Dragon Ball Sparking! Zero tem tudo para ressuscitar o espírito épico dos Budokai Tenkaichi originais

Este ambicioso retorno da clássica franquia parece entender o que os originais fizeram de tão bom a ponto de serem cultuados até hoje.

em 20/09/2024


“Um novo Budokai Tenkaichi começa” era o que exibia um letreiro nos últimos segundos do teaser exibido nas finais do campeonato mundial de Dragon Ball FighterZ, que ocorreu em fevereiro de 2023 e anunciou ao mundo o retorno de uma série dada como superada após quatorze anos sem um novo jogo. Após um tempo sem notícias, o game ressurgiu no The Game Awards do ano passado como Dragon Ball Sparking! ZERO, efetivamente resgatando as origens da série. Assim, levando em conta materiais promocionais e outras informações já disponíveis publicamente, vamos dar uma aquecidinha antes da porradaria e ver o que o futuro título nos aguarda.

Experiência Dragon Ball?

Nenhuma outra série de anime ou mangá conquistou tanto sucesso nos games quanto Dragon Ball. Algumas até conseguiram ganhar mais popularidade por conta de suas adaptações, enquanto outras têm uma dificuldade notória de emplacar seus jogos, mas Dragon Ball é a única série que, mesmo depois de seu final, segue recebendo novas releituras e sequências em um ritmo surpreendentemente constante.

Embora o retrospecto geral não seja unanimidade, dá para dizer que a obra de Akira Toriyama conseguiu estabelecer algumas marcas sólidas ao longo do tempo, mesmo que traga abordagens muito distintas entre si. Isso é apontado pelo próprio diretor de Sparking ZERO, Jun Furutani, em entrevista à IGN.

Segundo o Furutani, Dragon Ball FighterZ, por exemplo, trazia um jogo de luta bidimensional voltado para o cenário competitivo de eSports. Dragon Ball Xenoverse tinha como objetivo criar um avatar e viver aventuras no multiverso da marca. Dragon Ball Kakarot foi uma forma de recriar a experiência de acompanhar a saga Z em mais uma (primorosa) oportunidade.

O foco na recriação da sensação das batalhas épicas cuja escala é capaz de transformar todo o ambiente ao redor, entretanto, foi deixado de lado nos últimos anos. Isso também sem entrar no mérito dos fracassos que representam Tenkaichi Tag Team, Battle of Z e Ultimate Tenkaichi, que mais se assemelhavam a produtos desenvolvidos com o objetivo apenas de cumprir a tabela e trazer um novo lançamento para a série.

Aliás, é muito curioso o revisionismo que Xenoverse acabou passando nos últimos tempos. Considerando o ciclo de desenvolvimento de cinco anos de Sparking Zero, os fãs começaram a pegar mais leve com a quantidade de conteúdo que o título vinha recebendo, já que era o que teoricamente estaria segurando as pontas até o retorno da série Budokai Tenkaichi. É claro que isso é apenas especulação, mas ainda assim um movimento de reconhecimento bacana por parte da comunidade. 

O sentimento de nostalgia também é uma das forças motrizes que calcam Sparking! Zero, algo que a equipe de marketing soube dosar muito bem durante o trailer de anúncio do Dragon Ball FighterZ World Tour, que começa com flashes dos games Sparking anteriores rodando em uma TV de tubo, o que significa que eles entenderam que muito do apego que os fãs têm com a série acaba recaindo no campo sentimental.

Cada vez maior e melhor — uma breve retrospectiva da série Sparking!

O primeiro Budokai Tenkaichi tem uma história um pouco embolada, uma vez que ele é produto de uma época na qual o mercado de jogos não tinha se estabelecido ainda como a força global como é atualmente, com lançamentos internacionais e simultâneos, além de localização para diversas línguas, incluindo o português.

