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Análise: Visions of Mana é uma aventura exuberante, mas de execução pouco inspirada

O novo título da franquia resgata conceitos consagrados, porém falha em modernizá-los o suficiente.

em 02/09/2024

A série Mana, desde sua concepção, aposta em conceitos simples, resultando em RPGs de ação leves e acessíveis. Visions of Mana, o primeiro título principal em anos, honra esse legado, ao mesmo tempo que introduz ideias que modernizam a franquia. Um mundo exuberante, personagens carismáticos e combate ágil tornam a experiência encantadora sem deixar de lado características nostálgicas. Porém a ausência de ousadia, muitas ideias subaproveitadas e aspectos simplificados demais fazem com que a aventura não consiga se destacar.

Oferecendo a própria alma para restaurar o mundo

A ordem no mundo de Qi’Diel é mantida pela Árvore de Mana, que espalha sua energia elemental para trazer prosperidade. Para manter esse equilíbrio, a cada quatro anos, pessoas apontadas como Alms saem em uma peregrinação com o objetivo de dar a própria vida para restaurar o poder da árvore mágica. Nesse contexto, acompanhamos Val, um espadachim que tem como tarefa seguir e proteger os Alms em sua jornada, que logo se revela mais complicada do que parece.


Apesar do tema central ser o sacrifício por um bem maior, Visions of Mana tem um andamento leve, com uma vibe de anime de aventura. Ser escolhido como Alm é uma grande honra e todos desejam receber esse título, então isso não chega a ser um fardo. Além disso, os personagens são carismáticos e bem-humorados: Val transborda energia e otimismo, Hinna é bondosa e caridosa, Careena é o alívio cômico com sua personalidade tempestuosa, já Morley é responsável e prático. A interação entre eles torna a aventura cativante, apesar do mórbido objetivo final.

O cerne da trama é trágico e há uma tentativa de mudar o destino, com certos heróis e antagonistas questionando a ordem do mundo e almejando um futuro livre de sacrifícios. É uma questão interessante, mas a execução deixa a desejar com personagens rasos que mal refletem sobre suas próprias ações e repetem sempre que possível seus estereótipos. Outro problema é o desenvolvimento da história: há algumas reviravoltas impactantes, porém, no fim das contas, a trama se resume a clichês previsíveis.


A meu ver, o tom é agradável e apropriado para uma aventura desse estilo. Há bom equilíbrio entre momentos sérios e divertidos, mas é uma pena que os temas mais densos, como a questão do sacrifício, sejam subdesenvolvidos. Os personagens também poderiam ser melhor trabalhados em vez de se resumirem a estereótipos simples. No mais, a narrativa é uma evolução considerável na série, apesar de seus inúmeros problemas.

Em combates simples e alucinantes

A jornada dos Alms é estruturada como um JRPG de ação tradicional, alternando entre momentos de exploração e combate. As batalhas são em tempo real e contam com grande diversidade de movimentos, como golpes fracos e fortes, esquivas, feitiços e técnicas especiais — com um pouco de destreza, é possível lançar inimigos no ar e fazer sequências elaboradas. Três heróis participam dos embates, com a possibilidade de alternar entre eles com o toque de um botão.

Conforme avançamos, adquirimos Elemental Vessels, relíquias que armazenam os poderes de diferentes espíritos elementais. Um dos usos desses itens é modificar a classe dos aliados, alterando suas habilidades e equipamentos. Cada Elemental Vessel tem um poder exclusivo em combate: os poderes de Luna deixam os inimigos lentos; o jarro de Undine lança um poderoso jato d’água; já a pá de Gnome cria uma esfera protetiva. Além disso, cada classe pode aprender novas técnicas, trazendo muitas opções de customização.


Agilidade é uma constante nas batalhas de Visions of Mana por causa dos controles descomplicados e do ritmo acelerado. O sistema é simples, remetendo mais a títulos de ação, e até funciona, mas uma série de questões negativas o torna menos interessante do que deveria.

Para começar, o desafio é baixo, sendo comum derrotar grupos de inimigos comuns em questão de segundos. Apesar de ter muitas opções de customização, o fator estratégia é reduzido, bastando repetir os mesmos ataques para sair vitorioso — não vi nem necessidade de trocar a classe dos heróis. Há uma tentativa de trazer algum desafio e variedade com batalhas especiais e chefes, porém a única coisa que muda, na maior parte das vezes, é o tempo necessário para derrotar essas criaturas.


