Retrospectiva: The King of Fighters 30 anos (Parte 6) — os polígonos vieram para ficar

Vamos relembrar o passado próximo de KOF, que abraçou de vez os gráficos 3D e causou diversas controvérsias com a nova direção.

em 07/09/2024
Apesar de todo o esforço investido na produção de The King of Fighters XIII, a situação financeira da SNK Playmore ficou fragilizada. A empresa optou por afastar-se do desenvolvimento de jogos para consoles e fliperamas, focando em áreas mais lucrativas, como o mercado de pachinko e o emergente setor de smartphones.


Com uma maior estabilidade financeira, a SNK Playmore se sentiu mais confiante para retornar ao mercado de jogos de luta e dar continuidade à série KOF. O desenvolvimento de The King of Fighters XIV começou em 2014, enfrentando várias dificuldades técnicas, e o jogo foi lançado exclusivamente para PS4 em 2016.
Confira as outras partes:
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Qualidade vs. Quantidade 

A equipe começou a investir na produção do décimo quarto jogo com bastante inexperiência. Embora já houvesse KOFs desenvolvidos inteiramente com polígonos (sobre os quais falaremos em breve), criar um jogo do zero com tecnologia moderna era um grande desafio.

Com orçamento limitado, a SNK Playmore decidiu criar uma engine própria para viabilizar o título. Consideraram utilizar a Unreal Engine, mas a falta de recursos financeiros e a inexperiência da equipe geraram receio em adotar essa tecnologia naquele momento.

A primeira aparição de KOF XIV não foi a das melhores.
O anúncio de KOF XIV foi recebido com muitas críticas, principalmente devido à má direção do trailer apresentado na Tokyo Game Show de 2015 e aos gráficos insatisfatórios. A simplicidade dos modelos, os designs alterados de Kyo e Iori, e a transição dos sprites para o 3D causaram um impacto negativo entre os fãs.

Com o tempo, à medida que novos anúncios foram feitos, a recepção se tornou mais neutra, mas o visual ainda estava abaixo do esperado para a oitava geração de consoles, especialmente em aspectos como iluminação, sombras e efeitos visuais.

Apesar das críticas, a empresa focou em dois elementos essenciais: trazer o maior número possível de personagens e adaptar o legado de jogabilidade 2D da franquia para o 3D. Desde o início, KOF XIV apresentou um impressionante elenco de 50 personagens jogáveis, desafiando a tendência de outros jogos de luta da época, como Street Fighter V e Guilty Gear Xrd, que contavam com menos de 20 lutadores.

Do elenco, catorze eram estreantes, enquanto o restante eram veteranos, com destaque para o retorno de figuras como Chang, Choi, Geese e Billy, que estavam ausentes há algum tempo. Os novos personagens apresentavam designs variados, e enquanto alguns, como Nelson, Bandeiras, Hein e Luong, conquistaram fãs, outros, como Xanadu, Gang-il, Sylvie, Shun’ei e Alice, receberam bastante críticas — injustamente, no caso de Sylvie, na minha opinião.

Novo rosto, antiga forma

The King of Fighters XIV buscou resgatar a jogabilidade 2D frenética das edições de ‘98, 2002 e XIII, sem reinventar a fórmula como nas duas sagas anteriores. O tradicional formato 3 contra 3 foi mantido, e o sistema de estourar barra voltou a permitir cancelamentos e ataques EX, que, nesta versão, só podem ser realizados no modo MAX.

O cancelamento de super para super também retorna e é crucial para a execução de combos. Para atrair uma nova geração de jogadores, as combinações com barras se tornaram mais acessíveis em comparação aos títulos anteriores, o que dividiu opiniões entre veteranos e novatos.

Ainda assim, toda a dinâmica dos jogos 2D foi bem adaptada para o 3D, com exceções na direção das animações, que foram feitas completamente à mão. Na tentativa de emular o 2D, algumas adaptações não ficaram tão fluidas, como os chutes da King e de Robert.

Além disso, The King of Fighters XIV teve a missão de iniciar uma nova saga, um grande desafio, especialmente considerando o desfecho da saga anterior. O protagonista desta vez é Shun'ei, um jovem chinês abandonado pelos pais após manifestar mãos espectrais. Ele foi acolhido por Tung Fu Rue, mestre de Jeff Bogard, pai de Terry, que o treinou ao lado de Meitenkun, outro órfão.

Um novo torneio KOF é anunciado, e Tung decide colocar seus discípulos à prova no evento, organizado por Antonov, um bilionário russo e autoproclamado primeiro campeão do campeonato. Embora o torneio não apresente problemas à primeira vista, Tung desconfia que algo possa ocorrer e decide ficar de olho.

Sua intuição se confirma quando a final do KOF é interrompida por uma entidade chamada Verse, uma criatura formada por almas, consequência direta do paradoxo temporal causado por Ash ao fim da saga anterior. Após ser derrotado, Verse explode, liberando almas pelo planeta.

Essa situação serve como justificativa para o retorno de personagens mortos na franquia. Nos finais de alguns times, é confirmado o retorno de figuras como Ash, Igniz, Krizalid, Rugal e Orochi — sendo que este último, por necessitar de um receptáculo, volta apenas como um ser frágil e é prontamente selado novamente pelos Três Tesouros Sagrados.

A recepção de The King of Fighters XIV foi satisfatória para a SNK, que aproveitou o momento de reestruturação e abandonou o nome Playmore. Apesar das críticas de parte do público, especialmente na América Latina, o jogo ajudou na popularização global da série. Sem planos iniciais, o jogo ainda recebeu mais oito personagens via DLC, trazendo de volta Heidern, Whip, Oswald e estreando Rock Howard na linha principal da série.

