Análise: Frostpunk 2 é um divertido e envolvente simulador pós-apocalíptico

A obra do 11 bit studios prova que em um mundo tomado pelo gelo, toda decisão, sendo grande ou pequena, importa.

em 27/09/2024
Três décadas após uma nevasca apocalíptica arrasar a Terra como a conhecemos, está nas suas mãos sobreviver, desenvolver e expandir a Nova Londres, contrariando todos os prognósticos negativos a respeito do futuro da humanidade. De posse dessa premissa, Frostpunk 2 é a mais nova entrada da franquia do 11 bit studios com um excelente simulador capaz de provar que, em um mundo tomado pelo gelo e pela desesperança, as suas decisões serão o diferencial entre a prosperidade ou a ruína.

A era do gelo

Estamos em 1887, e o planeta continua a sucumbir ao gelo em um verdadeiro apocalipse climático. Em uma das últimas ações que organizou, o império britânico concentra seus esforços em construir geradores de calor. Trinta anos depois, para aqueles que restaram e procuram forças para prosseguir, essas máquinas tornam-se, quando encontradas, um sinal de esperança de dias melhores.

É dessa forma que inicia-se Frostpunk 2. No comando de centenas de viajantes que sobreviveram vagando pelo mundo após o evento conhecido como “Great Frost” (o grande congelamento, em tradução livre), o jogador alcança um desses geradores. Com outra nevasca a caminho daqui a alguns meses, o desafio inicial é fazer com que a máquina opere e a população consiga comida e abrigo o suficiente e a tempo de esperar mais uma tempestade de gelo passar.

Pronto para a tarefa, investiguei os arredores e identifiquei um ponto no qual havia óleo congelado. A construção emergencial de um distrito de extração garantiu o recurso necessário para ativar o gerador e espantar o frio, ao menos por enquanto. Era a brecha necessária para construir abrigos e descobrir lugares próximos nos quais o resquício de solo fértil pudesse ser cultivado para garantir comida.

Algumas semanas depois, a realidade bateu à porta: mesmo com quatro plantações, a colheita não seria suficiente para alimentar a todos quando a tempestade chegasse. Os mais velhos, preocupados com essa situação, ofereceram seu sacrifício pelos mais jovens, o qual eu recusei. Um ninho de focas, descoberto por um de meus exploradores, poderia ser a salvação — mas se o frio milagrosamente não as matou, deveria ser eu o responsável pela provável extinção da espécie?

A solução que encontrei foi aumentar a força de trabalho nos campos e obrigar horas extras de todos, o que resultou em aumento no número de doenças e algumas fatalidades. Embora impopular, a minha decisão foi validada quando consegui os recursos necessários a tempo, garantindo a sobrevivência de meus comandados. Porém, fica o alerta: nem sempre será assim em Frostpunk 2, pois algumas de suas decisões inevitavelmente resultarão no colapso da sociedade. Mas tudo bem: como os desenvolvedores fizeram questão de afirmar, o fracasso é uma parte natural da experiência neste simulador pós-apocalíptico.

Aqui, não é sobre quantas vezes você cai, mas sim sobre quantas vezes você levanta, pronto para sobreviver mesmo quando todas as circunstâncias (não só as climáticas) estão contra você. Pronto para a missão, caro leitor?

O inverno está vindo

Na prática, Frostpunk 2 une, assim como seu elogiado antecessor, estratégia em tempo real com simulação e gerenciamento de cidades. Há dois modos principais de jogo aqui — Campanha e Construtor de Utopia —, sendo que o primeiro é focado na reconstrução da Nova Londres. Sem entrar no campo dos spoilers, espere cinco capítulos e múltiplos finais a serem alcançados, diretamente ligados às escolhas que você fez durante a história.

Já o modo Construtor de Utopia é o que os veteranos do gênero costumam chamar de endless ou “sem-fim”. Ao contrário da campanha, que traz objetivos fixos que devem ser completados em determinados espaços de tempo (como as semanas in-game), aqui é possível começar um jogo em qualquer um dos sete diferentes mapas do título, personalizando a dificuldade e os objetivos como o desejado.

Cabe mencionar que o ideal e recomendado pelos desenvolvedores é começar pela campanha e depois seguir para a geração aleatória da Utopia, até porque, fazendo jus ao gênero, Frostpunk 2 é um jogo de complexidade considerável. Na maior parte do tempo, você estará lidando com diferentes menus e submenus e pensando formas de solucionar os problemas que não param de aparecer, como o frio e a insalubridade, o aumento de doenças e crimes, etc. 

Algumas vezes, as soluções simples darão conta do recado, como expandir um conjunto residencial para acomodar uma população em crescimento. Mas, ampliando o que foi visto no primeiro Frostpunk, esta sequência inova com a bem-vinda ênfase no aspecto político, turbinada pela transição energética do carvão para o petróleo.

Isto porque, ao invés de simples casas ou construções, somos capazes de erguer verdadeiros distritos com um simples clique do mouse. O resultado é que logo nos tornamos responsáveis não por dezenas, mas sim por milhares de pessoas virtuais, representadas por comunidades e facções distintas que adicionam uma nova e interessante camada estratégica à jogabilidade. 

O peso da liderança

Recentemente, um amigo meu, que é gestor público, postou um story com a frase “Quem quer liderar não pode querer agradar”. Conhecendo-o, posso afirmar que a postagem estava relacionada a algum contratempo no trabalho, mas isso não desmente a veracidade da afirmação: um líder deve ser capaz de enxergar o bem comum e, quando necessário, tomar decisões impopulares, convivendo com as críticas.

