BGS 2024: Bruno Nunes, diretor de arte de Dune: Awakening, fala sobre o novo game baseado no universo de Frank Herbert

Descrito mais como um survival e menos como um MMO puro, título ousa ao colocar o jogador para sobreviver em Arrakis: "Diferenciado nesse quesito".

em 20/10/2024


Durante a Brasil Game Show 2024, o GameBlast teve a oportunidade de trocar uma ideia com o português Bruno Nunes, diretor de arte do Dune: Awakening, sobre seu trabalho no novo survival de mundo aberto da Funcom, pelo qual é um dos principais responsáveis pela arquitetura do worldbuilding. A entrevista aconteceu no estande dedicado ao jogo, onde o público pôde conhecer mais sobre esse projeto ambientado universo de Duna, criado por Frank Herbert. 

Nunes compartilhou detalhes sobre a relação da empresa com a Legendary Pictures, o desafio de equilibrar influências artísticas distintas e a criação de um mundo imersivo que promete transportar os jogadores diretamente para Arrakis. Confira a entrevista completa abaixo.




GameBlast: Como diretor de arte, pergunto: como é começar a trabalhar nesse universo do Frank Herbert como um todo, que trouxe uma estética diferente para o Villeneuve, para o Mark Zugg, do começo dos anos 2000, que é diferente do Lynch, dos anos 80, que é diferente do John Schoenherr, que trabalhou concomitantemente do próprio Frank Herbert.  Então como é que é trabalhar tantas ideias arquitetônicas e ainda assim incluir seu próprio potencial criativo dentro do jogo.

Bruno Nunes: Basicamente, o Dune: Awakening foi feito quase em parceria com a Legendary Pictures. Nós temos, visualmente, uma influência muito forte do primeiro filme do Dennis Villeneuve, mas como é um jogo, não pode ser uma transposição direta. Tem que ser adaptado porque as coisas não são feitas para a câmera, são feitas para criar um mundo inteiro. 

A adaptação de Duna dirigida por Dennis Villeneuve tem um padrão estético próprio que serviu de base para Dune: Awakening.

Assim, o filme do Villeneuve foi a grande inspiração para o desenvolvimento artístico do jogo. Tivemos a oportunidade de visitar as filmagens do primeiro filme, visitamos os Ecolabs, algumas das filmagens na Hungria, porque o filme foi filmado na Europa, e então deu para conhecer de perto a linguagem estética que eles estavam seguindo. 

Enquanto eles estavam em produção do filme deles, nós estávamos em pré-produção do nosso jogo, e as coisas foram crescendo em conjunto. Hoje, a Legendary Pictures trabalha em conjunto conosco. Recebemos suporte e, inclusive, temos acesso a assets que foram utilizados no filme. 




GameBlast: A próxima pergunta engancha um pouco no que você comentou porque, historicamente, os jogos de Duna são primariamente em RTS, com uma uma visão macro, câmera por cima, etc. Então, é necessária outra abordagem, outro ponto de vista. 

Nunes: Sim. Inclusive, meu primeiro contato com Duna foi em 1992 com o Dune para Mega Drive. Mas sim, o nosso desejo com nosso jogo é fazer com que Duna fique conhecido para as pessoas. É a primeira vez que as pessoas vão realmente experimentar o que é viver na atmosfera daquele mundo. É um survival third person em que a pessoa vai sentir na pele, pela primeira vez, em um jogo desta natureza, o que é viver em Arrakis. É diferenciado nesse quesito.




GameBlast: Agora uma questão mais abrangente, não exatamente em relação à direção de arte, mas por conta do envolvimento no projeto como um todo, sempre até onde você conseguir responder, é claro.
 
Nunes: Claro!

GameBlast: Duna traz um mundo muito carregado de uma mitologia própria, de um cânone. O que pega um pouco é que ele é vendido primariamente como um MMO, e aí você vai ter aqueles mais tradicionais, em que você explora o mundo através de missões menores, em comparação a um Final Fantasy XIV, por exemplo, com uma campanha bem mais robusta na questão narrativa. Assim, considerando essas duas vertentes, onde o Dune Awakening se encaixaria?

Nunes: Essencialmente, na sua base, Dune: Awakening é um survival de mundo aberto com características de MMO. Então, as primeiras cinquenta, sessenta horas de jogo é PvE, [Player vs. Enemy]. Você aprende a fazer o crafting, aprende as habilidades e vai crescendo enquanto personagem. 