A volta dos que não foram

Apesar dos desafios enfrentados, KOF XIV representou um passo importante para uma nova era da SNK. Enquanto o décimo quinto jogo da série ainda levaria alguns anos para ser lançado, a desenvolvedora apostou em outra franquia: Samurai Shodown, que recebeu um reboot em 2019. Esse projeto estreou os trabalhos da equipe na Unreal Engine 4, proporcionando uma melhoria técnica significativa em comparação ao jogo de 2016.

Lançado em 2022, The King of Fighters XV reutilizou várias animações e até modelos de KOF XIV, mas a transição para um motor gráfico mais robusto e a maior experiência da equipe ajudaram a dar ao jogo uma apresentação mais convincente — ainda que aquém dos padrões estabelecidos por títulos contemporâneos como Street Fighter 6 e Guilty Gear Strive. Os efeitos visuais das magias, em particular, receberam críticas por sua simplicidade.

KOF XV manteve a jogabilidade de seu antecessor, mas com algumas adições interessantes. O sistema MAX foi expandido para incluir dois modos: um tradicional, ativado em neutro e aumenta o poder de ataque, e o Quick MAX, ativado durante um combo para cancelamento, sendo mais curto e sem os aumentos de dano. Pela primeira vez, esse sistema requer duas barras de especial em vez de uma, o que foi implementado para balancear as partidas.

Uma nova mecânica introduzida foi o Shatter Strike, um golpe com ataque forte (C+D) que confere super armadura durante a execução e, se acertar o oponente, o deixa vulnerável a novos movimentos. Esse recurso é especialmente útil para contra-atacar adversários que pressionam excessivamente, custando uma barra de especial e restituindo metade dela se bem-sucedido.

Um combo simples usando toda a barra pode ser o suficiente para decidir uma luta... se tiver recursos para isso, é claro.
O elenco de KOF XV trouxe algumas surpresas e mudanças. Com a liberdade de ressuscitar personagens mortos, Yashiro, Shermie e Chris fizeram um retorno marcante, assim como Ash e, posteriormente, Rugal e Goenitz via DLC. Entre os vivos que estavam desaparecidos, K’9999 retornou disfarçado sob o nome Krohnen, e Elizabeth também voltou. A formação dos times buscou apresentar composições diferenciadas, embora ainda distante da ousadia vista em KOF XI.

Nos anos seguintes, diversos personagens DLC foram lançados. Além das versões Orochi do time Orochi, um trio de Samurai Shodown finalmente apareceu em KOF após anos de especulação. B. Janet e Gato retornaram para o torneio ao lado de Rock, enquanto Shingo, Hinako e Duo Lon marcaram presença após longas ausências, enriquecendo ainda mais o elenco do jogo.

Um dos melhores elencos da série (e meu favorito).

Um... desfecho?

Mesmo com altas expectativas em relação à história da saga Verse, KOF XV apresentou um desfecho que pareceu prematuro para o arco. Introduzindo apenas duas personagens diretamente ligadas à trama, Isla e Dolores, o mistério de Verse acaba por estar conectado à deusa da verdade, Otoma=Raga.

O desfecho da história é relativamente simples: Dolores, ressuscitada por Verse, reúne Isla e Shun'ei por ambos possuírem o que ela chama de Espectro Amplificado — as mãos espectrais. Como previsto por Dolores, o caos gerado por Verse criou uma abertura para portais dimensionais, permitindo que Otoma=Raga tentasse acessar o nosso mundo.

Durante o confronto, Isla quase perde o controle de seu Aspecto Amplificado, mas, com Shun'ei e suas equipes, consegue impedir a deusa antes que ela atravesse para nossa dimensão. No entanto, a história principal de KOF XV se limita a esse conflito, sem grandes desenvolvimentos além disso. Embora cada time mantenha suas narrativas individuais — como Leona perseguindo seu pai ressuscitado e o orgulho do kyokugenryu com Ryo —, o arco principal termina de forma abrupta. Para alguns fãs, foi decepcionante que o segundo capítulo aparentemente encerrasse a saga Verse com apenas dois jogos, quebrando a tradição de três títulos por arco.

Apesar das críticas sobre a história, os problemas com o modo online e as opiniões divididas sobre os gráficos, KOF XV foi bem recebido pela comunidade. Nos anos seguintes ao lançamento, o jogo recebeu 20 personagens adicionais via DLC, expandindo o elenco significativamente. A SNK continua a oferecer suporte ao jogo, com mais duas personagens, Mature e Vice, programadas para serem lançadas em dezembro de 2024.

Um legado de resistência e estilo

É interessante observar como The King of Fighters se destaca como um dos maiores exemplos de resiliência nos jogos de luta. Enquanto outras franquias, como Bloody Roar e Darkstalkers, sucumbiram com o tempo por diversas razões, o rei da SNK sempre se manteve presente, superando os altos e baixos. Tenho uma dívida pessoal com essa franquia por alimentar minha paixão pelos jogos de luta, e sempre carregarei um profundo respeito por esse legado que ressoa fortemente com nós, latino-americanos.

Longa vida ao KOF! Em breve, trarei mais sobre os spin-offs que ficaram de fora dessa retrospectiva.

Revisão: Beatriz Castro

Estudante de enfermagem de 25 anos, está nesse mundo dos joguinhos desde criança. Fã de games com vibe mais arcade e arqueólogo de velharias, mas não abandona experiências mais atuais. Acompanha a mídia de podcasts, dublagem e ouvinte assíduo de VGM. Pode ser encontrado como @AlecFull e semelhantes por aí.
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