Naquela época, não era incomum que boa parte dos games japoneses ficasse restrito apenas àquele país, uma vez que as desenvolvedoras locais não vislumbravam tanto custo-benefício para começar o processo de exportação. Isso acarretava também em uma recorrente fragmentação dos direitos de publicação, pois certas marcas eram completamente retrabalhadas no intuito de chamar a atenção especificamente do mercado Ocidental, que tinha maneirismos e visão de mundo diferentes daqueles dos japoneses.

Dito isso, a então Bandai (antes de sua fusão com a Namco),  detentora dos direitos da série no Japão, tinha pouca atividade no Ocidente a ponto de se preocupar em localizar seus produtos, terceirizando o negócio. Naquele momento, a detentora dos direitos de distribuição da marca Dragon Ball nos games pertencia à Atari no Ocidente.

Foi assim que, enquanto o Japão recebeu Dragon Ball Z Sparking!, nome dado em referência a uma linha da versão original de Chala-Head-Chala, a icônica música de abertura da saga Z, o mercado ocidental estava ganhando Dragon Ball Z Budokai Tenkaichi.

Embora se trate nome de um nome nipônico que ainda fazia referência ao Torneio de Artes Marciais, o título em questão também foi pensado como uma forma de marketing indireto à série antecessora da marca de Akira Toriyama, Dragon Ball Budokai, o que leva a crer, erroneamente, que ambas tinham alguma relação direta ou indireta. Ressalta-se que não há absolutamente nada na concepção original que estabeleça uma relação entre as obras, a não ser o fato de ambas as linhas compartilharem os consoles PlayStation 2 e o Gamecube (posteriormente, Wii).

Ressalta-se que Budokai foi desenvolvido pelo Dimps, estúdio versátil em vários gêneros, inclusive de luta, que eventualmente teve dedo na concepção não só de outros jogos de Dragon Ball, como Burst Limit e Xenoverse, mas também de grandes nomes como Street Fighter IV. Dragon Ball Sparking!, por sua vez, é um produto desenvolvido pela então Spike antes de sua fusão com a Chunsoft em 2012.

Na prática, então, Budokai Tenkaichi é um produto bem distinto de Budokai, a começar pela perspectiva da jogabilidade, que ocupa um espaço tridimensional em terceira pessoa ao invés de se apegar ao modelo tradicional dos jogos de luta bidimensionais. Essa transição fez toda a diferença no que diz respeito à ideia de tentar emular com propriedade a escala dos combates mostrados na obra original, na qual o movimento e a destruição promovidos são as principais características.




Nota-se que essa câmera em ambiente tridimensional permitia uma liberdade maior para a criação de combates dinâmicos, visto que vez ou outra a perspectiva mudava como se fosse uma filmagem de televisão, como é o caso das colisões de energia ou de ataques especiais com animações pré-determinadas.

Outro aspecto que chamava atenção era a forma com a qual eles lidavam com a quantidade robusta de personagens. Com 58 lutadores presentes no título, era óbvio que vários deles se tratavam de clones arquetípicos, embora cada um tivesse suas características. É o caso dos macacos gigantes ou de personagens com scout, que podiam identificar a posição do oponente com a trava da mira mesmo se estivessem fora do campo de visão. Posicionamento e movimentação, inclusive, assumiram o primeiro plano na fomentação das estratégias de jogo.




Um ano depois do primeiro título da série, Budokai Tenkaichi 2 (no Japão, Sparking! Neo) chegou para sanar alguns dos principais problemas apresentados pelo original. Enquanto os combates eram suficientemente encorpados, o resto do produto carecia de consistência, tendo modalidades de jogo disfuncionais, do tutorial ao modo história.. O sucessor, por sua vez, veio com um acabamento muito maior, o que logo se tornou evidente pelo salto gráfico promovido por um charmoso estilo cel-shaded.

Dentre outras melhorias estão o refinamento do sistema de câmera (algo que, convenhamos, era bem importante em um jogo tão calcado pela movimentação tridimensional) e a possibilidade de se transformar durante as batalhas, o que efetivamente consolida o produto como um representante mais digno de uma das maiores marcas de Dragon Ball. Essa diversidade inclusive reflete no número total de lutadores, que praticamente dobrou em relação ao seu antecessor, alcançando 129 nomes entre formas e participações individuais.

