Análise: Pyrene usa cartas para criar um roguelike dungeon crawler peculiar

Construa aos poucos seu baralho e explore os perigos deste interessante título indie.

em 11/09/2024

Em Pyrene, os calabouços consistem em cartas com inimigos e efeitos diversos. Essa ideia simples é explorada em um RPG dungeon crawler criativo e ágil que usa elementos de roguelikes para trazer imprevisibilidade às partidas. Este jogo indie nos envolve com boa variedade de situações e de conteúdo, por mais que ele não consiga escapar de forma competente da repetitividade característica do gênero.

Explorando calabouços de um jeito único

Um dia, a paz de uma vila pacata acaba com o surgimento de estranhas montanhas. Delas saíram criaturas violentas, que atacaram e destruíram tudo o que apareceu pelo caminho. Alguns conseguiram escapar e agora decidem unir suas forças para reconstruir o lar e acabar com os monstros. A premissa de Pyrene é simples, mas usa a mitologia basca, originária do norte da Espanha e sudoeste da França, como inspiração para a ambientação.

A aventura é estruturada em excursões em que escolhemos um herói e exploramos regiões perigosas para completar algum objetivo, como coletar recursos ou resgatar alguma pessoa. Os personagens, itens, inimigos e pontos de interesse são representados por cartas, que são distribuídas em tabuleiros com diferentes espaços. Para avançar, enfrentamos monstros e participamos de eventos diversos.


Os combates são no mínimo curiosos. Neles, todos os espaços da área são preenchidos com cartas cujos efeitos são ativados quando movemos nosso herói para a posição correspondente. Para atacar, por exemplo, basta arrastar o personagem para cima de um monstro; os poderes de um equipamento são ativados ao adentrar o espaço dele. Há um leve elemento de construção de baralho, pois adquirimos cartas com efeitos diversos.

O conceito é simples, mas alguns detalhes deixam as coisas complicadas. Para começar, só é possível mover o herói para os espaços adjacentes. Além disso, não é permitido adentrar locais sem cartas. Como os cartões somem após serem ativados, é importante pensar de antemão a rota que será feita para não ficar encurralado. Uma ação especial permite preencher o mapa com novas cartas, mas ela consome um recurso limitado, então o ideal é ativá-la quando o tabuleiro está praticamente vazio.


Pelo caminho, fortalecemos o herói com poderes passivos e novas cartas, expandindo as possibilidades de sobrevivência. Ao morrer ou ao completar uma campanha, retornamos para a vila. Lá, podemos utilizar a madeira coletada para reparar estruturas e liberar inúmeras opções para partidas futuras, como cartas, relíquias, modificadores para os personagens e pontos de interesse. Com isso, aos poucos as excursões se tornam mais diversas.

Em combates táticos simultaneamente simples e elaborados

O gênero de construção de baralhos com elementos de roguelike anda um bocado saturado, mas Pyrene consegue se destacar com sua interpretação única que aposta em uma estrutura de dungeon crawler.

O que mais me prendeu em Pyrene foi sua mecânica principal. Em um primeiro momento, parece tudo fácil, bastando atravessar as cartas para atacar monstros e coletar itens sem deixar o herói morrer. Porém, a simplicidade engana: a dificuldade aumenta rapidamente e avançar de qualquer jeito resulta em morte. Cada partida é um exercício de equilíbrio, sendo necessário pesar com cuidado cada ação para não acabar em uma situação difícil.


Parte da complexidade vem da introdução de novos elementos que alteram sutilmente as regras. Certos monstros, por exemplo, atacam o personagem de longe; cada área tem alguma característica única, como cartas caindo na região da montanha ou visibilidade limitada nas cavernas. Com isso, somos forçados a readaptar as estratégias com frequência para conseguir prosseguir. Cartões e relíquias com efeitos diversos possibilitam diferentes táticas, com direito a sinergias poderosas.

A variedade vem na forma de heróis com estilos de jogo distintos. A caçadora Atanaïa foca em atacar monstros em partes distantes do tabuleiro com suas armas; Mathilda tem pouca vida, mas é capaz de aguentar muito dano com seus escudos; Akohan é acompanhado de uma fuinha que pode ser controlada independentemente, funcionando como dois personagens em um. Customização de atributos e de ataques especiais oferecem ainda mais opções na hora de encarar as excursões.



Perdendo-se em limitações

Apesar da interpretação criativa, Pyrene acaba não conseguindo escapar de alguns dos problemas do gênero. O maior deles é a repetitividade: as campanhas são extremamente similares, focando demais em combates que pouco saem da mecânica básica de fazer caminhos atravessando as cartas.  

Personagens, áreas, monstros, equipamentos, relíquias e modificadores tentam trazer variedade, mas as diferenças não são significativas o suficiente para acabar com a sensação de mais do mesmo. A meu ver, faltou imprevisibilidade pelo caminho, como eventos diversos ou variações dos desafios básicos — uma vez encontrada uma boa sinergia, basta investir nela e pronto.


Outro ponto que incomoda é o fator sorte. A montagem dos tabuleiros nos combates não é bem balanceada, o que acaba criando situações difíceis demais ou extremamente banais. Com isso, muitas vezes a vitória ou derrota depende do acaso, sendo muito frustrante a sensação de não estar no controle. É possível definir a ordem em que as nossas cartas vão aparecer, porém é um detalhe que não tem tanto impacto, principalmente em combates mais longos: quando as ondas avançadas de monstros aparecem, os itens já sumiram faz tempo.

A despeito desses problemas, o jogo é agradável e instigante, aproveitei muito bem meu tempo com ele. Um ponto positivo é que há muito conteúdo para explorar e desbloquear, o que aumenta um pouco a diversidade de situações entre as partidas. Outro detalhe interessante é a presença de opções para customizar a dificuldade para mais ou para menos, o que o torna acessível a diferentes públicos. Mesmo assim, torço para que o jogo passe por melhorias no futuro para amenizar os seus problemas, o potencial está ali.



Uma mistura singular

Pyrene se destaca pela criativa mescla entre construção de baralhos e exploração de calabouços. Sua simplicidade inicial engana, pois, à medida que a dificuldade aumenta, as partidas se tornam um verdadeiro exercício de planejamento estratégico. A variedade de heróis e a introdução constante de elementos e desafios adicionam camadas de complexidade, exigindo adaptação frequente de táticas para sobreviver. Esse equilíbrio entre simplicidade e profundidade faz do jogo uma experiência envolvente.

Por outro lado, o título não escapa dos problemas típicos do gênero, como a repetitividade e a influência forte de sorte. Embora haja uma tentativa de trazer variedade com personagens e modificadores, a sensação de mais do mesmo persiste após algumas partidas. Mesmo assim, Pyrene é um jogo instigante que vale a pena ser conferido e com potencial de melhorar com o tempo.

Prós

  • Interpretação única de construção de baralhos com exploração de calabouços;
  • Mecânica de combate simples de entender, mas com várias nuances a serem dominadas;
  • Boa diversidade de conteúdo desbloqueável na forma de personagens, cartas e áreas.

Contras

  • Apesar de muitas opções, as partidas são parecidas demais entre si;
  • As mecânicas principais pouco evoluem com o passar do tempo;
  • A influência do fator sorte é significativa e atrapalha em alguns momentos.
Pyrene — PC — Nota: 7.5
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Indie Asylum

é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
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