na direção certa para a franquia;
- A história aproveita temas importantes e polêmicos para inserir um forte componente emocional;
- O desenvolvimento dos personagens e seus problemas particulares mantêm o jogador envolvido durante todo o tempo;
- As principais decisões proporcionam um bom fator replay e criam uma sensação de angústia que reflete o medo das consequências;
- A trilha sonora flutua entre diferentes estilos para reforçar o impacto narrativo.
Contras
- O tema de realidades paralelas pode confundir e deixa no ar questões sem respostas;
- Ainda que saiam do óbvio, as reviravoltas na história geram inconsistências capazes de dividir opiniões entre os fãs;
- Embora haja diferença entre os cenários em cada realidade, a sensação de repetição é uma tendência ao longo do jogo;
- A parte técnica precisa de ajustes para solucionar os pequenos engasgos e os atrasos frequentes nas mudanças de cenas.
Life is Strange: Double Exposure — PC/PS5/XSX — Nota: 7.5Versão utilizada para análise: PS5
Revisão: Alessandra Ribeiro
Análise produzida com cópia digital enviada pela Square Enix