O próprio modo história fez um esforço maior: ao contrário de simplesmente listar as batalhas do anime de uma forma pouco criativa, aqui é possível selecionar uma série de cenários distintos que podem ser acessados em uma espécie de “mundo explorável”, bem similar ao que os Budokai já tinham feito anteriormente.

Nas plataformas da Nintendo, Budokai Tenkaichi 2 abandonava o Gamecube para marcar presença no Wii, fazendo uso dos sensores de movimento da plataforma no intuito de provocar uma participação mais imersiva do jogador. Como boa parte das desenvolvedoras do console, a Spike não sabia muito bem como fazer isso e acabou atrelando comandos básicos a determinados movimentos exagerados, o que mais frustrava do que entretia, embora essa fosse uma escolha de controle opcional. 




Por sorte, eles acertaram a mão em Budokai Tenkaichi 3, que no Japão foi originalmente chamado de Sparking! Meteor. Agora, os sensores eram usados basicamente para replicar alguns movimentos dos golpes especiais — como levantá-los para o alto no intuito de aplicar um power up para a Genki Dama — e conseguiam exercer uma jogabilidade muito mais prática no console da Nintendo.

Não é nenhum delírio também falar que o último da trilogia é facilmente o mais consistente dos três em nível de produto, a começar pelo modo história, que reconta a trajetória de Goku e o resto dos Guerreiros Z não só ao longo do arco Z, mas também do de Dragon Ball original, de GT, dos filmes e, de quebra, alguns outros cenários hipotéticos com situações bem curiosas, que conversavam bastante com algumas discussões e suposições dos fãs.

Com 161 personagens jogáveis, tanto a jogabilidade quanto a capacidade de personalização se mostraram como as mais complexas da série até então, tendo também uma quantidade bastante diversa de modos de jogo além da campanha principal.

Depois de Budokai Tenkaichi 3 no Wii e no PlayStation 2, houve a tentativa de transportar esse sentimento de combates selvagens de escala planetária para os hardwares mais potentes do PlayStation 3 e do Xbox 360 com a série Raging Blast. Entretanto, o resultado final parecia um mero esforço superficial diante da versatilidade e complexidade oferecidas por seu antecessor espiritual em questão.

É por isso que uma menção honrosa à comunidade mod precisa ser feita, uma vez que eles pegaram o terceiro jogo da trilogia e continuaram, mesmo de forma não oficial, abastecendo-o de conteúdo, a exemplo dos personagens de Dragon Ball Super. Agora eles podem descansar, já que Sparking! Zero chega com a promessa de ressuscitar a proposta latente de todos esses anos da série. 



Recomeçando do Zero! Ou nem tanto...

Logo de cara, a interface de Sparking Zero já é convidativa e familiar, uma vez que ele se utiliza da câmera em terceira pessoa — algo que nunca foi realmente abandonado, Kakarot fazia o mesmo — em batalhas em arenas abertas e tridimensionais, imediatamente já denunciando o alto grau de interatividade dos elementos com os personagens em combate.

Comparativamente, o salto de qualidade chama a atenção levando em conta aos ambientes da trilogia clássica, uma vez que os novos hardwares agora permitem maior detalhismo na vegetação, texturas dos terrenos e no grau de destrutibilidade das montanhas e construções nos mais diversos campos de batalha.

Outro aspecto importante que até hoje é visto como um diferencial dos Budokai Tenkaichi é a quantidade robusta de personagens jogáveis, contando entradas individuais e suas transformações. Segundo o material promocional, Sparking ZERO terá um total de 181 lutadores de pelo menos três sagas confirmadas na edição base — Z, GT e Super, além dos filmes do Z — mais uma ainda inédita Dragon Ball Daima, cujo anime irá ao ar em outubro, como DLC. 