A forma como isso vai acontecendo é de forma progressiva desde o início. O jogo não te deixa completamente abandonado, ele pega na sua mão logo no começo e ensina aos novos jogadores que nunca viveram um survival. Vai haver um acompanhamento, um suporte para que não se sintam frustrados. É o nosso objetivo, não deixar o jogador frustrado e gradualmente progredir, [até] chegar num ponto em que o jogador já experimentou tudo. 




E agora? O que acontece? A natureza desses jogos é que eles chegam a um ponto em que ficam estagnados. É aí que entra o MMO. Uma pessoa que já tem todas essas habilidades, mesmo que nunca tenha jogado um MMO, agora terá uma motivação para experimentá-lo. Chegar ao deep desert, um ambiente de PvP com vários outros jogadores, já que agora ele já tem uma construção, um histórico, que o faz suportar a ponto de despertar a curiosidade daqueles que nunca tiveram essa experiência.

Com isso, não quero dizer que jogadores hardcore, que gostam de MMO, não terão suas necessidades atendidas. O jogo está preparado para abranger todo mundo, inclusive os jogadores hardcore. Você tem habilidades quando faz o seu personagem, determina o que você quer ser, mas isso não vai te prender. Você pode desenvolver toda a árvore de habilidades como um soldado, mas pode ter mestres que te ensinam a capacidade mentat.




GameBlast: Eu estava jogando a versão de teste e achei isso bacana quando abri a árvore de habilidades. Sendo familiar ao universo, sempre há algum aspecto daquele universo que eu gosto mais e teria preferência em seguir por aquele caminho.

Nunes: Então, pode ser que começou como trooper, mas depois quis habilidades de mentat. Isso vai te preparar para o MMO mais tarde. O jogo vai abrindo, vai abrindo e, sem perceber, quando se dá conta, está jogando um MMO. Pode dizer “não gosto de MMO, ou nunca tive curiosidade em MMO”, mas o jogo te encaminha, sem perceber, e já está lá. 

GameBlast: Uma transição suave. 

Nunes: Isso, suave, acompanhada. 

GameBlast: Eu digo porque no começo do ano tive a oportunidade de jogar o Granblue Fantasy: Relink e ele faz isso. Ele começa como um RPG tradicional e depois a história avisa que o mundo ainda está cheio de problemas, que são as missões multiplayer. São gêneros distintos, mas ainda assim vejo ambos fazem essa transição natural.

Nunes: É exatamente a palavra. Transição natural.




GameBlast: O próprio cenário do jogo é hipotético, né? Caminha para uma direção sem o Paul, sem o Lisan al-Gaib, em uma linha especulativa, não é mesmo?

Nunes: Então, não é uma recriação do filme do Villeneuve, não é uma recriação do primeiro livro. É um universo paralelo. É um “e se?”. Um cenário hipotético. Por quê? Se fosse seguir exatamente o primeiro livro, um primeiro filme, não haveria Atreides. Os Atreides teriam sido aniquilados pelos Harkonnen e não faria sentido. 

Então, o que este universo paralelo faz é abrir todo esse leque. Trazer o que as pessoas querem, se quiserem jogar com um Atreides, jogar com um Harkonnen ou outras facções que possam existir. O conflito ainda está lá, em Arrakis. Isso em conjunto com a história que foi criada exclusivamente para o jogo e foi aprovada pelos Herbert, então é isso. É a vontade de trazer um universo paralelo para justificar todo este mundo mais rico.




GameBlast: Era onde que eu queria chegar. Mencionando esta questão dos Herbert, dessa mitologia, deste universo rico, há um debate, uma discussão, por assim dizer, em relação justamente ao Frank Herbert, o pai, que criou o universo até certo nível, e o filho, que deu continuidade e as comunidades de fãs discutem o que deve ser considerado dentro disso. Dentro da abordagem de vocês, como vocês lidam com isso e até que ponto vocês acreditam que um material deva ser implementado ou não? Em quais elementos vocês fazem essa filtragem, como conversam com o espólio, os detentores da marca, no intuito de lidar com essa situação?

Nunes: A proposta foi feita aos Herbert, eles deram um guião, as histórias. Aí, carimbou, está aprovado. Mas é uma questão engraçado que você mencionou porque o filho meio que se desviou um bocadinho do que o pai tinha criado. 

O que nós estamos fazendo aqui é criar um Arrakis que todo mundo conheça. É um ambiente consistente, é um conflito que todos conhecem, um ambiente que todos conhecem, que já foi representado no filme antigo antes, e que depois houve os livros mais recentes do filho dele que também podem ser interessantes para se explorar mais tarde, se calhar, dependendo da reação do público em relação a como construímos o jogo. 