Ao jogar Frostpunk 2, confesso ter me lembrado dessa frase inúmeras vezes, pois conforme uma partida avança, é preciso tomar decisões difíceis, que frequentemente agradam uma parcela da população e desagradam outra. Uma esfera no centro da tela mostra o nível de tensão da partida e sua variação com o tempo: eventualmente, um alto número de divergências pode esgarçar o tecido social e mergulhar tudo em um caos incontrolável.

Os Terragélidos, por exemplo, defendem a adaptação à natureza como a única forma de sobreviver ao gelo. Já os Novos Londrinos defendem o progresso tecnológico como o caminho para a verdadeira prosperidade. Enquanto isso, há excêntricos como os Pregadores, que veneram o gerador de calor como um deus mecânico. 

Em uma sessão política com esses três grupos, incumbidos de votar a minha continuidade no poder, me comprometi a pesquisar a viabilidade de fábricas automatizadas, pois seus benefícios me pareciam abundantes em comparação com os danos. A ideia foi amplamente aceita pelos Novos Londrinos e acatada pelos Pregadores, mas gerou uma insatisfação duradoura com os Terragélidos: “Fábricas? Por que alguém pesquisaria isso?”

Pois é, na tentativa de progredir em um mundo pós-apocalíptico com a política em ebulição, será preciso fazer promessas e ceder a pautas com habilidade. Com nada menos que vinte facções e comunidades diferentes, bem como uma árvore de ideias cujos upgrades movem o mundo em direções completamente diferentes, tem-se a receita perfeita para aquela “dor de cabeça” agradável, que os fãs de jogos de estratégia certamente apreciarão.

Com o tempo, ainda é possível ver que Frostpunk 2 é sobretudo um envolvente simulador social: de repente, uma notificação no mapa me mostrou que um casal deu à luz a seu bebê no exato momento em que o gerador, por minha ordem, voltou a funcionar. Agradecidos, os pais entenderam o feito como um sinal de que a filha teria um futuro próspero, melhor do que o deles. 

Essas pequenas inserções, geradas aleatoriamente, abrilhantam as partidas e invariavelmente promovem a reflexão sobre temas relevantes para a nossa sociedade, como o aquecimento global, a relação com o meio ambiente, a luta de classes e a própria moral humana. Fazendo jus ao legado dos criadores de obras como This War of Mine, a abordagem do 11 bit studios prova que videogames podem, sim, tocar em assuntos como esses com a devida seriedade e sem perder o foco no processo.

A beleza no fim

Por fim, gostaria de elogiar a apresentação visual de Frostpunk 2, que consegue retratar o sofrimento e a desolação com sucesso, sem ceder à caricatura. Ver uma cidade se desenvolvendo em meio ao gelo sob as suas ordens é sempre um espetáculo, e dois destaques especiais, na minha opinião, são a interface e os menus do jogo, que unem beleza com simplicidade e facilitam a vida do jogador durante as partidas.

O mesmo pode ser dito da trilha sonora assinada por Piotr Musiał, que trabalhou no primeiro jogo da série e em outros pesos-pesados da indústria, como Diablo IV e The Witcher III: Wild Hunt. A sonoplastia binaural também merece menção, pois ao aproximar a câmera de um distrito, é possível ouvir as vozes que materializam os anseios da população, lembrando a psicose de Hellblade em ação.

No que tange à otimização, não presenciei problemas como quedas de quadros ou crashes em meu PC, mas, para quem prefere jogar com controles ou em um PC portátil, cabe mencionar que ainda não há suporte para dispositivos de comando além do mouse e teclado — o recurso deve ser implementado no PC próximo ao lançamento de Frostpunk 2 no PlayStation 5 e Xbox Series, esperado para 2025.

No mais, outra boa notícia é que há suporte completo para as tecnologias de upscaling, como DLSS, FSR e XeSS, incluindo a geração de quadros da AMD e da NVIDIA (esta última, exclusiva da série 4000). Também há, felizmente, suporte ao nosso idioma através de legendas e menus.

A esperança de dias melhores

Frostpunk 2 prova que a vida em um mundo tomado pelo gelo e dividido em sua essência é difícil, mas se torna possível a partir do momento em que se aceita que o fracasso não é o fim. Unindo política, estratégia e simulação, a nova obra do 11 bit studios se destaca e entrega uma experiência essencial para quem se interessa pelo gênero e, principalmente, por títulos que desafiam convicções morais. Agasalhe-se e levante: a Nova Londres está chamando você — é hora de provar novamente que o amanhã pode ser melhor do que o esperado.

Prós

  • Expande com sucesso os conceitos do primeiro título da franquia, adicionando camadas de estratégias e simulação social com foco na política e tomada de decisões;
  • A campanha com cinco capítulos e o modo endless, bem como a variedade de facções e comunidades que aparecem durante as partidas, garantem dezenas de horas de jogo e aumentam o fator replay para os entusiastas;
  • Direção de arte elogiável, capaz de retratar os sofrimentos humanos sem tender ao caricato;
  • Boa otimização e suporte a tecnologias de upscaling, como DLSS e FSR, completas com geração de quadros;
  • Suporte ao português brasileiro.

Contras

  • O foco nas tensões políticas e o aumento da escala pode incomodar quem preferia o caráter mais intimista do primeiro título;
  • Ausência de suporte a controles no lançamento.
Frostpunk 2 — PC — Nota: 9.0
Revisão: Juliana Piombo dos Santos
Análise produzida com cópia digital cedida pela 11 bit studios

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