Considerando a possibilidade de conteúdos adicionais e atualizações posteriores, é possível ainda acreditar que esse montante chegue perto dos 200 lutadores, alcançando uma marca histórica e permitindo uma série considerável de possibilidades.

A palavra “possibilidades” não foi utilizada por acaso aqui. Convenhamos, seria contraprodutivo em um título tão robusto simplesmente reencenar, pela enésima vez, a história clássica da série tão cruamente. É por isso que os desenvolvedores se preocuparam em elaborar três modos de jogo distintos:
  • Episode Battle: descrito como um modo single-player em que o jogador controla basicamente Goku e Vegeta ao longo de diversas batalhas vistas na série, começando do Raditz e indo até os arcos finais do Torneio do Poder de Dragon Ball Super. Além disso, essa campanha contará com a recriação de cenas icônicas através de cutscenes elaboradas (novidade para a série, já que boa parte dos diálogos carecia de direção ou complexidade para além dos personagens olhando um para a cara do outro enquanto falam). Algumas dessas cinemáticas também foram confirmadas como sendo em primeira pessoa para que haja maior imersão na experiência Dragon Ball, bem como cenários hipotéticos nos quais o jogador pode fazer suas próprias escolhas.
  • Custom Battle: é um novo modo original no qual os jogadores podem criar diferentes situações envolvendo os estágios e lutadores presentes no título, incluindo a composição de cutscenes e condições de vitórias específicas. O próprio jogo já vai contar com alguns desses cenários prontos como exemplo, mas a ideia é que o jogador produza suas próprias situações e as disponibilize nos servidores online do game para que o resto do mundo as jogue. Lembra-se do comentário feito à cena mod? Pois então, é praticamente uma oficialização do que essa comunidade já fazia no melhor estilo Bomba Patch (mas com Dragon Ball).
  • Multiplayer Battle: de início, foi justificado que a experiência máxima de Dragon Ball que Sparking Zero tenta oferecer costumava exigir demais do jogo por conta da quantidade de itens destrutíveis e partículas de energia, o que resumiria o modo multiplayer apenas ao online. Porém, após demanda dos fãs, os desenvolvedores conseguiram adicionar um modo multiplayer local em tela dividida que funciona exclusivamente na sala da Morada do Tempo (Hyperbolic Time Chamber, em inglês).
Adicionalmente, também foi confirmada a presença de um modo de treinamento bem robusto, voltado tanto para os novatos quanto para os veteranos na série. Essa atenção ao tutorial é importante porque se trata de um revés recorrente na trilogia original, uma vez que a curva de aprendizado era considerada brutal para quem caia de paraquedas.

Isso é bacana porque, em questão de jogabilidade, duas opções foram implementadas, uma inspirada no estilo clássico dos títulos anteriores e uma nova, simplificada e moderna, voltada para novas audiências ou para quem simplesmente não se lembra de como jogar a trilogia clássica. O importante é que oferecer possibilidades distintas para o jogador é sempre um bônus no que diz respeito a atenção e zelo com o resultado final de um trabalho desenvolvido. 

Um novo começo espiritual

Considerando o histórico da franquia, Dragon Ball Sparking! Zero parece ter feito o dever de casa na hora de unir o que a série clássica tinha de melhor às novas tendências não só da indústria de games, mas também às novidades na própria série, criando um sentimento misto de modernidade e nostalgia. Mais do que isso, um eventual sucesso inicial do título pode render uma vida útil bastante longa ao game. Se Xenoverse está aí firme e forte segurando as pontas na representatividade, por que esse “Budokai Tenkaichi 4” não pode seguir pelo mesmo caminho?

Dragon Ball Sparking Zero
Plataformas: PC/PlayStation 5/Xbox Series
Desenvolvedora: Spike Chunsoft
Gênero: luta, anime
Lançamento: 11 de outubro de 2024 (early access em 8 de outubro)
Revisão: Juliana Piombo dos Santos

É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
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