Por exemplo, exploração interplanetária, podem ser adicionados mais tarde. Quem sabe, viajarmos até Caladan, viajarmos até Giedi Prime ou outros planetas do universo. Mas tentamos manter o mundo mais pé no chão, baseado nos primeiros livros e o que se conhece daquele mundo. É um tipo de jogo que pede para ser atualizado com novas mecânicas, então, de forma balanceada, veremos sobre adicionar complementos dos livros mais recentes também.




GameBlast: Em termos de aprendizado, de abordagem, e tal. A própria Nacom já teve outro jogo de sobrevivência de mundo aberto, que foi Conan Exiles. Primeira pergunta: você teve algum envolvimento no Conan? Segunda, se sim, qual aprendizado que veio do Conan? No sentido de ver o que não é mais viável ou qual é o caminho a ser seguido por ter sido uma experiência positiva? 

Nunes: Eu fiz parte do Conan Exiles desde a pré-produção. Trabalho na Funcom desde 2015, então acompanhei todo o processo. Eu e parte dos diretores de arte conhecem bem os feedbacks dos jogadores do Exiles e isso foi fundamental para desenvolvermos o nosso jogo agora. A nível de arte e não só isso, as mecânicas também.

Uma das coisas pelas quais eu sou responsável, a arquitetura, tem várias features aqui que não existem em Exiles ou em qualquer outro survival. Por exemplo, você pode ser um arquiteto. Você pode começar como um trooper e decidir ser um arquiteto. 




Há um sistema de blueprint em que pode criar o seu edifício, pegar esse blueprint e até vendê-lo. Pode ser um jogador independente do jogo todo, se você quiser assim, sendo só um arquiteto ou engenheiro, e vender blueprints. Suas criações podem ser vendidas. Obviamente, é uma feature de MMO, e aí vai poder até leiloar as suas criações nos marketplaces.

É uma aprendizagem do Exiles. Nós crescemos bastante nas mecânicas em cima daquilo que os jogadores falaram. [A construção] tem o dobro de peças do que no exile Tem mais peças que são únicas para cada facção. Os Atreides têm wind shapes, os Harkonnens suas próprias formas, é um mundo mais rico em todos os aspectos.


GameBlast: Isso me remete ao fato de que mencionei os outros artistas, mas esqueci de um, que é o do Duna do Jodorowski, que chegou a quase produzir seu próprio filme antes de desistir por questões orçamentárias e tem o artista... 

Nunes: o do Alien! [H.R.] Giger!

GameBlast: Isso! Houve também alguma observação a isso, algum referencial? 

Nunes: Essencialmente, a fundação veio do Villeneuve, mas o próprio Villeneuve dá para ver que, especialmente o Harkonnen, aquilo tem um poquinho de Giger. A nossa abordagem, bem como a abordagem que ele teve, foi um Giger um pouco mais industrial, mais mecânico. Não é tão orgânico como no Alien, um bicho orgânico. É uma abordagem mais industrial. É a mesma linguagem quase, mas de uma forma mais industrial.

Porque é isso o que os Harkonnen são. O planeta deles é uma poluição total. É uma cidade plástica, como o Villeneuve fez a interpretação dele. Não há cor. É um terror (risos). A diferença é essa: é inspirado, mas não é igual.
Um dos designs conhecidos de H.R. Giger para o nunca produzido para o Duna do Jodorowski.
GameBlast: Para encerrar, Duna não tinha tanta penetração no Brasil por alguns motivos, por exemplo, não era fácil encontrar os livros antigos por não serem republicados, precisava procurar em Sebo e tal. Agora já está na esfera popular mesmo, muito por conta dos filmes do Villeneuve. Então, sugiro que deixe um recado, como parte do time de desenvolvimento, para novos jogadores conhecerem o universo de Duna, agora eles mesmos imersos no universo reconstruído pelo jogo.

Nunes: [Convido a conhecerem] da mesma forma que eu conheci, em 1992, o Duna através de um jogo e passei a experimentá-lo, porque aí talvez possam adquirir o gosto, a vontade de ler os livros porque existe ainda muito conteúdo a ser explorado. Um filme não consegue traduzir tudo o que existe para explorar. Então eu convido a experimentarem o Dune: Awakening, a aprenderem mais a partir do nosso site. A partir daí pode ser que ganhem mais gosto pelo jogo, pela IP e pelos livros. 
Dune: Awakening esteve presente na Brasil Game Show 2024 com um estande próprio e conta com lançamento confirmado para PC, PlayStation 5 e Xbox Series previsto para 2025, mas sem uma data exata definida. Confira nossas impressões.

É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
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