Uma possibilidade é aumentar o nível de dificuldade, no entanto não é uma opção livre de problemas. Aqui, o maior desafio é manter vivos os personagens controlados pela IA, que simplesmente ignoram perigos e continuam atacando. Há um menu de estratégia, mas ele é limitado e insuficiente para criar táticas efetivas. Com isso, no difícil, o combate se torna frustrante, afinal precisamos parar o tempo todo para controlar diretamente ou curar aliados desavisados.

Por fim, há uma bagunça visual constante, sendo fácil se perder no caos de brilhos e poderes na tela. Isso, em conjunto com confrontos que não exigem muita estratégia e sistemas de pouco impacto, resultam em um combate que está mais para ação pura do que RPG. Não há problema algum nisso, porém, particularmente, acredito que o jogo se beneficiaria mais ao utilizar melhor todas as mecânicas presentes. Jogadores mais jovens ou que não buscam muito desafio vão se divertir aqui, contudo os mais exigentes podem se cansar rápido.



Perdendo-se em um universo simultaneamente exuberante e enfadonho

Fora dos combates, Val e seus amigos desbravam um mundo elaborado repleto de cidades e outras localidades. O grande destaque fica por conta de amplas regiões que nos convidam à exploração com itens, baús e outros desafios espalhados por todos os cantos. A topografia é elaborada e com muita verticalidade, exigindo o uso de saltos e investidas no ar para alcançar os locais de difícil acesso. Apesar de amplos, é fácil atravessar esses locais por causa de pontos de teletransporte e uma montaria chamada Pikuls.

Os Elemental Vessels também têm uso nos momentos de exploração, pois cada um deles habilita algum poder de navegação. Os poderes de Sylphid criam colunas de vento para alcançar locais altos; a magia de Luna diminui a velocidade de objetos, resultando em novos caminhos; já a vela de Salamandro se transforma em um foguete capaz de levar os heróis para diferentes cenários. Muitos desses pontos de interação não podem ser ativados da primeira vez que os encontramos, o que incentiva a revisitar regiões anteriormente completadas.


É divertido atravessar o mundo de Visions of Mana, especialmente por causa dessas grandes áreas repletas de itens para coletar. Porém, com o tempo, essa atividade perde a graça, pois raramente o esforço vale a pena: a maioria das recompensas consiste em simples itens de recuperação que podem ser comprados em qualquer loja.

Algumas missões paralelas tentam deixar as coisas mais interessantes, mas elas falham em serem envolventes por consistirem em tarefas banais, como derrotar inimigos ou coletar itens. Por causa disso, na maior parte das vezes, simplesmente ignorei essas atividades e segui para o próximo objetivo.


De qualquer maneira, é difícil não querer mergulhar no mundo de Qi’Diel por causa de sua exuberante atmosfera. Os cenários são belos e repletos de elementos elaborados, como folhagens, ruínas e estruturas que os tornam visualmente incríveis. Há um expansivo senso de escala, com vistas amplas em que vemos pontos de interesse à distância atiçando nossa curiosidade. O tema não sai muito do lugar-comum de histórias de fantasia, como amplas pradarias, densas selvas, desertos tomados por areia avermelhada e praias, mas a direção de arte consegue torná-los vívidos e interessantes.



Uma bela, nostálgica e limitada peregrinação

Visions of Mana é uma aventura que honra e amplia o legado da série Mana ao manter sua acessibilidade e charme característicos, mas que acaba tropeçando em sua execução. O jogo apresenta um mundo visualmente encantador e batalhas ágeis, porém a falta de ousadia e a superficialidade de diversos aspectos impedem que a experiência se destaque. Embora o combate seja dinâmico e a exploração envolvente, a ausência de desafios significativos e a repetição de elementos comuns enfraquecem o potencial da jornada.

Ainda assim, o jogo é uma evolução interessante para a série, sendo recomendado para aqueles que buscam uma experiência leve e nostálgica. Apesar dos problemas, Visions of Mana consegue capturar a essência da franquia, entregando um universo exuberante e carismático. É evidente que a série tem potencial, no entanto talvez seja necessário um pouco mais de ousadia para que futuros títulos possam realmente brilhar.

Prós

  • Sistema de combate ágil e descomplicado;
  • Boa variedade de opções de customização para os personagens;
  • Exploração interessante com grandes áreas repletas de itens para coletar;
  • Ambientação notável com belíssimos cenários e personagens carismáticos.

Contras

  • Batalhas fáceis, repetitivas e pouco estratégicas;
  • Os sistemas de customização são subutilizados;
  • Exploração e missões opcionais se tornam enfadonhas rapidamente;
  • Personagens e trama rasos e previsíveis.
Visions of Mana — PC/PS4/PS5/XSX — Nota: 6.5
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Alessandra Ribeiro
Análise produzida com cópia digital cedida pela Square Enix

é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
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